Somos pós-modernos, mas não exatamente orgulhosos disso

Studio Azzurro/Galleria Post Design/Memphis, Milano
O grupo Memphis foi fotografado em 1981 em um "cantinho de bate-papo" na forma de um ringue. Em 1985, um dos seus fundadores, Ettore Sottsass, desistiu do grupo, desencantado Imagem: Studio Azzurro/Galleria Post Design/Memphis, Milano

Alice Rawsthorn

09/10/2011 10h00

LONDRES –Se eu tivesse que escolher um único evento para resumir a influência do pós-modernismo no design, escolheria a estreia do grupo de design Memphis, realizada numa festa em Milão, no dia 18 de setembro de 1981. Há vários motivos para eleger a ocasião, nem todos eles bons.

O mobiliário kitsch e colorido do Memphis era uma representação populista das teorias pós-modernistas que dominavam o discurso de vanguarda na arquitetura e no design havia mais de uma década. O sucesso na interpretação daquelas ideias tão atraentes encorajou outros a tentar o mesmo. Não há nada de errado nisso, exceto o fato de os resultados serem geralmente risíveis. Já voou limão no seu olho enquanto você usava aquele espremedor do Philippe Starck, em forma de lula? A culpa é do Starck, mas aquele espremedor é parte do legado do Memphis.                    

Memphis tem sido igualmente influente na redefinição da relação do design com a mídia. Foi um dos primeiros grupos intelectualmente engajados a atrair a cobertura da mídia mainstream, começando pela festa de lançamento, altamente popular. O evento estava tão lotado que o fundador do grupo, o designer italiano Ettore Sottsass, chegou atrasado porque seu carro ficou preso na multidão.

Estilo e subversão

Assim que a festa terminou, sua namorada na ocasião, a crítica de design Barbara Radice, publicou uma série de artigos exaltando o grupo Memphis como um importante e novo movimento do design, ilustrada pela foto da equipe de Sottsass e seus jovens colaboradores relaxando em um “cantinho de bate-papo”, em forma de ringue de boxe. Outra linha de cobertura apresentava a notícia que o amigo de Sottsass, o estilista Karl Lagerfeld, havia mobiliado seu apartamento em Monte Carlo com projetos do grupo.  

Trinta anos depois do surgimento do Memphis, festas extremamente populares, campanhas publicitárias elaboradas, retratos de interesse midiático e móveis caros e pouco funcionais são as matérias-primas do mundo do design. Mesmo Sottsass tendo deixado o grupo em 1985, o Radice disse que ele se sentia “perseguido como um rockstar” pela mídia delirante ao redor do grupo. Sottsass, que faleceu em 2007, recusou-se a discutir o Memphis publicamente durante vários anos após sua saída.

A narrativa da relação de amor e ódio com o Memphis será reproduzido em “Pós-modernismo: Estilo e Subversão 1970 – 1990”, uma exibição recém-aberta no museu Victoria & Albert, em Londres. De 24 de setembro a 15 de janeiro, é a última das retrospectivas do V&A sobre os movimentos de arte e design, que incluíram Barroco, Art Déco e Modernismo.  

Mostra no V&A trata do trajeto do pós-modernismo

A época é propícia graças aos paralelos entre as condições atuais e o turbilhão econômico e cultural do qual emergiu o pós-modernismo, na virada dos anos 1970. “O pós-modernismo é um tipo de sistema de alerta antecipado para a vida que levamos hoje”, diz Glenn Adamson, cocurador da exibição, ao lado de Jane Pavitt. “Existe muita ressonância com o que acabamos de experimentar: o colapso da economia, a crise do avant garde e o debate sobre o que significa ser socialmente progressista.”

Todos os movimentos explorados nas retrospectivas do V&A possuem trajetórias complexas, mas a história do pós-modernismo é particularmente problemática. Nos anos 1980, muitos dos seus primeiros paladinos tornaram-se tão desiludidos que o rejeitaram, como fez Sottsass. O crítico americano Hal Foster escreveu, em 1985, “Pós-modernismo: ele existe mesmo? Se sim, o que significa? É um conceito ou uma prática, uma questão de estilo local ou um novo período ou fase econômica? Quais suas formas, efeitos, posições?” 

Estas são as questões que o V&A espera responder com a exibição. Mas seus esforços para realizar tal feito não foram corroborados pela ambivalência contínua do tema. “É um verdadeiro problema o fato de que tão poucas pessoas se identifiquem positivamente com o pós-modernismo,” diz Adamson. “E há toda uma lista de pessoas que não querem ser identificadas com ele.” Entre elas está o arquiteto americano Frank Gehry, embora o Victoria & Albert tenha persuadido Gehry a participar.

Crítica ao movimento moderno

Tanto ceticismo é compreensível. O pós-modernismo começou no final dos anos 1960, quando arquitetos progressistas dos Estados Unidos e grupos italianos como Archizoom e Superstudio divulgaram seus pressentimentos sobre o que eles viam como um movimento modernista cada vez mais insípido.

Além de criticar o modernismo, eles também abraçaram alguns de seus tabus, entre eles o niilismo, a nostalgia, o kitsch, a ornamentação e a ironia. No final dos anos 1970, suas ideias foram refinadas e transformaram-se nos trabalhos de Sottsass, Alessandro Mendini e outros designers, ao lado dos textos do arquiteto holandês Rem Koolhaas.

Na época, elementos estilísticos de pós-modernidade eram visíveis nos novos gêneros musicais, o punk inglês e o hip-hop americano. Como Memphis ilustrou, o estilo pós-modernista tinha um forte apelo mainstream. O designer gráfico Peter Saville lidou com isso com destreza nas capas dos discos do Joy Division e do New Order, assim como Rudy VanderLans e Zuzana Licko fizeram com a revista “Emigre”, e  Philippe Starck fez no interior do hotel Royalton, em Nova York.

Estilo ou movimento?

Mas era perigosamente fácil deixar que o pós-modernismo parecesse cafona. Imagine todas as bandas do movimento New Romantic esperneando nos primeiros promos da MTV, os hotéis Gulf, que ainda pareciam templos neoclássicos baratos, e aquele irritante espremedor de limão. Não é de se espantar que Gehry não quisesse nada com aquilo.

O pós-modernismo pode ter surgido na arquitetura e no design, mas assim como James Wines -arquiteto americano cujas “ruínas” estavam entre suas construções mais memoráveis- sugere no catálogo da exibição, sua influência tem sido mais profunda e contínua em outros meios como cinema, apresentações performáticas e literatura. 

Quando falamos sobre design, as questões críticas eram se o pós-modernismo seria um estilo ou movimento e se ele conseguia captar, mais do que passar, um (extremamente necessário) toque de despertar para o modernismo. As apostas estão contra um veredito favorável. Ter sido liquidado pelos próprios defensores não ajudou, muito menos suas homenagens cafonas. O pós-modernismo também sofreu com problemas de ritmo: perdeu a preferência no começo dos anos 90, quando o design se transformou pela internet e pela tecnologia digital.

Até a escolha do nome foi infeliz. “Nunca entendi por que o pós-modernismo tinha que se definir no negativo”, escreveu o músico David Byrne no catálogo do V&A. “Não dizia o que desejava ser, e sim o que não era.

Tradutor: Érika Brandão

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