Uma análise da China como criadora, e não como fabricante
ROTTERDAM - Que tal um telefone que parece a escultura de um crânio com diamantes do Damien Hisrt? Ou um cinzeiro ou isqueiro que lembre o Ninho de Pássaro, o famoso estádio olímpico de Pequim? Medalhas falsas? Pacotes de dólares americanos e yuan chineses falsos? (Recado para o falsário: os dólares americanos verdadeiros são impressos em verde e preto, não em vermelho).
Você pode comprar a maioria destas bugigangas em qualquer grande cidade chinesa, mas estas peças em particular estão na “daringdesign”, uma exposição aberta até 20 de novembro no Instituto de Arquitetura Holandesa (NAI, na sigla em holandês), de Rotterdam. Elas estão ali como exemplos da sucata reluzente que dominou a cultura do consumo na China e que ilustram o desafio que os designers chineses enfrentam. Seus trabalhos estão na exibição mostrando como se esforçam para desenvolver uma abordagem mais significativa no design.
Modelo da estilista chinesa Ma Ke
A China está ansiosa por evoluir da maior linha de produção do mundo para um centro de pesquisas e desenvolvimento. Diferente da maioria de seus rivais, o país vem investindo pesado, na esperança de acelerar o processo. Mais de uma centena de escolas de design foram inauguradas ou estão em construção na China hoje. A questão de “quando” (ao invés de “se”) a China vai desenvolver uma cultura dinâmica de design é um tema crucial no design global, assim como que tipo de cultura será essa. Estes temas são explorados não apenas na “daringdesign” em Rotterdam, mas também em outra exibição, “China New Design”, que ficará no Museu de Design La Triennale, em Milão, até 11 de setembro.
Rotterdam e Milão
As duas exibições são de escalas muito diferentes. A “daringdesign” é maior, recebeu mais investimento e é mais direcionada. Ela analisa o papel da provocação no trabalho de oito designers holandeses e chineses, e descreve os contextos culturais e econômicos nos quais trabalha. Os oito participaram do “Taking a Stance”, outra exibição do NAI que viajou pela China no ano passado. Entre os participantes holandeses, Irma Boom cria livros, Hella Jongerius cria produtos, Rem Koolhaas/OMA trabalha com arquitetura e Alexander van Slobbe é estilista de moda. O contingente chinês inclui os arquitetos do escritório Urbanus, os designers gráficos do To Meet You, a estilista Ma Ke e o artista, arquiteto, designer e ativista político Ai Weiwei.
“China New Design”, no La Triennale, é menos ambiciosa. Consiste numa seleção de projetos do “New Design”, uma série de exibições que aconteceram no Ulles Center de Arte Contemporânea, em Pequim, no ano passado. Não é uma tentativa de contextualizar o conteúdo ou o desenvolvimento do design chinês, pelo menos não no La Triennale. (Eu não vi a versão paralela da exibição no Palazzo Chiablese em Turim.)
A boa nova é que há um trabalho muito atraente realizado pelos designers chineses, tanto na exibição de Rotterdam quanto na de Milão, particularmente na moda e no design gráfico. Isto não surpreende, uma vez que é relativamente barato e fácil para jovens designers trabalhar com independência nestas áreas, tipicamente as primeiras áreas do design a se desenvolver em economias em expansão.
Complexo residencial em Guan-Zhou, na China, com projeto arquitetônico do escritório Urbanus
Em contraste, o desenvolvimento de produtos é tão caro que os designers costumam depender da autorização concedida por fabricantes simpatizantes, que são raros em qualquer lugar, mas especialmente na China, onde a maior parte da indústria ainda é controlada pelo Estado. Linda Vlassenrood, curadora da “daringdesign”, procurou um designer de produtos chinês cujo trabalho fosse forte o bastante para incluir na exibição, mas não encontrou.
Por sorte, há escolhas mais ricas no design gráfico. Liu Zhizhi e Guang Yu, que trabalham separadamente, mas também colaboram no grupo To Meet You, são os únicos designers a aparecer tanto na exibição de Rotterdam quanto na de Milão. Agora, com seus 30 e poucos anos, eles cresceram em uma China na qual a única manifestação de design gráfico era a propaganda governamental. Na época em que ambos entraram na Central Academy of Fine Arts em Pequim, a cena gráfica vinha emergindo lentamente. Na década seguinte às suas graduações, cada um definiu uma linguagem distinta no design de projetos, encomendados, na sua maioria, por amigos dos mundos das artes, da moda, da música e da publicidade.
Seus trabalhos são essencialmente expressivos, embora também critiquem o consumismo chinês. (Foi ideia deles incluir o telefone “Damien Hirst” e notas de dólar falsas na “daringdesign”). Assim como Ruan Qianrui e outros designers gráficos do “China New Design”, o Liu e o Guang utilizam técnicas tradicionais chinesas de ilustração e impressão em papel, e referências do cotidiano. Mas existe uma diferença crucial entre seus trabalhos e os gráficos ocidentais: eles são feitos para serem lidos instintivamente, como é o hábito chinês, e não racionalmente.
Crítica e provocação
A história chinesa também é citada na arquitetura do Urbanus, particularmente na sua contribuição para o “daringdesign”: um projeto social de habitação em Guangzhou, inspirado pelos antigos “toulou”, os prédios circulares que proporcionaram moradia comunitária na China durante séculos. De modo similar, a influência da vestimenta tradicional chinesa é evidente nas coleções de Ma. Ela cria roupas como protesto contra o consumismo desenfreado ao produzi-las com tecidos e outras peças de roupas recicladas, sempre utilizando processos e estilos antigos e inventando seus próprios tingimentos orgânicos. O resultado é uma interpretação muito mais convincente de moda sustentável que muitos dos contemporâneos ocidentais ousaram criar.
Mas o trabalho mais provocativo das duas exposições é o de Weiwei. Ao combinar arte, design e projetos arquitetônicos em seu estúdio, o FAKE Design, ele perpetuou a tradição chinesa de misturar diferentes disciplinas. Quando Vlassenrood pediu que ele escolhesse um projeto político para a “daringdesign”, ele sugeriu exibir as respostas oficiais que recebeu acerca dos pedidos de informação sobre as causas e consequências do terremoto de 2008 em Sichuan, no qual mais de 5 mil estudantes morreram. Ele finalizou os planos para a instalação antes de ser preso na China, no começo de abril deste ano. Foi solto mês passado.
“Depois que Ai Weiwei foi preso, não sabíamos se o governo chinês impediria sua obra de sair do país, mas eles não o fizeram e as pessoas em seu escritório disseram que queriam muito que a exibição continuasse”, diz Vlassenrood. “A preocupação agora, desde a sua libertação, é se mostrando essas cartas não vamos colocá-lo em risco. Até agora não tivemos nenhum indício que isso aconteceria. Este é um trabalho extraordinário, e é muito, muito importante que seja exibido.”
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