Britânicos cultivam alimentos nas salas de um prédio do século 19, em Londres; saiba como
LONDRES – Não foi um mar de rosas. Uma safra de tomates foi destruída por insetos. As esponjas vegetais estavam crescendo bem até que aranhas as atacaram. Houve uma enchente. Os peixes quase morreram em uma queda de energia. As flores comestíveis morreram, assim como os cogumelos.
“No começo, não éramos peritos no cultivo de alimentos e tivemos que aprender rapidamente, pelos nossos erros e também pelos acertos”, disse Paul Smyth, um engenheiro que passou seis meses tentando produzir todas aquelas coisas e mais um pouco, com seus colegas do grupo de design ecossocial Something & Son. “É preciso ser perseverante em um experimento deste tipo”, ele disse. “Tudo o que dava errado nos mostrava que, na próxima vez, teríamos que fazer de outro jeito.” O experimento é a FARM:shop, cujo objetivo é descobrir quantos tipos diferentes de alimentos podem ser cultivados em uma pequena loja numa rua movimentada de Dalston, em Londres.
Fundado por Smyth, pelo designer gráfico que se transformou em artista Andy Merritt e pelo cientista social que se transformou em fazendeiro Sam Henderson, o grupo Something & Son encheu a loja (que antes era um espaço abandonado) com a tecnologia necessária para cultivar produtos em condições restritas. Existe ali alguma coisa comestível crescendo em cada um dos cômodos. Ao entrar, a primeira coisa que se vê, e se ouve, é a água que sai dos tanques de tilápias para abastecer as alfaces. No teto, três galinhas desafiam o barulho do trânsito de Dalston.
Curiosidade e entusiasmo
FARM:shop é um modelo intrigante a ser seguido, numa época de interesses crescentes no design ambiental e social. "Eu fiquei maravilhada porque é admiravelmente original e demonstra uma rara engenhosidade e perspicácia", disse a curadora Beatrice Galilee, que incumbiu o Something & Son de criar um jardim para o Gwangju Design Biennale na Coreia do Sul. "No âmago do trabalho deles está uma posição realmente ética sobre o meio ambiente e conhecimento sobre colheitas, plantas e os processos de produção alimentar. A abordagem deles também me impressiona como particularmente britânica, pela curiosidade antiquada e pelo entusiasmo com a engenharia."
Something & Son nasceu em 2008, quando os três fundadores se conheceram enquanto trabalhavam para grupos ambientalistas em Londres. "A gente queria fazer alguma coisa ligada ao meio ambiente, além de engajada socialmente", diz Merritt. "E todos viemos dessa estrada do desejo de fazer algo significativo, que também é criativo."
Seu primeiro projeto foi criar um estacionamento dentro de um carro, uma instalação para o Festival de Arquitetura de Londres. Então eles ouviram falar sobre um programa para artistas ocuparem lojas vazias em Dalston e apresentaram a proposta para a FARM:shop. Em julho de 2010 eles receberam as chaves do imóvel na Dalston Lane, número 20, um prédio do século 19 de quatro andares, dilapidado, e que estava servindo como refúgio para mulheres da Turquia. A prefeitura local deu a eles 6 mil libras, cerca de US$9.500, para cobrir os custos da reforma.
Pelo Twitter, 40 voluntários
O local era uma espelunca, como lembra Merritt. “Havia camadas de tapetes, papéis de parede horrorosos por todos os lugares e barras nas janelas para proteger as mulheres e crianças que estavam dentro do refúgio. Tivemos que arrancar tudo e passamos meses tentando fazer com que ficasse razoável. De algum modo, alguém descobriu o que a gente estava planejando e tuitou a respeito, logo no primeiro dia. De repente, tínhamos 40 voluntários querendo ajudar. Tem sido assim desde então.”
Toda a tecnologia de cultivo foi doada pelos fabricantes e adaptada para a FARM:shop em colaboração com o Something & Son. A tilápia e a alface no térreo são alimentadas por um sistema aquapônico da Aquaponics UK, que usa água e dejetos do tanque de peixes para fornecer nutrientes para as plantas, e depois limpa a água para os peixes. Ambos estão indo bem, embora tenha sido complicado encontrar o equilíbrio entre o aquecimento para as tilápias e os nutrientes para as alfaces. Quanto mais quente a água, mais rapidamente os peixes crescem, mas quanto maiores eles ficam, mais nitrato produzem, às vezes em excesso para as plantas.
No primeiro andar, tomates, pimentas e manjericão estão crescendo em um sistema hidropônico desenvolvido pelo Growell, ao lado de uma pequena unidade aeropônica que alimenta as plantas borrifando suas raízes com água. O jardim externo está tomado por uma estufa para o cultivo de legumes e verduras, construído com madeira e plástico, e por uma horta de ervas, feita com madeira doada das construções para as Olimpíadas de Londres de 2012. As galinhas passeiam pomposa e alegremente pelo teto do viveiro, mas o Something & Son não teve sorte com os cogumelos no porão. “Vamos vencer”, afirma Merritt.
Engenharia financeira
A FARM:shop é financeada principalmente por um café que serve o que foi produzido ali e na Church Farm, onde fica o terceiro sócio-fundador, Sam Henderson, na vila de Ardeley, em Hertfordshire, a uma hora de carro de Dalston. Os lucros são reinvestidos na FARM:shop, assim como o dinheiro do aluguel de salas para escritórios, passeios guiados pelo prédio e o aluguel do espaço para encontros e festas com DJs.
O trio Something & Son trabalha ali de graça, ajudado por voluntários, mas recentemente contratou um funcionário para o café. Eles esperam contratar mais funcionários, introduzir novos tipos de produtos e tecnologias de cultivo e, consequentemente, tornar o prédio mais autossustentável em termos de água e luz. “Originalmente, não tínhamos tempo, dinheiro ou ferramentas, só um pequeno aluguel”, diz Smyth. “Sabemos o que é preciso fazer.”
Something & Son está agora embarcando em novos projetos, a começar pelo jardim de Gwangju, que é sustentado por um sistema aeropônico que a equipe criou do zero. Depois, eles esperam abrir uma fazenda urbana maior, possivelmente em alguma fábrica ou galpão abandonado.
“O desafio na FARM:shop é aprender como ser mais sistemático, assim como são os fazendeiros, creio eu”, diz Smyth. “Mas também queremos encontrar um local maior, em Londres e com fortes laços com a comunidade, para ver o que acontece quando cultivamos comida em uma escala muito maior.”
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