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"Aqui aprendi que sou tão digna quanto qualquer mulher": asilo abriga ex-prostitutas no México

Clayton Conn

29/07/2017 18h35

Depois de anos trabalhando nas ruas da Cidade do México, Carmen Muñoz se perguntava o que acontecia com prostitutas como ela quando ficavam velhas. Sem saber ao certo a resposta, decidiu fazer uma campanha para criar uma "casa de repouso" para as profissionais do sexo aposentadas após encontrar ex-colegas dormindo no lixo.

"Merecemos um lugar para passarmos os últimos dias de nossas vidas com dignidade e tranquilidade", diz.

Depois de muito tempo tentando convencer autoridades locais a bancarem o projeto, ela conseguiu fundar a Casa Xochiquetzal, o primeiro asilo para receber ex-prostitutas na capital do México. Mas sua história começa bem antes disso.

A praça Loreto, na Cidade do México - cercada por prédios antigos, que datam do século 16 - era o local de trabalho de Carmen Muñoz quando ainda era prostituta.

Ela havia chegado à cidade procurando emprego e ouviu dizer que o padre da Igreja Santa Teresa muitas vezes conseguia vagas de empregadas domésticas para as mulheres que iam até lá.

Aos 22 anos, Muñoz não era alfabetizada e tinha sete crianças para sustentar - incluindo uma ainda de colo. Por quatro dias, esperou ansiosamente para encontrar o padre. Mas quando finalmente conseguiu, ele a dispensou sem ajudá-la.

"Ele só me disse que havia milhares de trabalhos e que era para eu procurar na região. Saí de lá chorando, porque me machucou muito ver o padre falando comigo daquele jeito."

Naquele momento, uma mulher se aproximou de Muñoz para consolá-la. "Ela me disse: 'Aquele homem ali falou que te daria mil pesos se você fosse com ele'", conta Muñoz. Na época, aquilo parecia muita coisa - na conversão de hoje, porém, equivaleria a cinco centavos de dólar.

"Respondi: 'Nunca vi mil pesos juntos de uma vez. Aonde devo ir com ele?'. E ela disse: 'Para o quarto'. Perguntei: 'Para o quarto? Como eu vou saber que trabalho devo fazer?'; 'Não', ela falou: 'Você não está entendendo...para um hotel'. E eu questionei: 'O que é um hotel?'"

A mulher, então, disse sem rodeios o que Muñoz teria de fazer. Quando entendeu, ela respondeu chocada: "Oh, senhora, não, não, isso não!", conta.

Mas a mulher insistiu: "Você prefere fazer sexo com seu marido, que sequer te dá dinheiro suficiente para comprar um sabonete, do que fazer com outros que podem te dar dinheiro para sustentar suas crianças?"

Desiludida, Muñoz foi até o homem. Ele deu a ela os mil pesos, como prometido, mas disse que não queria nada em troca. Ele não queria explorar seu desespero, afirmou, e, com ela aos prantos, colocou o dinheiro em sua mão.

No dia seguinte, o desespero de Muñoz tornou-se ainda maior. Então, ela voltou ao mesmo local pensando consigo mesma: "De agora em diante, meus filhos não vão mais passar fome". Pelos 40 anos que se seguiram, ela conseguiu seu sustento trabalhando como prostituta nas esquinas da praça e nas ruas adjacentes.

A região é conhecida como Merced e é formada por 106 quarteirões bastante movimentados, considerados Patrimônio da Humanidade pela Unesco. Há pelo menos um hotel cheio em cada esquina.

"Quando eu comecei a trabalhar como prostituta, fiquei deslumbrada com o dinheiro. Percebi que valia a pena, que alguém pagaria para estar comigo, quando o pai dos meus filhos havia me dito que eu não valia nada e que era muito feia", conta Muñoz.

Mas trabalhar nas ruas tinha seu preço. Tanto as autoridades quanto os cafetões exigiam dinheiro. Violência e assédio sexual eram comuns, e ela acabou ficando viciada em drogas e álcool. Mas, apesar de tudo isso, ela ainda é muito grata.

"Graças ao meu trabalho como prostituta, eu consegui criar meus filhos, dar uma casa e um lugar digno para eles viverem", diz ela, que, anos depois, foi capaz de dar uma casa a outras prostitutas também.

Casa Xochiquetzal

Moradoras da Casa Xochiquetzal celebram o Bicentenário do México em festa no asilo - SHUTTERSTOCK/BENEDICTE DESRUS - SHUTTERSTOCK/BENEDICTE DESRUS
Imagem: SHUTTERSTOCK/BENEDICTE DESRUS

Certa noite, passando por um amontoado de lixo, ela viu três mulheres mais velhas, bem próximas entre si para amenizar o frio. Ela as reconheceu dos tempos que trabalhava com sexo. "Machuca você como ser humano ver alguém nessa situação", diz Muñoz, que ajudou as mulheres a se levantarem, comprou um café para elas e as levou para dormir em um hotel barato.

Foi essa situação que fez com que percebesse a quantidade de mulheres mais velhas que estavam trabalhando na praça. Uma vez que a aparência delas envelhecia com o passar dos anos e as dificuldades da vida nas ruas, muitas delas acabavam sem trabalho. Suas famílias a rejeitavam, e elas não tinham para onde ir. Muñoz decidiu fazer algo a respeito.

Pelos 13 anos seguintes, conversou e negociou com as autoridades da Cidade do México para providenciarem uma casa de repouso às idosas que haviam trabalhado como prostitutas. Com o apoio de vários artistas conhecidos, vizinhos de Merced e colegas de profissão, ela finalmente os convenceu. A cidade cedeu um grande prédio do século 18 a alguns quarteirões de distância da praça Loreto.

"Foi maravilhoso. Choramos de alegria, rimos e gritamos: 'Finalmente temos uma casa!'".

Foi preciso bastante trabalho em conjunto para limpar o prédio, que funcionava como um antigo museu de boxe. Mas, em 2006, as mulheres conseguiram se mudar para lá. Elas deram um nome ao local: Casa Xochiquetzal, em homenagem à deusa asteca da beleza e do poder sexual.

Quando a reportagem da BBC visitou o local, as moradoras estavam ouvindo música. Havia oficinas de joias e de arranjos de flores, e o cheiro de comida tomava conta do lugar - várias delas estavam fazendo bolos.

Além de ensinar novas habilidades às mulheres, a Casa Xochiquetzal também tem o objetivo de melhorar suas condições de saúde e bem-estar, promovendo aulas de autoestima, exames médicos e auxílio psicológico.

O quarto de Marbella Aguilar está cheio de livros - seus autores favoritos são Pablo Neruda, Liev Tolstoi e Franz Kafka. "Livros foram meu refúgio desde os nove anos", conta.

Quando criança, há quase 60 anos, seus pais a expulsaram de casa. Aguilar foi cuidada por uma outra mulher, mas voltou a ficar desamparada aos 16 anos, quando essa senhora morreu. Teve de encontrar uma forma de pagar o aluguel e sustentar seus estudos sozinha.

Quando viu que isso seria impossível, ela começou a vender o corpo para pagar as contas. "Não havia nenhuma outra coisa que poderia fazer", diz.

Com um misto de empregos tradicionais e trabalhos ocasionais como prostituta, Aguilar conseguiu sustentar seus três filhos. Mas quando sua filha adolescente morreu de leucemia, ela caiu em depressão profunda e não conseguiu mais trabalhar e acabou sendo despejada por não pagar o aluguel.

Nesse momento, a Casa Xochiquetzal a resgatou, e, agora, ela consegue dinheiro vendendo joias que aprendeu a fazer lá em mercados próximos. "Esta casa me ensinou que minha vida vale muito a pena, que eu sou tão digna quanto qualquer outra mulher. Agora, eu digo que uma mulher pode até perder sua honra, mas nunca perderá sua dignidade."

Sua única tristeza é que seus outros filhos sobreviventes não falam mais com ela.

Dificuldades recentes

María Isabel em sua cama na Casa Xochiquetzal - SHUTTERSTOCK/BENEDICTE DESRUS - SHUTTERSTOCK/BENEDICTE DESRUS
Imagem: SHUTTERSTOCK/BENEDICTE DESRUS

Atualmente, existem outras 25 mulheres vivendo na Casa Xochiquetzal, com idades entre 55 e 80 anos. Boa parte já se aposentou da prostituição, mas algumas ainda trabalham. Nos últimos 11 anos, mais de 250 passaram pela casa.

Ainda há, porém, grandes desafios para se superar. As finanças da Casa Xochiquetzal vão de mal a pior - o projeto sofreu corte de verbas da Prefeitura e sobrevive graças a doações.

Além disso, não são todas as mulheres que se dão bem ali. Algumas haviam sido "concorrentes" nas ruas e até inimigas antes de se tornarem colegas de casa, o que gera atritos. "Nós fomos tão usadas, abusadas, violentadas, marginalizadas, que estamos quase sempre no limite. Temos nossas unhas prontas para atacar se vierem para cima", diz Muñoz.

Mas desentendimentos acontecem em qualquer família, lembra Aguilar. "Aqui, somos ensinadas a respeitar uma à outra e que existem coisas pelas quais vale a pena brigar, e isso traz harmonia para a casa."

"Nós merecemos um lugar para podermos passar os últimos dias de nossas vidas com dignidade e tranquilidade", acrescenta Muñoz, que planeja mudar-se um dia para a Casa Xochiquetzal.