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Homens evitam médicos para não serem vistos como 'fracos', diz pesquisadora americana

Mariana Schreiber

De Brasília, para a BBC Brasil

13/08/2016 18h21

O ministro da Saúde, Ricardo Barros, provocou uma polêmica nesta semana ao afirmar que homens vão menos ao médico do que as mulheres porque trabalham mais.

Sua declaração parece não ter fundamento na realidade. Dados do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) mostram que mulheres trabalham em média cinco horas a mais que os homens na semana, uma vez que costumam acumular a vida profissional com mais tarefas domésticas.

Pesquisas realizadas nos Estados Unidos - país onde homens também se consultam menos do que as mulheres - indicam que outro elemento está por trás dessa disparidade: o fator cultural que associa ao sexo masculino características como "bravura" e "autossuficiência".

Educados para se mostrarem fortes, homens evitam o atendimento médico justamente por receio de serem vistos como fracos, disse à BBC Brasil uma das autoras desses estudos, Mary Himmelstein, pesquisadora da Universidade de Connecticut.

Em uma de suas pesquisas, ela questionou 491 pessoas, de ambos os sexos, sobre o quanto concordavam ou não com frases sobre o papel social de homens e mulheres, a importância da bravura e autossuficiência e a confiabilidade de médicos.

Além disso, os entrevistados também deram informações pessoais sobre com que frequência iam ao médico e quanto tempo costumavam demorar para ir se consultar quando se sentiam mal.

Cruzando esses dados, Himmelstein e a coautora do estudo Diana Sanchez concluíram que, quanto mais os entrevistados se identificavam com valores associados culturalmente à masculinidade (bravura e autossuficiência), mais eles tendiam a minimizar problemas de saúde e a evitar consultas médicas.

"Crenças tradicionais sobre os papéis sociais (de cada gênero) contribuem para a forma como nossa cultura constrói a masculinidade - isto é, as mensagens que recebemos sobre como os homens são, como deveriam ser e como devem agir", explicou Himmelstein, em entrevista por email.

"No caso dos homens, essas crenças contribuem para a ideia de que, para ser um 'bom homem', é preciso ser duro, corajoso e absolutamente autossuficiente. O problema dessas crenças é que criam barreiras para pedir ajuda, mesmo em face de doenças e lesões", acrescentou a pesquisadora.

Mulheres e bravura
A pesquisa mostrou ainda que mulheres que se identificavam com valores de bravura e autossuficiência também iam menos ao médico. No entanto, um número menor delas se associava a essas características.

"A principal diferença é os homens têm um roteiro cultural dizendo que eles TÊM que agir dessa forma para que possam ser considerados homens. As mulheres não têm essa mesma pressão social para serem corajosas, resistentes, e autossuficientes", observou.

"As mulheres são mais propensas a ir ao médico do que os homens e fazem mais perguntas quando estão lá. Potencialmente, grande parte da explicação para essas diferenças está relacionada com as mensagens culturais sobre masculinidade", disse ainda.

A pesquisadora destacou também que, mesmo quando desconsideradas as consultas diretamente relacionadas ao gênero feminino, como visitas ao ginecologista e acompanhamento pré-natal, as estatísticas mostram que as mulheres vão ao médico com mais frequência que homens.

Questionada sobre haver evidência científica de que pessoas que trabalham mais se consultam com menos frequência, Himmelstein disse desconhecer informações nesse sentido.

Na realidade, a pesquisadora apontou que executivos com grande carga de trabalho, por exemplo, costumam frequentar mais médicos do que a média - com exceção daqueles que pontuam na pesquisa altos índices de "masculinidade".

"Pessoas em altos cargos de gerência, que trabalham horas excessivas (ou seja, mais de 40 a 50 horas por semana) são mais propensas a visitar o médico, por isso não se pode argumentar que são as horas de trabalho que impedem as consultas", afirmou.

"Eu diria que a masculinidade tem um peso grande no hábito dos homens de evitar e adiar consultas médicas."

E esse fator tem outras consequências para a saúde deles, nota a pesquisadora. Estudos indicam que os valores associados à masculinidade também levam os homens a serem menos francos sobre os sintomas que estão sentindo, assim como contribuem para uma comunicação menor de lesões em atletas do sexo masculino.

"A masculinidade também está associada com a frequência menor de cuidados com a saúde, como ir ao dentista, usar protetor solar, comer frutas e vegetais e realizar autoexames de mama e testículo (para identificar câncer)", exemplificou a pesquisadora.

Pedido de desculpas
A declaração polêmica de Ricardo Barros foi dada na quinta-feira, durante o lançamento de duas cartilhas do ministério com objetivo de ampliar o atendimento aos homens na rede de saúde.

"Eu acredito que é uma questão de hábito. Os homens trabalham mais, são os provedores da maioria das famílias e não acham tempo para a saúde preventiva. Isso precisa ser modificado. Nós queremos capturá-los para fazer os exames e cuidar da saúde. A meta destes guias é fazer que nossos servidores orientem os homens, que normalmente estão fora [de casa], trabalhando", disse na ocasião.

Após a reação ruim a sua declaração, o ministro pediu desculpas nesta sexta-feira. Por meio de uma nota, disse que se referia ao número maior de homens no mercado de trabalho.

Citando dados do IBGE sobre pessoas de 16 anos ou mais que estão trabalhando, destacou que 53,7 milhões são homens e 39,7 milhões são mulheres.
"Conhecendo o quanto as mulheres trabalham, eu jamais diria que os homens trabalham mais que as mulheres. Quero deixar claro que eu me referia ao número de homens no mercado de trabalho, que ainda é maior", afirmou.

Segundo outra pesquisa do IBGE, que leva em conta também o trabalho doméstico, os homens trabalham em média por semana 41,6 horas fora de casa e 10 horas com tarefas dentro dela. Já as mulheres usam em média 35,5 horas da sua semana no trabalho principal, mas perdem mais que o dobro do que eles em afazeres em casa (21,2 horas).

Isso dá uma diferença de cinco horas, indicando que mulheres trabalham 10% mais que os homens. Apesar disso, seus salários tendem a ser menores, mesmo quando possuem escolaridade equivalentes a de colegas masculinos.

Os dados do IBGE também mostram que têm crescido o número de domicílios chefiados por mulheres. Segundo o levantamento mais recente, de 2014, essa é a realidade de 39,8% das casas do país.

Outras críticas
A declaração de Barros não é a primeira relacionada a questões de gênero a atrair críticas dentro do governo interino de Michel Temer.

Em julho, o ministro das Relações Exteriores, José Serra, deu uma declaração polêmica sobre a presença das mulheres na política durante encontro com a chanceler mexicana, Claudia Ruiz Massieu, no México.

"Devo dizer, cara ministra, que o México, para os políticos homens no Brasil, é um perigo porque descobri que aqui quase a metade dos senadores são mulheres", declarou Serra.

Todos os ministros do presidente interino são homens brancos, o que provocou uma série de críticas quando seu governo foi montado.

Depois disso, Temer nomeou mulheres para outros postos, como a presidência do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) e o comando da Secretaria de Direitos Humanos. Em entrevistas, minimizou a ausência de ministras afirmando que esses cargos também são muito importantes.