Um nicho de poder e estilo: como as damas do século 18 participaram da industrialização

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Cheleira com desenhos em alto-relevo criados por Elizabeth Templetown Imagem: V&A Images

Alice Rawsthorn

31/07/2011 10h00

LONDRES – O design sempre esteve imerso no universo masculino, pelo menos até recentemente. Basta olhar nos livros de história. Você vai ver muitos e muitos homens, a começar pelos primeiros designers industriais, a maioria deles artistas eminentes como Charles Le Brun, que criou os tapetes para Gobelin no século 17, na França, e George Stubbs, cujas cerâmicas eram manufaturadas pela Wedgwood inglesa do século 18.  

O fundador da Wedgwood, o formidável Josiah Wedgwood, fez o incomum: contratou o trabalho de algumas mulheres nos anos de 1780. Todas as suas designers eram aristocratas modernas, e suas redes de contatos e amigos da alta sociedade podem ter interessado para ele, no mínimo, tanto quanto suas habilidades artísticas. Mas uma dessas mulheres tinha talento o suficiente para que seus trabalhos fossem copiados em larga escala pelos concorrentes da Wedgwood, tal seu sucesso comercial. Essa designer era Elizabeth Templetown. 

Devo, neste momento, chamar atenção para o fato de que os assuntos de Templetown não eram resultado de fantasias feministas. Os títulos dizem tudo: “Ocupação Doméstica”, “Afeição Maternal” e “Escola Familiar”.  Wedgwood queria que seu trabalho atingisse o mercado feminino, e ela o favoreceu ao criar cenas delicadas de mulheres realizando tarefas domésticas e mães carinhosas abraçando seus filhos para decorar objetos de cerâmica como bules de chá, vasos e baldes. Templetown realizou seu trabalho tão bem que acabou por abrir um precedente impressionante como uma das primeiras designers.

 “Ela só criou muitos desenhos para a Wedgwood, mas eles claramente encontraram tocaram um ponto sensível do mercado”, disse Hilary Young, curadora-sênior de cerâmica e vidro do museu Victoria & Albert, em Londres. “As criações de Templetown eram muito emotivas. Não são particularmente do meu gosto, mas elas são bons exemplos de seu gênero. Ela era, sem dúvidas, uma designer competente.”

Templetown nasceu Elizabeth Boughton em 1747, a primogênita entre quatro filhos de Shuckburgh Boughton, filho mais novo de uma baronesa, e Mary Greville, filha de um lorde e neta de um duque. Apesar de sua ascendência privilegiada, os pais de Templetown eram consideravelmente menos abastados e poderosos que a maioria de seus parentes, que herdaram grandes propriedades e títulos majestosos. Em 1769 ela teve um casamento respeitável, embora nada espetacular, com Clotworthy Upton, que vinha de uma família de militares e políticos.

Como sua esposa, Upton era competente e ambicioso. Ele mantinha um cargo sênior na família real e, em 1776, recebeu o título de Barão Templetown, transformando a Sra. Upton na primeira Lady Templetown. Na época, eles tinham dois filhos, Fulke e John, e uma bebê, Elizabeth. O casal era solicitado na sociedade londrina, onde Templetown era conhecida por seu talento como artista amadora. Em 1783, eles contrataram o arquiteto neoclássico Robert Adam para reformar sua casa de campo, um castelo do século 16 na Irlanda do Norte que o empreendedor Upton havia comprado no começo do século 17 e batizado de Castelo Upton. 

Assim como as damas “artistas” da sociedade no final do século 18 -como Templetown- seguiram os passos de arquitetos da moda, como Adam, elas também ficaram fascinadas pela Revolução Industrial. Décadas depois, as classes mais abastadas inglesas veriam a industrialização com desdém, mas no final dos anos de 1700 ela ainda estava engatinhando, e as fábricas mais progressistas eram consideradas como profundamente dinâmicas.

O mais dinâmico industrialista entre todos era Wedgwook. Tendo aprendido o ofício como aprendiz de oleiro, ele abriu sua própria olaria na sua Staffordshire nativa em 1758. Fascinado por ciência, ele desenvolvia constantemente novos materiais e técnicas. Ele combinava sua habilidade empreendedora no marketing com a visão estratégica em investimentos ousados -em canais, por exemplo, para transportar sua frágil mercadoria.

Wedgwood também tinha um forte interesse por arte. Ele incentivava artistas talentosos, como Stubbs, John Flaxman e Joseph Wright, a criar para a empresa, e se comprometeu com projetos ambiciosos. Entre eles, estava o Green Frog Service, encomendado em 1773 pela imperatriz russa Catarina, a Grande. Consistia em 952 peças, cada uma das quais exibia um sapo e uma cena cotidiana britânica. Wedgwood enviou artistas por todo o país para esboçar e pintar florestas, rios e castelos, além de trabalhos de serralheria e canais. Um dos artistas viajou com uma moderna câmara escura. 

Não seria, portanto, uma surpresa o fato de Templetown e suas amigas terem ficado fascinadas pelas conquistas de Wedgwood. Decorar a porcelana Wedgwood lisa tornou-se uma elegante habilidade feminina, como cantar e bordar. Em seu livro sobre Wedgwood e seu meio, “The Lunar Men” (sem tradução para o português), Jenny Uglow sugere que algumas pessoas da sociedade, possivelmente incluindo ali Templetown, abordaram-no para perguntar se suas criações poderiam ser produzidas nas fábricas dele. Independentemente de quem tenha se aproximado de quem, as primeiras peças de Templetown para Wedgwood se mostraram tão populares que em 1783 ele escreveu uma carta (um tanto efusiva) elogiando seu trabalho “encantador” e expressando seu desejo de ser privilegiado por mais criações dela.  

O papel de Templetown como designer consistia em desenhar suas cenas tocantes a lápis ou criá-las em papel bíblia. As imagens eram então replicadas fielmente na delicada louça branca de William Hackwood, o modelador mais habilidoso de Wedgwood, e o resultado ornamentava objetos de cerâmica. Frequentemente seus motivos eram inspirados pela mitologia clássica, embora ela também tenha desenhado sobre histórias de escritores do século 18, como Goethe e Laurence Sterne. Muitas das peças de Templetown hoje pertencem a coleções de museus, e seus desenhos de maior sucesso mantiveram-se em produção até recentemente.

Seu marido morreu em 1785, deixando uma viúva de trinta e tantos anos e três filhos. Um quadro, pintado cinco anos depois por John Downman, retrata uma mulher muito atraente, vestida e penteada de acordo com a moda, de uma beleza não convencional, porém ativa e determinada. Ela nunca mais se casou, e passou boa parte do resto de sua vida na Itália. Templetown morreu em 1823, depois de ver seu filho John receber o título de Visconde Templetown e sua filha Elizabeth se casar, deslumbrantemente, com o Marquês de Bristol. 

Outras socialites desenharam para Wedgwood, inclusive Diana Beauclerk, filha do Duque de Marlborough, e Emma Crewe, cuja endinheirada mãe fora uma das melhores clientes da empresa. Seus desenhos, entretanto, não foram tão populares quanto os de Templetown na época, tampouco viveram por tanto tempo.

Tradutor: Érika Brandão

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