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Onze coisas que as mulheres não aguentam mais ouvir no Brasil (e por quê)

Novo olhar sobre a questão feminina: mulheres vão às ruas para denunciar violência cotidiana - Agência Brasil
Novo olhar sobre a questão feminina: mulheres vão às ruas para denunciar violência cotidiana Imagem: Agência Brasil

Thiago Guimarães

Da BBC Brasil, em Londres

18/06/2016 12h08

Enquanto o país tenta entender por que registra 50 mil estupros por ano, discute-se o impacto negativo do machismo e de pequenos gestos cotidianos que alimentam essa cultura. A jornalista Brenda Fucuta é uma observadora atenta das questões femininas contemporâneas. Dirigiu algumas das principais revistas femininas do país e edita o site Mulheres Incríveis, que traz conversas com executivas de grandes empresas e jovens ativistas do feminismo brasileiro.

De olho na nova agenda do empoderamento feminino, Brenda mostra como certos conceitos e expressões legitimam uma suposta superioridade natural dos homens. Nesse sentido, defende a necessidade de todos (e todas) reaprenderem a olhar e se relacionar com as mulheres. Baseada em suas conversas com mulheres inspiradoras e na própria experiência no mundo corporativo, a jornalista selecionou e classificou frases, do assédio de rua ao machismo inconsciente, que mulheres não aceitam e não deveriam mais ouvir.
 
Cantadas de rua
 
Assobios, buzinadas, olhares, comentários: diariamente, mulheres se veem obrigadas a enfrentar o assédio sexual em espaços públicos. Interações de teor obsceno, sem consentimento, que se impõem como naturais, mas estão longe disso. Exemplos:
  • "Por que uma menina bonita como você está sem namorado?"
  • "Eu levaria você para casa."
Para Brenda, a abordagem pode às vezes nem ser agressiva, mas nem por isso é menos desrespeitosa. "Há homens que não entendem que as meninas querem andar sem ser perturbadas, como os homens também querem. É um desrespeito a uma situação: estou andando, pensando, falando ao celular, não quero ser incomodada."
 
No caso das cantadas agressivas, avalia Brenda, são "abusos sexuais falados" que buscam demonstrar poder e intimidar a mulher. "Fazem parte de uma cultura, essa tal cultura do estupro, porque é como se fosse autorizado aos homens falar, tocar e se apropriar do corpo das mulheres de uma forma que as mulheres não fazem com os homens." A jornalista destaca como a campanha "Chega de Fiu-Fiu", lançada em 2013 pela ONG feminista Think Olga, ajudou a "despertar a sociedade para um assunto que estava velado". "Foi uma grande conquista para a percepção do lugar da mulher na sociedade, porque dávamos pouca atenção a isso."
 
Frases de orgulho machista
 
Ditas por homens e também por mulheres, são frases que pressupõem um lugar inferior para a mulher na sociedade. Incluem desde brincadeiras aparentemente inofensivas sobre o desempenho feminino no trânsito até comentários a respeito da menina que se veste de modo "a não se dar o devido respeito":
  • "Por que mulheres são contra as cantadas? Não gostam de um elogio?"
  • "Muito bem, já pode casar."
  • "Se sai assim (na rua ou na balada) é porque quer. Mulher que se respeita não é estuprada."
Machistas em negação
 
Outra categoria de frase que não cabe mais na nova etiqueta de gênero, afirma Brenda, é aquela que definiu como "machista em negação": sugere compreensão mas logo revela preconceito. "São aqueles ou aquelas que sempre começam, ao debater o tema das conquistas femininas, com a seguinte frase: 'não sou machista, mas...' ou 'não tenho nada contra o feminismo, mas...', e depois já emendam uma ideia preconceituosa disfarçada", afirma. São expressões como:
  • "Mas vocês não acham que estão exagerando agora? O que mais vocês têm para conquistar?" (a resposta, diz Brenda, é múltipla: direito a não apanhar do marido, a ganhar os mesmos salários dos homens, a dividir o trabalho de casa com homens, a não ser interrompida ao falar, a andar como quiser nas ruas).
  • "Mas vocês falam em violência contra a mulher, mas e a violência contra os homens?" Sobre isso, Brenda lembra que homens são, de fato, as maiores vítimas de homicídio no Brasil, mas o agressor é quase sempre homem nos casos contra homens e mulheres.
  • "Mas por que as feministas odeiam os homens?"

Imagem da campanha 'Chega de Fiu-Fiu', da ONG Think Olga; iniciativa despertou atenção da sociedade brasileira para problema velado, afirma Brenda Fucuta - Cecília Silveira/ Think Olga - Cecília Silveira/ Think Olga
Campanha 'Chega de Fiu-Fiu', da ONG Think Olga; iniciativa despertou atenção da sociedade brasileira para problema velado, afirma Brenda Fucuta
Imagem: Cecília Silveira/ Think Olga

Machismo inconsciente (ou 'O machista que se acha feminista')

 
Uma pesquisa do Instituto Ethos mostrou que em 2010 mulheres ocupavam apenas 13% dos cargos de nível executivo e sênior nas 500 maiores empresas do Brasil. Em 2014, revelou o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), as mulheres receberam, em média, 74% da renda dos homens. Neste sentido, Brenda questiona o uso de frases que aponta como comuns no mundo corporativo e que denotam uma espécie de machismo inconsciente. Colocações como:
  • "Acredito na meritocracia. Se a mulher é competente, ela chega lá."
  • "Não há machismo nessa empresa. Você, por exemplo, tem um salário maior do que muitos colegas homens."
  • "Sou muito a favor das mulheres e do feminismo. Em casa, por exemplo, são minhas filhas e esposa que mandam em mim."
Para a jornalista, são afirmações que não fazem sentido quando são confrontadas com dados de disparidade de gênero em cargos de chefia e salários: "As mesmas pesquisas que apontam a falta de mulheres em cargos de direção apontam que no nível inicial do trabalho a proporção de mulheres é até ligeiramente maior. Por esse raciocínio, então, as mulheres não ocupam o alto da hierarquia porque são incompetentes ou não merecem, o que não faz sentido, porque hoje no Brasil as mulheres têm até mais escolaridade do que os homens".
 
Brenda diz ver esse tipo de expressão como "campeã do machismo", por revelar desconhecimento do que seja feminismo e do papel da mulher na sociedade no século 21. "Essas frases de machismo inconsciente podem ser até mais perigosas, porque as pessoas acreditam nelas". "Uma vez ouvi o presidente de uma grande empresa, em um evento de empoderamento de mulheres, dizendo que era super comprometido com a causa até porque quem mandava nele em casa eram mulheres. Quando diz isso, volta a colocar a mulher em um lugar ultrapassado, de submissão, em casa novamente", conclui.
 
Feminismo e desinformação
 
A editora do site Mulheres Incríveis acredita que ainda exista muita incompreensão, inclusive entre mulheres, sobre o que seja o feminismo. Como no caso de mulheres que dizem não ser feministas porque "defendem a diferença entre homens e mulheres" ou porque "acreditam na convivência pacífica entre homens e mulheres". Segundo ela, nenhuma corrente do chamado novo feminismo defende a anulação das diferenças entre homem e mulher. "O que esses movimentos pretendem é a busca de direitos sociais iguais", pontua.
 
Brenda identifica a persistência de "mal-entendidos" em torno do conceito de feminismo - "palavra forte e ainda carregada de preconceito". Cita o exemplo de executivas de sucesso que, embora tenham postura feminista, rejeitam o "selo" de feminista: "Vivemos um momento de transição em relação a direitos humanos, diversidade, inclusão de minorias. Ainda bem, senão ninguém falava sobre isso. Aí, quando a gente fala, parte da população se sente ameaçada e nem mesmo sabe por quê. Sente-se acuada, com medo de perder coisas. E aí começa a criar uma reação em cima de mal-entendidos e, em geral, por falta de conhecimento".
 
Brenda afirma conceber e praticar o feminismo como um "exercício de transformação da sociedade para um jeito mais libertador de convivência, não julgador". Nesse sentido, afirma que o debate motivado pelos casos recentes de estupro coletivo no Brasil é positivo por "jogar luz numa ferida social que não gostamos de comentar". Para ela, sem minimizar os episódios de estupro coletivo, é preciso avançar a discussão para o abuso sexual que ocorre dentro das casas e no entorno das vítimas, que compõe a maioria dos registros. "Isso é muito sério e deve ser combatido, mesmo que seja ativismo de sofá, pegar a moldura do Facebook (contra a cultura do estupro) e reproduzir. Essa é a grande próxima etapa, encarar essa questão delicada sobre a qual ninguém quer falar, mas precisa ser iluminada", finaliza.