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"Ficava feliz quando meu marido tinha casos": assexuais relatam como é viver em sociedade sexualizada

Assexuais falam sobre a vida em uma sociedade sexualizada - iStock
Assexuais falam sobre a vida em uma sociedade sexualizada
Imagem: iStock

da BBC

24/10/2017 11h17

Como é ser assexual em uma sociedade cada vez mais sexualizada?

O sentimento varia de estranhamento à anormalidade, passando por culpa e "invisibilidade".

Para quem não sente prazer com sexo e tenta evitar a relação sexual de todas as formas, mesmo estando casado, viver em uma sociedade cada vez mais sexualizada pode ser extremamente difícil.

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Segundo o norueguês Michael Doré, que se define como assexual e integra a rede de educação e visibilidade assexual (AVEN, em inglês), de apoio a assexuais, essa sensação de não pertencimento é muito comum.

Ele defende que, quem acredita ser assexual, busque apoio em comunidades, para combater o isolamento e a solidão.

"A assexualidade é apenas uma orientação sexual, não tem nada patológico nisso", diz ele à BBC.

"Claro que sempre existiram assexuais, mas era muito difícil para eles se encontrarem", acrescenta.

Por muito tempo, opina Doré, o assunto não foi discutido abertamente.

"As pessoas acham que se você não é heterossexual, você provavelmente é gay ou pode ser bi. Apesar de haver mais conscientização sobre a assexualidade nos últimos anos, ainda é um movimento relativamente jovem e há um grande caminho a ser percorrido", argumenta.

A BBC recebeu relatos de pessoas que se dizem assexuais. Confira abaixo.

Sarah, Cambridge

"Como assexuada, me sinto irrelevante numa cultura em que tudo é sobre sexo: o quanto do seu dia é sobre atrair ou agradar um parceiro? Não sou avessa a ter um parceiro, mas quem investiria tempo e esforço em um relacionamento que não vai resultar em nenhum sexo? De uma certa maneira, passar pelo mundo como um tipo invisível é um privilégio -- você tem uma visão mais objetiva das relações humanas quando está fora da multidão -- mas também há muita reflexão e você começa a ver como não é mais necessária. Talvez algum dia eu aceite isso, mas ainda não cheguei lá."

Gill, Londres

"Estou nos meus 60 anos e tive dois casamentos fracassados , mas nunca gostei de fazer sexo. Quando adolescente, era fácil recusar o sexo, era o esperado para uma "boa" garota, mas a pressão familiar me fez casar aos 21 e aí não tinha mais desculpas. Eu amava meu marido e queria dar prazer a ele, mas não tinha nenhum desejo sexual e odiava a experiência de um relacionamento físico. Nunca comecei o sexo com ele e eventualmente ficava feliz quando ele tinha alguns casos porque a pressão de satisfazê-lo não era mais minha. Me sentia enormemente culpada por ser tão fria e me responsabilizei pelo fim do casamento. Não compreendia como eu conseguia amar tanto uma pessoa, mas odiar ser tocada por ela. Me casei com um homem mais velho dez anos atrás e isso me fez acreditar que ele não teria mais desejo sexual. Infelizmente, não foi o caso, e ele não gostava da minha relutância em fazer sexo com ele. Ele me forçava a fazer sexo e acabei o odiando por isso."

Devi, Kent

"Só descobri que sou assexuado alguns meses atrás quando um terapeuta me sugeriu isso. Até lá, não tinha ideia de como me definir. Me tornei sexualmente ativa aos 17. Na universidade, tinha um namorado pelo qual era apaixonada, mas nunca me senti sexualmente atraída por ele. No início, achei que era por causa da falta de experiência, mas o tempo foi passando e nada mudou. Depois que terminamos, comecei a questionar minha sexualidade, chegando a pensar se seria lésbica. Notava que meu corpo podia se excitar, mas era como se minha mente não estivesse conectada a ele, então não sentia nada. Sexo não é doloroso para mim, não me causa repulsa; é apenas algo que não me dá prazer. Descobri uma comunidade de assexuais e me sinto bem por ter encontrado pessoas que sentem a mesma coisa do que eu. Mas me preocupa que nunca terei um parceiro romântico. Estou aberta à ideia do sexo para satisfazer outra pessoa, mas o fato de eu não gostar parece ser uma barreira enorme para as pessoas. Sinto que ficarei sozinha a vida toda".

Matt

"Sou um homem de 35 anos e só agora percebi que sou assexuado. Sempre me senti atraído por pessoas e sempre namorei. Fantasiava uma pessoa, gostava de beijar e do contato físico, mas quando se tratava do sexo, meu corpo desligava. Pensava que poderiam ser problemas com o meu desempenho e continuava tentando -- isso me causou enorme constrangimento e destruiu minha autoestima por anos. Estou desesperado por um relacionamento e me resignei a ficar sozinho e sem filhos para sempre. Mas, recentemente, li muitos artigos sobre assexualidade e não posso descrever o alívio que sinto agora por poder descrever o que é diferente em mim. Posso até começar a pensar em encontrar alguém que me entenda."

Tabitha, Bristol

"Sabia que não era como todas as outras pessoas desde que tinha 13 anos. Tentava fingir e até saí algumas vezes com algumas pessoas para ver que estava demorando apenas para me aceitar. Aos 15 anos, me deparei com o termo assexual e descobri o que eu sou. Nunca contarei aos meus pais ou à família. Existe uma diferença geracional enorme entre a gente e eles nunca entenderiam. Essa não é uma questão nova; sempre esteve aí, mas os mais velhos falam que é um novo modismo. Eles só estão ouvindo falar disso pela primeira vez por causa da internet. O fato de você poder achar uma comunidade online de pessoas que sentem o mesmo do que você e que podem te ajudar é muito importante."

Jon, Runcorn

"Sou um homem de 52 anos que tem tido repulsa pelo sexo há mais tempo do que posso me lembrar. Na juventude, era sexualmente ativo, mas nunca senti prazer. Odiava ver minhas parceiras tendo prazer. Estive em alguns relacionamentos sólidos e até cheguei a me casar, mas todos eles acabaram por causa do meu total desinteresse por sexo. Me apaixonava e ficava feliz de ficar abraçado na cama ou no sofá, mas na hora do sexo, sentia repulsa. Estou solteiro há 11 anos e apesar de não gostar muito dessa condição, é muito mais fácil do que tentar achar alguém entre os 1% a 3% das pessoas iguais a mim. Espero que mais pessoas jovens falem abertamente sobre a assexualidade para que possam encontrar uma pessoa similar e curtir uma vida normal e um relacionamento não-sexual."

Lucy, Cornualha

"Quando digo que sou assexuada, sempre ouço a mesma resposta: "Ah, você ainda não conheceu a pessoa certa ainda", ou "Você é muito recatada". Isso prejudicou minha autoestima e enfraqueceu minha confiança em ser assexuada em um mundo moderno que gira quase exclusivamente em torno do sexo. Viver como parte de uma geração que tem sido constantemente bombardeada com sexo pela mídia faz com que me sinta extremamente isolada. Vivo com medo de morrer sozinha porque não gosto de fazer sexo. Sou feliz como sou, mas o mundo que me rodeia não é, e, como tal, estou me tornando cada vez mais uma eremita social, porque é mais fácil viver desprezando um mundo mais sexualizado".

Ian, Nottinghamshire

"Sou um homem de 42 anos, e é só recentemente que entendi o que é a assexualidade e como me sinto definido como assexual. Quando era adolescente, costumava ter diários em que relatava minha angústias. Mas o mais interessante é que todos os meus sentimentos e pensamentos em relação às garotas (exclusivamente) eram quase inteiramente românticos, limitando-se às fantasias platônicas, em vez das sexualizadas que a sociedade espera dos adolescentes. Nunca gostei muito das minhas primeiras relações sexuais, apesar de terem sido interessantes como uma espécie de "missão de investigação". Praticamente todas as minhas relações sexuais, independentemente do meu relacionamento com a pessoa em questão, foram insatisfatórias até o limite da exaustão. Tendo a ficar apenas levemente excitado em posições nas quais sou completamente passivo, nas quais não tenho controle. Tentei a maioria das posições, em grande parte para experimentar, e a maioria delas não funciona para mim, não sinto prazer e, consequentemente, tampouco a pessoa que está comigo. Tenho uma parceira no momento. Eu a chamo do minha parceira, porque, na verdade, não me sinto bem ao descrevê-la como "amante" ou "namorada", porque não temos um relacionamento considerado "normal" para os padrões da sociedade. Embora compartilhemos a cama com frequência, nem nos beijamos, quiçá fazemos coisas mais íntimas. Acho que ela nunca conseguiu lidar com a minha falta de apetite sexual e deve achar que sou gay.