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Revitalização de área carente em Londres pode ser exemplo para Rio 2016, diz consultor

Victor De Martino

11/02/2010 16h47

Desde que foi escolhida para sediar os Jogos Olímpicos de 2012, Londres tem se destacado por estabelecer a palavra "legado" como princípio fundamental da organização do evento. A ideia aqui é que o impacto das Olimpíadas não termine em 2012, mas sim produza uma revitalização da economia que deixe benefícios de longo prazo para a cidade.

  • Divulgação/Comitê Organizador dos Jogos de Londres-2012

    Bairro de Stratford, uma das áreas mais pobres e carentes da Europa, será transformado no Parque Olímpico dos Jogos de Londres 2012

“Para organizar as Olimpíadas, não basta apenas construir as instalações esportivas, que são obviamente uma parte importante do evento. É preciso aproveitar essa oportunidade única para resolver desafios chaves da cidade, como problemas de infra-estrutura e sociais”, diz o arquiteto Bill Hanway, um dos coordenadores do projeto Legado dos Jogos de Londres-2012.

O foco do projeto olímpico londrino é a revitalização do bairro de Stratford, uma das áreas mais pobres e carentes da Europa, na zona leste da cidade.

Para discutir que tipo de legado o comitê organizador britânico pretende deixar para Londres após os Jogos de 2012 e que lições o Rio de Janeiro pode tirar disso, a BBC Brasil entrevistou Bill Hanway, vice-presidente da Aecom, a consultoria que lidera o Projeto Legado de Londres-2012.

BBC Brasil – Como começou e do que se trata o projeto Legado dos Jogos de Londres-2012?
Hanway – O projeto surgiu ainda em 2003, dois anos antes de a cidade ter sido eleita como sede das Olimpíadas de 2012. Desde o início, o que sustenta nossa iniciativa é o reconhecimento de que para organizar as Olimpíadas, não basta apenas construir as instalações esportivas, que são obviamente uma parte importante do evento. É preciso aproveitar essa oportunidade única para resolver desafios chaves da cidade, como problemas de infra-estrutura e sociais. Assim, tudo o que vem sendo feito para os Jogos foi pensado também para deixar um legado positivo para Londres que perdure pelo menos até 2040.

BBC Brasil – Por que as Olimpíadas representam um momento tão especial para mudanças nas cidades?
Hanway – Em primeiro lugar, os Jogos podem gerar uma vontade política única. Decisões que eram difíceis de serem tomadas antes, até por falta de consenso, tornam-se mais viáveis por causa das Olimpíadas. Isso decorre da atenção que a população e a mídia dedicam ao evento. Além disso, as Olimpíadas sempre atraem uma quantidade única de recursos financeiros, o que faz toda a diferença.

BBC Brasil – O que o projeto Legado pretende mudar em Londres?
Hanway – Nosso foco principal é revitalizar o bairro de Stratford, na zona leste de Londres, uma das regiões mais pobres da Europa. A expectativa de vida nessa área é sete anos inferior à média nacional. Os índices de criminalidade e pobreza também são os mais altos, enquanto os de acesso à educação e à saúde são os mais baixos do país. É justamente lá que o Parque Olímpico está sendo instalado. Nossa intenção é que as Olimpíadas deflagrem uma efetiva regeneração da zona leste de Londres. Certamente não vamos resolver todos os problemas, mas o projeto Legado pode dar os primeiros passos.

BBC Brasil – Quais serão esses primeiros passos?
Hanway – O primeiro grande desafio urbanístico da região é o transporte público. Para levar as pessoas para trabalhar no Parque e posteriormente comparecer aos Jogos, a área está sendo conectada às principais redes de metrô e de ônibus da cidade. Também teremos 14 quilômetros de novas ruas chegando à região, além de 35 quilômetros de ciclovias e calçadões. Depois dos Jogos, essa será a zona mais bem conectada de Londres. Outro problema que diagnosticamos lá foi a ausência de um espaço público de lazer. Por isso, o projeto Legado prevê que uma área de mil metros quadrados do Parque Olímpico seja convertida em um enorme parque para o público depois dos Jogos. Finalmente, o Parque está sendo desenvolvido para deixar para a região cerca de 10 mil novas casas, 35% delas a preços populares, cinco escolas e três centros médicos. Tudo isso seguindo o que há de mais avançado em termos de tecnologias sustentáveis para o meio ambiente.

BBC Brasil – Não há o risco de que parte das estruturas desse Parque Olímpico, como o estádio, fique abandonada por falta de uso depois dos Jogos?
Hanway – Graças ao projeto Legado, Londres não terá de conviver com estruturas ociosas após os Jogos. As estruturas do Parque Olímpico já têm um uso previsto para depois do evento esportivo. O Centro de Mídia, por exemplo, se tornará um prédio de escritórios. Já o Estádio Olímpico terá sua capacidade de público reduzida pela metade, já que 55 mil pessoas será espaço excessivo, e passará a abrigar uma escola de esportes para adolescentes. Com iniciativas desse tipo, vamos evitar o que ocorre na Grécia, onde há estruturas que praticamente nunca mais foram usadas depois dos Jogos de 2000 e que estão se deteriorando.

BBC Brasil – Muitos empregos costumam ser gerados antes e durante os Jogos, principalmente no setor de construção civil. Mas esses empregos não desaparecem depois das Olimpíadas?
Hanway – É importante lembrar que as estruturas criadas para os Jogos podem gerar empregos depois que o evento acabar. Os sistemas de transporte e de manutenção das redes de água, esgoto e energia elétrica que serão instalados continuarão gerando vagas de trabalho. Há previsão também de que os trabalhadores da construção civil continuarão ocupados por um bom tempo com adaptações das estruturas olímpicas às novas necessidades. Mas, o mais importante de tudo isso, é que a reurbanização e a reestruturação da região propiciadas pelos Jogos gerem desenvolvimento econômico. Estimamos que essa expansão da economia local possa gerar até 10 mil novos empregos em diversos setores, em especial no comércio e em serviços.

BBC Brasil – Qual tem sido a participação da comunidade local nos Jogos?
Hanway – Em Londres, há regras que obrigam os organizadores de grandes eventos a incluir a população local na organização. Isso é muito importante, porque só assim você mantém as pessoas motivadas e interessadas no projeto. Mais do que isso, é só assim que garantimos que o legado será de acordo com o que elas realmente desejam. Os jovens têm papel especial nesse processo. Se você pensar que os Jogos do Rio ocorrerão a daqui seis anos, são as crianças de hoje que vão estar mais motivadas e participativas quando o evento efetivamente ocorrer. Portanto, é preciso levar os alunos das escolas locais para conhecer os futuros centros esportivos, permitir que eles acompanhem a organização dos Jogos e convidar atletas para conversar com essas crianças sobre suas experiências olímpicas. Finalmente, é preciso permitir acesso especial aos Jogos para a comunidade local. É fundamental que a população que recebe as Olimpíadas possa desfrutar do evento tanto quanto os turistas.

BBC Brasil – Os desafios sociais do Rio, principalmente em termos de violência, não podem ser comparados com os de Londres. É realmente possível imaginar que o Rio possa seguir os passos de Londres?
Hanway – Enquanto Londres e o Rio são certamente cidades diferentes que desempenham papéis distintos no contexto nacional e regional, os princípios fundamentais que conduzem o projeto Legado de Londres são totalmente replicáveis pelo Rio de Janeiro. Em primeiro lugar, é preciso estabelecer prioridades, como melhorar o sistema de transportes, o fornecimento de água e a qualidade dos serviços de saúde e educação. A chave para o sucesso de um projeto legado no Rio seria garantir que os investimentos nos Jogos priorizem iniciativas que gerem benefícios de longo prazo. Mais do que isso, é preciso transformar em lei aquilo que for estabelecido pelo projeto legado, de forma que seus ideais não se percam com o tempo.

BBC Brasil – Quais são as lições que o comitê organizador do Rio-2016 pode tirar de vocês?
Hanway – Durante a organização dos Jogos, há sempre muita pressão sobre a tomada de decisão, sobre a liberação de recursos, sobre aspectos específicos do evento etc. Mas os organizadores precisam ter em mente que todo investimento financeiro e político para os Jogos pode e deve produzir um legado de longo prazo. Ao mesmo tempo em que se pensa na estrutura que as Olimpíadas exigem, é preciso olhar para o futuro e enxergar os desafios sociais e urbanos que a cidade precisa suplantar. As duas coisas precisam andar juntas. Tenho certeza de que, com esse raciocínio, a história da zona leste de Londres vai mudar completamente. O mesmo pode acontecer com o Rio.