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Por que a França despertou polêmica ao penalizar quem paga por sexo

Com nova lei, quem paga por sexo pode ser penalizado na França - Getty Images
Com nova lei, quem paga por sexo pode ser penalizado na França Imagem: Getty Images

07/04/2016 19h15

Na última quarta-feira, a França aprovou uma lei que muda a regulação da prostituição no país. De agora em diante, é considerado crime pagar por sexo, e quem for pego fazendo isso pode ser multado em até 3.750 euros (cerca de R$ 15,7 mil).

Pela nova legislação, não é mais a prostituta quem será penalizada pela atividade, e sim o cliente dela. Além de pagar a multa --que começa em 1,5 mil euros (cerca de R$ 6.303), os condenados terão de frequentar aulas para aprender sobre as condições em que as prostitutas vivem.

A lei ficou dois anos em tramitação no Congresso francês justamente por ser polêmica --e dividir opiniões entre os franceses. Defensores argumentam que penalizar quem paga pelo sexo é uma forma de "proteger" as prostitutas.

"Estamos dando a quem se prostitui uma nova ferramenta para se defender e se proteger. Se elas não quiserem isso então só o que precisam fazer é não chamar a polícia. Mas se qualquer coisa errada acontecer, se o cliente for violento, então elas têm a lei ao lado delas", explicou Anne-Cecile Mailfert, presidente da Fundação das Mulheres na França, que apoia organizações de direitos femininos.

No entanto, muitas profissionais da área viram a nova lei como um "retrocesso". Segundo elas, que fizeram até um protesto em frente ao Parlamento em Paris, as novas regras levam os clientes a fazer novas exigências às prostitutas para evitar serem presos - e isso pode acabar beneficiando justamente os que praticam atos violentos.

"Tivemos casos em que clientes ajudaram pessoas a escapar de situações de coerção. Criminalizar o cliente é algo que trabalha ativamente contra isso, que os desencoraja a tomar o nosso lado. Precisamos criar uma situação na qual seja fácil denunciar qualquer abuso, violência ou coerção", disse Catherine Stephens, ativista da União das Profissionais do Sexo no Reino Unido.

A Anistia Internacional também afirma que leis contra quem paga por sexo "significam que prostitutas precisam assumir mais riscos para proteger os clientes de serem detidos pela polícia". A entidade diz que, com esse tipo de leis, profissionais do sexo acabam sendo chamadas para ir a casa dos clientes para evitar a polícia em vez de encontrá-los em locais mais seguros.

A lei é polêmica, mas outros países já adotaram legislações semelhantes - caso da Suécia, que foi o primeiro deles, em 1999. A Noruega, em 2008, a Islândia em 2009 e a Irlanda do Norte em 2014 também seguiram o mesmo caminho. No início deste ano, o Parlamento Europeu aprovou uma resolução pedindo que esse tipo de lei fosse adotada em todo o continente.

Proteção ao tráfico humano

A principal justificativa que os parlamentares franceses estão usando para a aprovação da nova lei é a proteção que ela oferece sobretudo às vítimas de tráfico ilegal de mulheres.

A legislação agora irá facilitar o acesso à documentação de residência temporária para as prostitutas estrangeiras se elas concordarem em procurar outros empregos fora da prostituição, explicou a parlamentar Maud Olivier, que apoia as novas regras.

"O aspecto mais importante dessa lei é acompanhar as prostitutas e dar a elas documentos de identidade, porque sabemos que 85% das profissionais do sexo aqui são vítimas de tráfico", disse ela à AP.

A lei passou no Parlamento com 64 votos a favor, 12 contra e 11 abstenções. Ela elimina automaticamente a legislação anterior, de 2003, que criminalizava as prostitutas por "vender sexo".

A prostituição não é um crime na França, mas os bordéis, o tráfico humano e a prostituição infantil são.

"A atividade já era clandestina, porque a pessoa prostituída atuava ilegalmente. Era ilegal vender sexo na França", afirmou Mailfert, da Fundação de Mulheres na França.

"Agora isso não será mais contra a lei, então a mulher não tem o que temer, porque a polícia não ficará contra ela."

Direitos

Reivindicações de prostitutas ao redor do mundo em geral incluem regulamentação que, ao mesmo tempo, proteja o exercício da profissão e também as ofereça acesso a direitos sociais --como seguro-desemprego, plano de saúde, etc.

A realidade que mais se aproxima disso atualmente é a Alemanha, chamada de "paraíso das prostitutas".

Lá, a profissão é regulamentada desde 2001 e, por lei, dá direito a seguro saúde, aposentadoria e outros benefícios a quem trabalha na prostituição --além disso, os profissionais da área recebem pagamentos mais altos do que no resto do mundo. No entanto, a escravidão sexual ainda é um problema sério no país.

A Holanda é outro país onde a prostituição é regulamentada por uma lei que estabeleceu regras para a organização de bordéis. Lá, é preciso ter uma licença municipal que comprove que os donos têm autorização para operar com o "comércio de sexo".

No Brasil, a prostituição não é crime, mas quem promove essa atividade de maneira organizada --os bordéis, por exemplo-- é considerado ilegal. A atividade também não é regulamentada e quem exerce a profissão não tem garantia de direitos trabalhistas. Essa é a principal luta das prostitutas do país e, atualmente, há uma tentativa de aprovar uma nova lei no Congresso para regulamentar a profissão. O ex-deputado Fernando Gabeira foi quem apresentou o projeto há mais de uma década e, mais recentemente, Jean Willys (PSOL) retomou a causa, em trâmite (lento) na Câmara.