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Toda autenticidade pode envelhecer: da supremacia do vintage ao cansaço

Casey Barber, editora do site Good.Food.Stories, posa na escadaria de sua casa em Clifton, Nova Jersey, onde estão alguns posters vintage como o que retrata as pontes de Pittsburg - Evan Sklar/The New York Times
Casey Barber, editora do site Good.Food.Stories, posa na escadaria de sua casa em Clifton, Nova Jersey, onde estão alguns posters vintage como o que retrata as pontes de Pittsburg Imagem: Evan Sklar/The New York Times

EMILY WEINSTEIN

Do New York Times

20/11/2011 10h00

Como tantos outros de sua idade,  Casey Barber, 33, mobiliou sua casa à partir de peças básicas disponíveis em grandes lojas  como  a "mesa da Ikea que continua sendo produzida ao longo dos anos", como ela diz.

Mas quando se trata de acessórios, Barber, escritora e editora do site Good.Food.Stories, tem o cuidado de buscar o único e o artesanal. Coisas que possam comunicar sua personalidade e tenham um certo senso de autenticidade.

Um de seus mais estimados pertences, pendurado junto à escada da casa que ela divide com o marido em Clifton, Nova Jersey, é uma  cartaz feito pelo pequeno estúdio Jhill Design e que representa as pontes de Pittsburgh, onde Barber cresceu.  A editora também possui uma série de outros posters de arte comprados no Etsy - um site de artes e artesanatos – juntamente com alguns mapas antigos, uma coleção de cartões postais dos anos 1940 e 50 e um busto de bisão feito com papelão comprado em uma loja de Chicago, que trabalha com antiguidades e objetos excêntricos para a decoração.

Porém recentemente, toda essa autenticidade passou a ser desgastante para ela. Objetos que, um vez, teriam sido valorizados por sua singularidade,  começaram a soar como "design uniforme", conta Barber, agora que a popularidade das coisas peculiares tornou-se tão difundida e generalizada.

Até mesmo os grandes varejistas de móveis e objetos de decoração entraram no jogo. A West Elm, por exemplo, está comercializando itens de fornecedores da Etsy, a Restoration Hardware tem comissionado artesão para desenvolver produtos com  aspecto antigo e a Pottery Barn  está vendendo peças como  potes húngaros para picles e fronhas feitas de antigos sacos de grãos. Mesmo a CB2,  a irmã moderna e divertida da Crate and Barrel, mascateia uma série de produtos vintage em “edição-limitada” chamados "One of a Finds".

Overdose

"Se você passa tempo o bastante olhando essas coisas" – objetos que são vintage, feitos à mão ou apenas apropriações dessa tendência – "terá uma overdose muito em breve", afirma Barber.

Esta é uma questão filosófica curiosa, dado o assunto em questão, mas que pode acontecer a qualquer um que seja confrontado por esse dilúvio do vintage e dos produtos artesanais, agora, disponíveis para a compra online e através dos grandes magazines.

Dito de outra forma, teríamos nós finalmente encontrado um ponto de saturação, onde o autêntico perde sua eterna aura e transforma-se em apenas mais um modismo?

"Isto é algo em que pensamos muito", diz Vanessa Holden, diretora criativa da West Elm  e ex-editora chefe da revista Martha Stewart Living. "Quando nós falamos sobre autenticidade, tentamos seriamente nos aproximar o máximo possível do original, em termos do fazer artesanal."

Casos

Um ano atrás, a West Elm, varejista de móveis modernos para a casa que já trabalhava com artesãos e designers , formou uma parceria com a Etsy, mercado online que tem se caracterizado como motor e centro comunal do movimento artesanal.

Atualmente, a West Elm dá destaque aos produtos dos fornecedores da Etsy em seu catalogo, seu site e em eventos chamados "We Heart Handmade Art" (Nós Amamos Arte Feita-a-Mão), nos quais oferece espaço físico para que os artesão possam vender seus produtos. Além disso, no dia 1º de dezembro, a rede vai promover uma "Etsy Night" em todas as lojas da franquia nos EUA, onde os clientes poderão criar enfeites natalinos que irão ornamentar árvores de Natal a serem doadas para a caridade local.

Embora possa haver incontáveis benefícios indiretos associados à imagem da marca, a West Elm não lucra com as vendas da Etsy. Os consumidores compram diretamente dos fornecedores e não há cota para o varejo. "Essa parceria é honestamente em favor da adição de vozes diversas ao nosso mix", argumenta Holden.

  • Restoration Hardware/ The New York Times

    Cadeira "Versailles" vendida pelas lojas Restoration Hardware

Por sua vez, a Restoration Hardware tem trabalhado com um grande número de artesãos na criação de reproduções vintage que podem ser vistas, em companhia de de uma variedade de outras peças com aspecto "antigo",  nas 616 páginas do catálogo da companhia, destacadas junto aos perfis de seus criadores.

A Pottery Barn vende itens de diversas partes do mundo como parte da coleção "Found". De maneira similar, a CB2 oferece em sua seção vintage, figuras indianas esculpidas à mão, bem como a linha chamada "Hand-Touched" com tapetes e mantas tied-dyed ou divãs envoltos em tecidos – como cobertores tricotados – e elementos feitos manualmente.  (Pássaros, um totem do movimento artesanal, são o carro-chefe da CB2, as figuras são encontradas, por exemplo, adornando velas e estampando roupas de cama).

 Esses brinquedos vintage e o mobiliário feito à mão são o caminho traçado por Marta Calle, diretora da CB2, para tentar moderar a identificação da empresa com a estética das arestas "duras" e do alto brilho. "Quando tive meu primeiro contato com a marca, senti um certa indiferença, uma certa rispidez", conta Calle, que se juntou à companhia em 2004. Esta [o vintage e o artesanal] é a resposta dela para a questão 'como você adicionaria textura a essa loja?'"

Obviamente não é preciso dizer, muitos artesão foram beneficiados.

Artesãos

Jason Lewis, 36, um dos artesão contratados pela CB2, fazia móveis sob encomenda em sua loja, em Chicago, antes de começar a trabalhar para a companhia há dois anos.

Desde então, ele tem fabricado manualmente uma edição com 200 mesas laterais compostas de nogueira negra americana, vendidas a US$ 400, a unidade, cerca da metade do valor que Lewis teria que cobrar se estivesse produzindo, isoladamente, em sua oficina. Todas os 200 exemplares foram feitos ao longo do verão, em uma espécie de linha de montagem artesanal criada no estúdio de Lewis.

"Eu me sinto como um empregado de uma fábrica Ford", ele diz, "perfurando 1.200 buracos em um dia ou dois".

Lewis também tem desenhado diversas cadeiras que a varejista produz em massa na China. Sobre a relação com a CB2, Lewis diz : "[a parceria] está lentamente transformando meu negócio, em termos de promover meu modelo, meu nome. Antes, meu mercado era local. Agora, eu tenho pedidos vindos de todo o país".

Decoração, diz Stephen Drucker, editor de arte da House Beautiful, "sempre tem dois propósitos: conforto e organização do espaço".

"Um pote húngaro dos anos 1930 para picles ou qualquer outro objeto da Etsy", continua Drucker, "se presta a um mesmo propósito, como um cinzeiro de cristal sueco de 20 libras, o fez para meus antepassados: ele [o objeto] diz, 'nós somos diferentes, nós somos audaciosos, nós não somos chatos'."

Mordendo a própria língua

Sobre o marketing massivo desses produtos, afirma Sarah Firshein, editora do blog de design de interiores Curbed National: "As grandes lojas tem feito desse tipo de objeto algo acessível para pessoas que talvez não pudessem encontrá-los ou comprá-los em outras circunstâncias."

  • Barry Schwartz / The New York Times

    Molly Erdman, zomba do vintage em seu blog "Catalog Living", mas não resistiu à gaiola "antiga"

Molly Erdman, 37, atriz e escritora de Los Angeles, diz: "é inteligente da parte deles", se referindo aos varejistas. "Elas [as grandes redes]  estão tentando levar as pessoas a consumir esse visual folk-artsy [uma forma artesanal], mas no shopping local, sem que seja necessário garimpar."

E mesmo que zombe sobre o estilo vintage em seu blog, "Catalog Living", Erdman não está imune ao que ela mesma chama de "coisas aconchegantes". De fato, a atriz é a orgulhosa proprietária de "uma falsa gaiola para pássaros antiga, com uma coruja de porcelana", que ela comprou em um saldo da loja de departamentos Ross. "Aqui está o lado trágico da história", ela diz, "se eu tivesse visto isso [a gaiola] em um catálogo, eu teria perfeitamente tirado sarro da peça. Mas dessa vez foi como, 'eu tenho que ter isso'."

"Meu grande plano para ela [a gaiola], é ainda pior", conta Erdman, "quero pendurá-la no teto e enfeitá-la com luzes de Natal. Tenho passado muito tempo navegando nesses sites [o das grandes lojas com objetos vintage e artesanais]. E isso tem me afetado."

Os originais, a exaustão, a influência

A influência e a expansão do vintage não surpreendem Maxwell Gillingham-Ryan, designer de interiores fundador do site "Apartament Therapy". Ele sustenta que a popularidade do estilo foi sendo construída no correr de uma década, então, não poderia ser uma coqueluche passageira.

"Pessoas estão procurando por coisas autênticas", afirma Gillingham-Ryan. "Eu acredito que isso começou a acontecer depois de 2001: primeiro pelo 11 de setembro, depois pela recessão. Houve uma certa exaustão quanto ao brilhante e ao perfeito. As pessoas não se identificavam mais com aquilo."

Mas o vintage e o artesanal, profetiza ele, "irá repercutir enquanto vivermos esses tempos [de crise]."

Talvez não para todos, no entanto.

Como Dmitri Siegel aponta: "quando você empilha Etsy sobre Etsy, isso se torna realmente uma cacofonia: 'Qualquer coisa aqui é totalmente única!'  Comece anulando a si mesmo!"

  • Barry Schwartz/The New York Times

    A família de Dmitri Siegel, que perdeu a coleção vintage em um incêndio, e cansou do estilo

Siegel, 38, se mudou da Filadélfia para a cidade de Ventura, na Califórnia, em companhia da mulher, Woodwyn Koons, 36, e do filho de quatro anos, Arlo. A família perdeu quase tudo, incluindo uma grande coleção de mobiliário vintage, quando a van que transportava a mudança pegou fogo.

A transportadora restituiu à família as poucas coisas que puderam ser salvas, incluindo uma mesa de jantar "maçã-verde" vintage e uma ilustração do século 19 que retratava "peludos animais em uma cena pastoril", como Koons a descreve, compradas em um mercado de pulgas de Berkshires.

Mas "esse é um sentimento estranho", conta Siegel, que até pouco tempo era diretor executivo de marketing da Urban Outfitter. Pois, enquanto seu mobiliário "singular" se encaixava perfeitamente em seu antigo lar, nada disso parecia certo para sua nova vida.

"Eu tinha um conjunto completo de xícaras vintage que agora me parecem medonhas", afirma Koons. "Hoje, eu sinto que faria meu próprio 'fogo' com tocha e tudo."

Como o casal começou a mobiliar sua nova casa "do zero", eles procuraram escolher peças "limpas", de linhas modernas e que "pudessem ser pano de fundo para qualquer coisa que nos interesse em um determinado momento", explica Siegel. Em outras palavras, ele diz, "não tentamos expressar nossa personalidade e nossa total individualidade em cada simples coisa em nossa casa."

Koons, que recentemente terminou seu doutorado em psicologia clínica, chama a iniciativa de uma "estética deveras desornamental."

E o que significa isso para ela?" Nada de travesseiros com passarinhos", diz. "Verdadeiramente, nós tínhamos muitos travesseiros com passarinhos. Eu tinha dois duvets com pássaros, tínhamos pássaros nas paredes. Por isso, essa é uma grande reviravolta.”

Tradução: Daiana Dalfito