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Quando os cristãos começaram a se preocupar com o sexo?

Até hoje a Igreja Católica considera a homossexualidade um pecado mortal - Getty Images
Até hoje a Igreja Católica considera a homossexualidade um pecado mortal Imagem: Getty Images

14/12/2015 18h03

Poucas das palavras de Jesus Cristo, as que sobreviveram ao passar dos séculos, se referem ao sexo. No entanto, durante quase dois milênios, as autoridades cristãs se preocuparam muito com a questão da moralidade sexual.

Nos últimos anos, os debates sobre homossexualidade, aborto, divórcio e controle de natalidade - bem como a resposta da igreja aos casos de abuso sexual de crianças - dividiram os cristãos e geraram questionamentos às autoridades religiosas.

Mas se Jesus não tinha muito a dizer sobre o sexo, quando e de onde saíram os preceitos da moral sexual cristãos?

O que diz a Bíblia?

Todos os cristãos se baseiam na Bíblia para estabelecer as práticas e ensinamentos da religião.

Na Bíblia há o Antigo Testamento e o Novo Testamento, onde estão os quatro Evangelhos e as cartas, conhecidas como epístolas e a atribuídas a Paulo de Tarso e outros escritores cristãos do 1º século da Era Cristã.

Em meio a esse material, o Antigo Testamento e as epístolas de Paulo têm sido cruciais para dar forma à ética sexual cristã.

Vários comentaristas cristãos e várias igrejas cristãs fizeram suas interpretações e, em algumas ocasiões, essas interpretações diferem muito entre si.

Veja abaixo alguns exemplos de como as passagens da Bíblia serviram para formular a posição da Igreja diante de assuntos relacionados à sexualidade.

Homossexualidade

"Não te deitarás com varão como se fosse mulher; é uma abominação" - Levítico 18:22

"...os homens também abandonaram as relações naturais com as mulheres e se inflamaram de paixão uns pelos outros. Começaram a cometer atos indecentes..." - Romanos 1:27

Jesus nunca mencionou a homossexualidade, mas passagens do Antigo Testamento e das cartas de São Paulo são usadas com frequência para denunciar a homossexualidade.

Até hoje a Igreja Católica considera a homossexualidade um pecado mortal.

Já entre as igrejas protestantes há opiniões divergentes. Algumas não enxergam mais a homossexualidade como um pecado diferente dos outros relacionados à conduta sexual e outros pensadores preferem discutir o tema baseando-se na ênfase que Jesus dava ao amor, à fidelidade e à compaixão.

Celibato

"...é bom que o homem não toque em mulher..." - 1 Coríntios 7:1

O judaísmo, a religião de Jesus, tinha poucas coisas positivas para falar a respeito da abstenção completa das relações sexuais.

A mudança para o celibato no cristianismo chegou mais tarde, em parte devido a comentários que aparecem em uma carta de São Paulo aos coríntios.

Isso foi reafirmado a partir do século 2, quando alguns homens e mulheres começaram a viver em celibato como monges e monjas.

Casamento

"...O homem deixará pai e mãe e se unirá à sua mulher, e os dois se tornarão uma só carne? Assim, eles já não são dois, mas sim uma só carne. Portanto, o que Deus uniu, ninguém o separe." - Mateus 19:5-6

Mateus relatou que estas foram as palavras de Jesus elogiando o casamento monogâmico e contra o divórcio.

Mas poucos cristãos pensaram em celebrar o matrimônio em uma igreja durante os primeiros mil anos da história cristã.

As coisas mudaram no século 11, quando o papa Gregório 7º colocou o casamento sob o controle da Igreja. Em 1184, o casamento foi declarado um sacramento (um sinal indissolúvel da graça de Deus), assim como o batismo e a comunhão sagrada.

Jesus Cristo promovia a monogamia mas também pregava o perdão acima de todas as coisas. Quando perguntaram a ele se uma mulher adúltera devia ser apedrejada, respondeu: "Aquele que de entre vós está sem pecado seja o primeiro que atire pedra contra ela." João 8:7

Contracepção

"Bendita és tu entre as mulheres, e bendito o fruto do teu ventre." - Lucas 1:42

"...toda vez que se unia à mulher de seu irmão, derramava o sêmen no chão para não dar descendência a seu irmão. E o que ele fazia era mau aos olhos do Senhor..." - Gênesis 38:9,10

As tecnologias contraceptivas apresentaram novos problemas para a Igreja no século 20.

No princípio, tanto a Igreja Católica como as protestantes condenaram-nas, baseando-se em passagens do Antigo e do Novo Testamento.

Nos anos 1930 a Comunhão Anglicana relaxou as regras e deixou de considerar os métodos anticoncepcionais como pecado.

Se não foi Jesus, quem formulou os preceitos?

Depois de quase 300 anos de perseguição aos fiéis a Jesus Cristo, o Império Romano, liderado por Constantino, adotou o cristianismo como religião oficial.

Mas a nova igreja latina não se baseou exclusivamente na Bíblia para estabelecer seus ensinamentos. Buscou também os teólogos e filósofos, alguns deles inspirados na austera filosofia grega que celebrava o espírito acima do corpo.

Santo Agostinho

Uma das personalidades máximas da cristandade ocidental foi Agostinho de Hipona, um teólogo do século 4, nascido onde hoje é a Argélia, que reformou de forma radical a visão cristã do sexo.

Agostinho argumentava que o desejo sexual - a luxúria - tinha levado Adão a aceitar a proposta de Eva de provar do fruto proibido da Árvore da Sabedoria.

Assim, pela primeira vez, o desejo sexual foi associado com a origem dos pecados.

Sua maneira de pensar talvez tenha sido responsável pelo grande legado de confusão e ansiedade diante do sexo na igreja ocidental.

A aliança declarada por Santo Agostinho entre sexo e pecado deixou muitos cristãos com uma sensação de vergonha diante do desejo sexual e o ato de saciá-lo.

A opinião de Santo Agostinho sobre assuntos sexuais unificou os cristãos por mais de mil anos e continua tendo influência em muitos setores até os dias de hoje.

Porém, na Alemanha do século 16 ocorreu algo que desafiou radicalmente o vínculo entre sexo e o pecado original.

Revolução sexual

A partir de 1517, Martinho Lutero, o instigador da Reforma Protestante, rejeitou os ensinamentos de Santo Agostinho de que o sexo era pecaminoso.

Ao contrário: ele declarou que o sexo entre um homem e uma mulher era um presente de Deus, desde que dentro do casamento.

Lutero denunciou a tradição católica segundo a qual todos os sacerdotes devem ser celibatários, alertando que os desejos sexuais dos sacerdotes podem acabar sendo canalizados em direções perigosas.

O frade teólogo estimulou os sacerdotes a se casarem e pregou pelo exemplo. Negou que o matrimônio fosse um sacramento da Igreja.

E, se não era, então também não era necessariamente indissolúvel, portanto o divórcio poderia ser aceitado (embora fosse lamentável).

Para Lutero, era a fé em Deus que traria o perdão pelos pecados e a salvação, e não as boas ações nem o arrependimento pelas más ações.

Isto levou a uma ênfase maior na graça divina e no perdão que, na época moderna, foi usado para justificar perspectivas mais liberais de várias igrejas cristãs.