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Na Espanha, casa de pedras do século 16 é reformada e torna-se refúgio de final de semana

Casa em Girona, Espanha, teve reforma de US$ 900 mil e é "colcha de retalhos arqueológica" - Andrea Wyner / The New York Times
Casa em Girona, Espanha, teve reforma de US$ 900 mil e é "colcha de retalhos arqueológica" Imagem: Andrea Wyner / The New York Times

Sarah Amelar

Do The New York Times, em Girona, Espanha

01/09/2012 10h30

Girona, Espanha – Nos seus finais de semana, Anna Noguera, seu marido Juan Manuel Ribera e seus dois filhos costumam tirar a grande mesa da cozinha e colocá-la na varanda, onde jantam mariscos e outras iguarias regionais. Este alpendre elevado, ou “badiu”, como se diz em Catalão, tem alguns séculos e foi revestido com a pedra local, salpicada de fósseis pré-históricos. Em contraste, a mesa criada por Anna, que é arquiteta, desliza para fora sobre rodinhas de skate. Uma sensibilidade similar, que une o antigo ao moderno, permeia toda a casa que hoje é o refúgio da família nos finais de semana e, algum dia, deve se tornar lar em tempo integral.

Doze anos atrás, pouco antes do nascimento do primeiro filho, o casal teve a ideia de se mudar de Barcelona (que fica a 105 quilômetros de distância) para Girona, onde Noguera, hoje com 50 anos, cresceu. “Adoramos a qualidade de vida daqui, é uma cidade mais tranquila e fácil para criar uma família”, avalia Ribera, 46 anos, analista e estrategista de turismo.

A pequena cidade, que fica à  beira de um rio e é cercada por vilas medievais e fazendas fascinantes, está perto dos Pirineus e da Costa Brava. É também uma cidade universitária, onde fragmentos de trincheiras romanas surgem pelas vielas medievais. Ibéricos, visigodos, judeus, mouros e as forças de Napoleão, todos deixaram ali suas marcas. 

Em 2000, no centro histórico, o casal comprou um prédio de pedras com 500 m² por US$ 396 mil. O plano era abrigar o escritório de arquitetura de Noguera no andar de baixo e manter um duplex para a família logo acima. Mas uma década se passou antes que eles conseguissem completar a reforma.

A casa e a arqueologia

A construção trapezoidal, com anexos que foram construídos aos poucos e seus inúmeros apartamentos, estava em péssimas condições. Mesmo assim, inquilinos permaneceram ali até que as autoridades identificassem o risco de desabamento. Mais tarde, a descoberta de paredes de uma vila romana do século 1º suspendeu a construção durante a investigação arqueológica.

À medida em que Noguera contemplava as camadas e descobria as restrições sobre modificações na área, ela se perguntava “qual a história” que deveria ser salva ou restaurada. Será que as construções precisam ser imutáveis simplesmente porque são antigas? 

Sem dúvidas houve achados incríveis: lintéis entalhados indicavam o nome de um proprietário, do século 16, como criador da construção. Vidros de perfume e peças de cerâmica também foram desenterrados, junto com uma bala de canhão e um fragmento de bomba, provavelmente napoleônicos.

Mas nem todas as descobertas eram tesouros. Uma das vigas do telhado era de concreto coberta por madeira, outra trazia aço embutido. E para arrematar as formas diferentes do prédio, havia uma escada mal posicionada e de formato estranho.

O que preservar, o que esconder?

Surpreendentemente, a cidade permitiu que Noguera aperfeiçoasse a geometria e demolisse um anexo volumoso. Mas quando quis expor, em vez de cobrir com massa, as pedras irregulares da fachada, ela teve que desafiar os mandados locais - e venceu.

No interior, entretanto, a arquiteta assumiu o controle. Eliminando divisórias e reposicionando a escada, ela brincou com materiais contemporâneos: concreto e placas de aço escuro foram instaladas sobre a pedra, carvalho e terracota. “Quis reinterpretar o antigo dialogando com o novo”, argumenta Noguera, descrevendo seu desejo “de recuperar um pouco do caráter original do século 16, cuja rigidez ressoa seu estilo minimalista”.

Um exemplo desta comunhão é uma pia de pedra gasta pelo tempo encontrada no local e que foi instalada ao lado da banheira de concreto aplainado que a arquiteta havia criado. Do lado de fora, Noguera ainda restaurou a cisterna de 60 mil litros para que ela alimentasse um jardim que fica sob a sombra de glicínias e uma piscina de concreto preta; também revestiu um pátio com pedras recuperadas da demolição.   

A reforma de US$ 900 mil reflete tanto a longa evolução da construção quanto a história dessa família. Durante os dez anos de gestação do projeto, as crianças foram criando raízes em Barcelona, enquanto Ribera construía ali sua carreira. Então, até que o esperado trem rápido ligue Barcelona a Girona, a casa principal continua sendo um pequeno apartamento na capital catalã e, o futuro escritório de Noguera, funciona como abrigo para hóspedes. Mas nos finais de semana, quando eles jantam no “badiu”, mergulham na piscina e relaxam sob as glicínias, Ribera revela: “sonhamos em nos mudar para Girona”.