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Por que boas lembranças não são facilmente esquecidas?

Memórias positivas permanecem por mais tempo guardadas no cérebro do que as negativas - Thinkstock
Memórias positivas permanecem por mais tempo guardadas no cérebro do que as negativas Imagem: Thinkstock

Paula McGrath

06/05/2014 14h53

Por que temos facilidade para lembrar boas recordações enquanto outras simplesmente desaparecem de nossa mente?

Segundo pesquisadores, a chave para entender essa intricada lógica está na psicologia: memórias positivas permanecem por mais tempo guardadas no cérebro do que as negativas, ajudando-nos a lidar com frustrações e outros eventos ruins.

A primeira teoria sobre a suposta "perenidade" das memórias positivas foi proposta, pela primeira vez, há 80 anos.

Na década de 1930, psicólogos coletaram lembranças sobre diferentes episódios da vida das pessoas - férias, por exemplo - classificando-os como "agradáveis" ou "desagradáveis".

Semanas depois, veio um outro pedido dos pesquisadores para que os entrevistados tentassem se lembrar de suas memórias.

Das experiências consideradas "desagradáveis", quase 60% foram esquecidas - comparado com 42% das lembranças "agradáveis".

De acordo com os pesquisadores, um exemplo emblemático desse fenômeno acontece quando somos capazes de discorrer sobre os dias prazerosos de nossas férias, mas esquecer possíveis atrasos dos voos ou outros eventos ruins.

Nos anos seguintes, mais estudos foram feitos sobre o tema, dotados de maior rigor técnico.

Na década de 70, em vez de pedir às pessoas para lembrar-se de memórias aleatórias - uma vez que poderiam acabar limitando-se às positivas - os participantes foram convidados a manter diários, registrando ali a intensidade emocional de suas recordações.

No entanto, como cerca de 80% da pesquisa foi feita apenas com estudantes americanos, não ficou claro se o fenômeno também poderia ser verificado em outras culturas.


Aleatoriedade
 

Para descobrir se havia um comportamento universal em torno da recordação das memórias boas, o professor Timothy Ritchie, da Universidade de Limerick, na Irlanda, decidiu analisar detalhadamente pesquisas conduzidas em seis universidades de todo o mundo.


Ele e sua equipe colheram dados de participantes de diferentes grupos étnicos anglófonos, como afro-americanos, ganeses, alemães, americanos nativos e neozelandeses de ascendência europeia e de ascendência Maori.

Ao todo, 2,4 mil memórias autobiográficas, de 562 indivíduos de 10 países, foram reunidas.

No entanto, diferentemente do que já havia sido feito, os pesquisadores liderados por Ritchie amealharam informações relativas a acontecimentos positivos e negativos, incluindo detalhes como hora e local, bem como reações sensoriais.

Os únicos que foram questionados sobre sua reação emocional a um único evento importante foram os alemães. Eles tiveram de contar como se lembravam da queda do Muro de Berlim, em 1989.

Aqueles que conseguiram se lembrar de como reagiram às memórias foram convidados a recordar-se delas novamente mais tarde depois de vários lapsos de tempo. Eles também tiveram de avaliar como se sentiam sobre essas recordações.

Os pesquisadores constataram, então, que, inpendentemente do contexto cultural dos participantes, eles se mostraram mais propensos a guardar mais recordações boas do que ruins.

Depressão
 

Como resultado, os pesquisadores concluíram que o desaparecimento rápido de lembranças desagradáveis é um fenômeno pan-cultural. Isso ajudaria os indivíduos a processar o pessimismo e se adaptar às mudanças no seu ambiente, mantendo uma perspectiva positiva sobre a vida.

Já as pessoas que têm problemas ao recordar memórias positivas são aquelas que, normalmente, apresentam um quadro de depressão grave, acrescentaram os psicólogos.

Tim Dalgleish, psicólogo clínico da Universidade de Cambridge, é um dos que tentam ajudar as pessoas com depressão grave a acessar memórias positivas.

A técnica utilizada é conhecida como o "método de loci". Documentada há milhares de anos, a prática usa associação de imagens a locais para facilitar a memorização.

Dos participantes do estudo de Dalgleish, todos tinham depressão grave. Como eles diziam ter dificuldade de recuperar as memórias, Dalgleish tentou ajudá-los a fazer as lembranças vir à tona, usando, para isso, informações sensoriais, como cheiros, cores e sons.

Uma das pessoas que participaram do estudo, Emma Brinkley, considerava difícil lembrar qualquer memória positiva.

"Até hoje, quando me sinto deprimida, tenho dificuldade de lembrar algo positivo para me alegrar. É quase como se o seu cérebro se recusasse a permitir que você possa recuperar essa lembrança da sua consciência", explicou Brinkley.

Pelo método de loci, as memórias são "dispostas" ao longo de uma rota, como o caminho para o trabalho ou faculdade - ou até mesmo dentro da própria casa.

"A técnica funciona da seguinte forma: você estabelece dez pontos no caminho por onde passa, como a porta da frente, a varanda, a cozinha, a sala de estar e, em seguida, associa cada lembrança a uma dessas marcações, o tipo de coisa que você gostaria de lembrar quando passa por algum momento difícil", disse Dalgleish.

"Você poderia imaginar, por exemplo, sua sala cheia de areia, com a tela da TV exibindo o mar e o barulho das gaivotas e das ondas".

Benefícios duradouros
 

O método de loci é a técnica usada por campeões de memória para realizar façanhas como recordar a sequência de um baralho inteiro das cartas.

Os pesquisadores descobriram que a criação desse mapa mental ou "palácio da memória" melhora o processo de recordação dos participantes.

O método é aclamado entre especialistas por seus benefícios duradouros, comprovados quando as pessoas foram novamente avaliadas uma semana depois do primeiro teste.

Emma Brinkley disse ter ficado surpreendida ao colocar em prática os ensinamentos da técnica. "Às vezes, quando me sinto cabisbaixa, eu percorro esse 'caminho' de memórias boas."

"Há dias em que me esforço mais do que em outros. Mas pude comprovar uma melhora real e profunda do meu humor", afirmou ela.