Museu na Alemanha organiza exposição sobre o "diabólico" designer Carlo Mollino

Cavalli/Haus der Kunst
O Teatro Regio, em Turim, Italia, uma das melhores criações de Carlo Mollino Imagem: Cavalli/Haus der Kunst

Alice Rawsthorn

23/10/2011 10h00

MUNIQUE – Talvez ele realmente dormisse o dia inteiro e trabalhasse a noite toda. Tenha corrido com um carro que ele mesmo desenhou em Le Mans. Tenha insistido que seus móveis só fossem feitos aos domingos, quando ninguém podia vê-los na oficina. Talvez ele realmente tenha batido seu avião em um cabo de alta tensão e saído andando dos destroços sem um arranhão. E talvez as únicas pessoas que tenham aparecido no seu velório fossem prostitutas.  

Dizem que tudo isso aconteceu com o arquiteto, designer e fotógrafo italiano Carlo Mollino em meados do século 20. Mas aconteceram? Quem sabe dizer? Tantos mitos surgiram a respeito de Mollino desde sua morte súbita em 1973 que é difícil separar fato de ficção. Um personagem complexo, geralmente do contra, Mollino era tão talentoso e disciplinado quanto decadente e obcecado por erotismo e ocultismo. Descrito pelo pai como um “inútil”, e por um colega de universidade como “diabólico”, ele enfatizava a importância da sua reputação ao cultivar uma aura de mistério e se caracterizar como um personagem teatral, mau e de bigode.  

Seu trabalho é o tema da exposição “Carlo Mollino: Maniera Moderna”, que pode ser traduzido livremente como “Conduta Moderna”, aberta até dia 8 de janeiro na galeria de arte Haus der Kunst, em Munique. Cuidadosa e espirituosa, a exposição tem curadoria de Chris Dercon, aqui em seu grand finale como diretor da Haus der Kunst -que ele deixou no primeiro semestre para assumir a mesma função na Tate Modern de Londres- em colaboração com o arquiteto Wilfried Kuehn e com o artista Armin Linke.

Maneirismo pragmático

Tentando abrandar os mitos sobre Mollino, a exibição o define como o que Kuehn chama de “um maneirista pragmático”, cujo ecletismo antecipou as práticas pluridisciplinares de artistas contemporâneos como Olafur Eliasson e Tobias Rehberger. Inclui homenagens a Mollino feitas por dois artistas mais jovens: um filme sobre uma de suas cadeiras, de Simon Starling, e uma instalação escultural de Nairy Baghramian, inspirada por um cenário que ele criou para uma mostra em 1935 em sua Turim natal. 

“Jovens artistas ficam fascinados por Mollino porque ele é um exemplo do método de trabalho deles”, diz Dercon. “A única diferença entre eles e Mollino é que eles não são artesãos ou técnicos, e é uma diferença brutal. Mollino não era um conceitualista, ele era uma pessoa que adorava produzir coisas.”

A diversidade da prática de Mollino não era algo incomum na sua época, pelo menos não na Itália, onde muitos designers influentes, inclusive seu grande amigo Gio Ponti, além de Achille Castiglioni e Ettore Sottsass, começaram a carreira estudando arquitetura como ele, mas também trabalhavam outras disciplinas. Outros designers italianos da época, como Joe Colombo, Bruno Munari e Enzo Mari tinham interesses igualmente ecléticos, mas começaram estudando artes.

Carros, aviões -e fotos eróticas

Extremamente talentosos, eles tratavam suas obras como um meio de autoexpressão, mas Mollino chegava a extremos. Filho de um engenheiro rico e distinto de Turim, ele não precisava trabalhar para viver graças à riqueza da família, e podia trabalhar com o que quisesse. Seus colegas costumavam se reunir em Milão e eram identificados, mesmo que dentro de um sentido mais amplo, com o movimento modernista. Mas Mollino permaneceu em Turim, isolado da instituição do design, embora tivesse apoio irrestrito de Ponti, um aliado inestimável como fundador e editor da revista de arquitetura mais poderosa da Itália, a Domus.

Muito do tempo de Mollino era dedicado a experimentos pessoais: design de carros, aviões e engenhosas geringonças técnicas. Ele também tirou milhares de fotografias eróticas -elaboradas e encenadas- de mulheres, a maioria prostitutas, em apartamentos que ele mesmo havia projetado, não para morar (ele nunca saiu da casa dos pais) mas como uma série de cenários. Seus projetos arquitetônicos eram escolhidos a dedo, quase sempre solicitados por amigos. O mobiliário de Mollino foi projetado especificamente para a sua arquitetura, e feito em pequenas quantidades por artesãos locais e de confiança. 

Estilisticamente, seu trabalho era uma mistura idiossincrática de barroco, art nouveau, futurismo, modernismo, biomorfismo, surrealismo e da arquitetura nativa do remoto Vale Aosta, nos Alpes, ao norte de Turim. O trabalho também ficou impregnado pela paixão de Mollino por sexo, esqui, carros, aviões, cinema e ocultismo.

Essas obsessões deveriam ter feito dele um nativo típico de Turim: a cidade foi o local de nascimento dos motores italianos e da indústria do cinema, além de sediar o primeiro aeroclube do país e um notório centro de “artes ocultas”. Mas o soberbo Mollino não era popular com os detentores do poder local. Ao longo de sua vida, ele se beneficiou da proteção de Ponti e foi chamado para realizar projetos arquitetônicos de prestígio em Turim, entre elas a de um centro equestre e a do esplêndido Teatro Regio, ou Teatro Real.

Prédios demolidos

Mas quando ele morreu de ataque cardíaco aos 68 anos, não havia nenhum herdeiro para proteger seu legado. Se Mollino deixou algum testamento, esse nunca foi encontrado. A maioria de suas construções fora demolidas. As poucas que sobreviveram foram negligenciadas, exceto seu último apartamento/estúdio fotográfico, que foi restaurado de maneira adorável pelos marchants Fulvio e Napoleone Ferrari como o Museo Carlo Mollino. Ele agora é mais conhecido pelo pouco que ali restou: escassos móveis que são vendidos por valores altíssimos em leilões por sua beleza e raridade, e as fotos eróticas que foram encontradas em caixas depois de sua morte.

A retrospectiva na Haus der Kunst não é a primeira tentativa de celebrar a diversidade de Mollino, mas ela o faz com entusiasmo e sensibilidade. Exibições de arquitetura parecem sempre fadadas a ser monótonas, porque os modelos, desenhos e filmes não vão conseguir jamais ser mais emocionante do que ver um prédio. Shows de design correm o risco de parecer com lojas, especialmente quando há objetos envolvidos. E as muitas tentativas dos curadores em casar arte e design recorreram a clichês pretensiosos.

“Carlo Mollino: Maniera Moderna” evita esses obstáculos ao tratar Mollino como um artista que acabou produzindo uma obra eclética e incomum ao invés de seguir a rota convencional de contextualizar seus prédios dentro da arquitetura, seu mobiliário com design, e por aí vai. Ao fazer isso, ela transmite o espírito de Mollino: iconoclasta, descomprometido, sedutor, refinado e um pouco mais do que audaz. 

Tradutor: Érika Brandão

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