O design humanitário busca construir um senso de comunidade

Project H Design
Alunos trabalhando no Studio H, iniciativa de design humanitário em Bertie, região rural, marcada por tensões raciais e com limitadas oportunidades de emprego na Carolina do Norte, EUA Imagem: Project H Design

Alice Rawsthorn

20/11/2011 10h00

LONDRES – em seu primeiro dia como professora na Early College High School em Windsor, Carolina do Norte, Emily Pilloton pediu que seus alunos contassem qual tinha sido a última coisa que eles haviam feito sozinhos. “Podia ser alguma coisa simples, como biscoitos para suas mães, mas alguns alunos não conseguiam lembrar-se de ter feito coisa nenhuma na vida”, diz. “Eles nunca haviam segurado um martelo ou assistido a uma aula de artes. Metade deles não sabia nem como se interpretava uma régua.”

Havia 13 alunos na sala, todos da 11ª série (equivalente ao 2º ano do ensino médio brasileiro). Alguns vinham de famílias de classe média, outros viviam na pobreza. Havia, inclusive, uma garota de 17 anos que batalhava para criar uma criança de quatro anos. Todos se matricularam para passar três horas por dia no Studio H, um curso de design experimental ministrado em uma antiga mecânica de automóveis, perto da escola. O curso começou em agosto do ano passado e terminou este ano com a inauguração do Windsor Super Market, um mercado de produtores locais situado em um pavilhão de madeira que os próprios estudantes projetaram e construíram. Como agradecimento pelo esforço, o prefeito de Windsor entregou a chave da cidade para toda a equipe do Studio H.

“Vimos os estudantes se transformando de um jeito surpreendente: de pessoas sem nenhuma noção -e, em alguns casos, sem nenhum interesse- em pensadores e comunicadores criativos”, disse Emily Pilloton, a designer humanitária que concebeu e hoje coordena o Studio H, ao lado do arquiteto Matthew Miller. “Todos trilharam um longo caminho e se sentiram muito mais envolvidos em suas comunidades por terem construído algo permanente e do qual poderiam se orgulhar de verdade.”

Apesar do sucesso do resultado, o Studio H sempre ameaçou ser um empreendimento de risco para Emily, de 29 anos, e Matthew, de 33, que se mudaram de São Francisco para Windsor para ministrar o curso. Eles haviam escolhido trabalhar em uma área rural simples, marcada por tensões raciais e com limitadíssimas oportunidades de emprego por acreditar que, ali, um projeto como o Studio H teria um grande valor. Windsor fica no condado de Bertie, uma das partes mais pobres da Carolina do Norte. A área também é vulnerável a variações climáticas extremas. Desde que se mudaram para lá, Emily e Matthew colaboraram com as equipes locais de recuperação depois de dois furacões e um tornado. 

Eles descobriram a região por conta do trabalho de ambos no Project H, um grupo de design humanitário fundado por Pilloton, em 2008, com US$ 1.000,00 vindos de suas economias. O Project H (o “h” é de humanity, habitats, health e happiness -humanidade, habitação, saúde e felicidade, em português) tornou-se uma força dinâmica no movimento humanitário do design, força essa que está em rápida expansão e reúne uma rede global de voluntários para trabalhar em projetos comunitários, inclusive um programa de recreação infantil em Bertie. Ao conhecer a área e seus problemas, Emily e Matthew resolveram se embrenhar por ali com um projeto de longa duração.

Comunicação e planejamento

Incontáveis estudos acadêmicos afirmam que estudar design na escola pode ser altamente benéfico, até mesmo para alunos que não têm a intenção de se tornar designer profissional, por proporcionar confiança ao equipar a pessoa com métodos de comunicação, planejamento e visualização que serão úteis em qualquer área. Até o momento, relativamente poucos alunos no sistema educacional público americano -que tem poucos recursos financeiros- têm a oportunidade de estudar design, ou artes, especialmente em regiões tão carentes como a de Bertie. 

Emily e Matthew levantaram o financiamento para o Studio H de modo independente, por meio de subsídios das fundações W.K. Kellogg e Adobe. O curso de um ano de duração foi planejado para preparar os alunos para criar e construir o mercado dos pequenos produtores, onde seriam comercializados os produtos das fazendas locais e até os cultivados nos jardins das pessoas, assim como geleias, balas, picles e pães. 

O primeiro semestre foi dedicado ao desenvolvimento das habilidades dos alunos, que produziram tabuleiros de madeira para um jogo típico e popular da região que envolvia conceitos básicos de carpintaria, design gráfico e software de design. No final do semestre, três alunos haviam ido embora. Dois deles tinham notas abaixo da média e outro foi expulso do Studio por comportamento agressivo. “Tínhamos uma regra rígida quanto a brincadeiras rudes”, diz Pilloton, “e todos assinaram um contrato que dizia que bastava um incidente para acabar com aquela história toda.”

Galinheiros

Durante o segundo semestre, os dez alunos remanescentes fizeram galinheiros, em um trabalho que envolvia soldagem, fabricação de metal e pesquisas mais avançadas de software e dentro da comunidade. “Os galinheiros acabaram se tornando socialmente mais relevantes do que imaginávamos”, diz Emily. “Uma enchente destruiu a cidade, deixando muitas famílias sem comida e abastecimento básico, então demos os galinheiros para eles.”

O desafio final foi criar e construir um pavilhão de 186 m² para o mercado dos produtores locais. A cidade doou a terra, um terreno vazio perto de um grupo de projetos comunitários ao lado do rio. O Studio H providenciou o financiamento e a mão de obra, além de cadastrar os expositores que poderiam vender no mercado. Os expositores começaram a vender seus produtos perto do pavilhão no final de maio para chamar atenção sobre o projeto antes do final da construção e do Windsor Super Market ser oficialmente inaugurado.

Na inauguração, um dos alunos do Studio H disse, “ele mudou meu modo de ver o mundo, fez com que eu pudesse esperar mais de mim mesmo.” O garoto que fora expulso do grupo ficou até o fim do evento, e depois ainda escreveu uma carta de desculpas para Pilloton e Miller. Eles agora planejam uma nova versão do Studio H para 20 alunos, enquanto ainda desenvolvem os programas remanescentes do Project H.

“Este foi um ano maravilhoso, mas também o mais difícil da minha vida”, diz Pilloton. “Construir um espaço de 186 m² foi fisicamente extenuante, e eu e Matthew tivemos que desenvolver vários e diferentes papéis: assistentes sociais, educadores, políticos, contadores e cidadãos locais. Nós mergulhamos em um lugar onde as condições e o estresse são extremos, mas é isso que você deve fazer se estiver levando realmente a sério o design humanitário.”

Tradutor: Érika Brandão

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