Studio FormaFantasma: a criação de objetos que recuperam o passado

Studio Formafantasma
Peças da Série Autarchy, do escritório italiano de design Studio Formafantasma, inspirada na forma dos pães feitos na Sicília para a Festa de São José em Salemi Imagem: Studio Formafantasma

Alice Rawsthorn

21/08/2011 10h00

EINDHOVEN, HOLANDA – Quando a seca atingiu a Sicília na Idade Média, os moradores locais rezaram para São José, o santo padroeiro local, para que ele os salvasse da fome mandando chuva. Quando a chuva chegou, eles agradeceram com um banquete. Todo ano, desde então, os cidadãos de Salemi, no sudoeste da Sicília, celebram o dia de São José assando pães em formas estranhas e intrincadas para um banquete elaborado.  

O espetáculo das festividades de São José em Salemi inspirou os designers italianos Andrea Trimarchi e Simone Farresin, que juntos formam o Studio FormaFantasma, a criar Autarchy, uma coleção de vasos e luminárias feitos com um bio-material especialmente desenvolvido e baseado na mesma farinha usada no pão da festa. Autarchy é um dos finalistas do premiação anual INDEX: por seu design sustentável e humanitário. INDEX: é o prêmio de design mais valioso do mundo, e será realizado em Copenhagen em setembro. 

Como todos os trabalhos do Studio FormaFantasma, Autarchy é elegante e muito eloquente em sua análise provocativa sobre questões políticas. No seu subtexto podemos ver a pobreza de comunidades rurais como a de Salemi, além da resistência das pessoas que vivem ali. Os projetos anteriores do Studio FormaFantasma exploraram a herança colonial italiana, o alvoroço acerca da imigração e a crise ambiental. Em uma época em que o design conceitual está cada vez mais na moda, particularmente entre novos profissionais, as habilidades de Trimarchi e Farresin em explorar tais questões, enquanto satisfazem os critérios do design convencional de forma e função, fizeram com que a dupla saísse na frente.

Prêmio INDEX:

O INDEX: é o primeiro de uma série de eventos pela Europa dos quais eles vão participar durante o outono (no hemisfério norte). Eles vão produzir a exposição de estreia do novo espaço da galeria londrina Libby Sellers quando esta abrir, em setembro. Também em setembro vão abrir a exposições na Audax Textile Museum, na cidade holandesa de Tilburg, além da bienal de design de Lisboa, a Experimenta. Botanica, uma coleção de objetos feitos à base de polímeros naturais que eles mesmos desenvolveram usando derivados vegetais e animais, será exibida a partir de outubro no Museo Plart, em Nápoles.  

Em seu estúdio em Eindhoven, a cidade industrial holandesa que se tornou o quartel-general não-oficial do design conceitual, Trimarchi, 28 anos, e Farresin, 30, parecem estar num jogral. Trimarchi chama menos a atenção que seu sócio, mas ambos possuem um estilo bastante despojado, e entram e saem da conversa sem parar, um sempre completando as frases do outro.  

Eles se conheceram quando estudantes no Instituto Superiore Industrie Artische em Florença, e trabalham juntos desde que se formaram. Entre seus heróis do design estão Achille Castiglioni e Ettore Sottsass, dois dos “maestri” que ajudaram a transformar a Itália em um dos centros de design mais dinâmicos do século 20. Mas, quando tiveram de escolher onde fazer o mestrado, decidiram ir para o exterior.  

 “As escolas de design italianas são ótimas para criar ferramentas perfeitas para trabalhar com designers já estabelecidos, mas você nunca é incentivado a desenvolver a própria identidade”, disse Trimarchi. “Não sei por que o sistema de educação do design na Itália se tornou tão conservador e tacanho, mas foi o que aconteceu”, acrescentou Farresin.

Design Academy de Eindhoven

Quando eles viram a exibição de graduação da Design Academy de Eindhoven na Feira de Milão de 2007, resolveram ir para lá. “Ficamos muito impressionados com os trabalhos e com a abordagem conceitual do design naquela escola”, lembra Trimarchi. “Pareceu libertador para nós. Simplesmente dissemos ‘É isso aí’. Nem fomos conhecer a escola antes.”

No começo, acharam tudo muito difícil, no mínimo porque não estavam acostumados com o modo direto e franco com que os holandeses criticam os trabalhos de seus alunos, mas logo se enquadraram naquele meio. Moulding Tradition, a série de vasos que remetem ao legado do artesanato que os árabes deixaram quando conquistaram a Sicília, no século 10, e à controvérsia de hoje em dia sobre a imigração na Itália, foi um sucesso na exibição de graduação da Design Academy, em 2009. Quando Libby Sellers viu aquilo, expressou interesse imediato em trabalhar com a dupla.

Desde a gradução, há dois anos, eles vivem em Eindhoven, onde trabalham em um estúdio que ocupa vários aposentos de um sanatório desativado, ao lado de mais de uma dúzia de colegas também formados na Design Academy. “Aqui temos como que a utopia do design”, disse Farresin. “Tem muita exibição e muita discussão. Adoraríamos voltar para a Itália em um ou dois anos, mas perderíamos o debate.”

Conexão siciliana

Todo ano, desde a formatura, eles exibem um novo projeto na galeria Rosanna Orlandi, em Milão, durante a Feira do Mobiliário. Autarchy, de 2010, foi a antecessora de Botanica, deste ano. Desde então, eles produziram Colony, uma série de cobertores encomendados pelo Audax Textile Museum, que representam as construções modernista italianas do norte da África. O tema é oposto ao de Moulding Tradition: trata do legado italiano para suas colônias, e não o contrário. As duas obras serão exibidas simultaneamente na galeria Libby Sellers. 

A maior preocupação do Studio FormaFantasma é usar o processo de design como meio de investigação do significado dos objetos, inclusive o contexto no qual são feitos, e sua relevância na atual situação política. Trimarchi e Farresin iniciam seus projetos com meses de pesquisa e discussões antes de criar maquetes e esboços do resultado final. Fato incomum entre designers, eles sempre escrevem sobre seus trabalhos no meio do processo para refinar seus pensamentos e identificar qualquer fraqueza.

Depois dos vernissages do outono, eles estão planejando finalizar outro projeto independente. Assim como Moulding Tradition e Autarchy, este se originou na Sicília e vai explorar um aspecto idiossincrático da arte local, embora a prioridade seja começar a criar para produção em escala industrial, ou pelo menos tentar isso.

“Temos dificuldade de imaginar como integrar os elementos políticos e narrativos do nosso trabalho em uma produção industrial”, explica Farresin. “Mas também estamos nos questionando se deveríamos fazer aquilo ou sair em busca de um produto que resolva certos problemas, como os aspectos da sustentabilidade. É um desafio, mas queremos muito fazer isso e precisamos descobrir se podemos ou não. É nosso componente italiano aflorando.”

Tradutor: Érika Brandão

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