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"Natal muçulmano" desperta controvérsias dentro do islã

Afinal, muçulmanos comemoram o Natal? - Getty Images
Afinal, muçulmanos comemoram o Natal? Imagem: Getty Images

Fatima Zohra Bouaziz

da EFE, em Rabat

01/12/2017 09h25

Milhões de muçulmanos no mundo todo comemoram entre ontem e hoje o Mawlid, festa que lembra o nascimento do profeta Maomé, apesar do constante debate entre sufistas e salafistas sobre a legitimidade da festa e a interpretação do islã.

A maioria dos países de maioria muçulmana festeja o aniversário do profeta, que nasceu há 14 séculos (no dia 12 do mês Rabi al-Awwal do calendário islâmico), mas onde não é feriado as comemorações acontecem em nível familiar ou individual. Geralmente, as celebrações consistem em noites dedicadas à leitura do Alcorão e de elogios ao profeta, mas quase sempre o ambiente não é festivo se comparado ao Natal dos cristãos.

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Enquanto na Arábia Saudita o Mawlid não é feito por ser considerado um ritual em desacordo com o islã, no outro extremo está o Egito, com comemorações alegres, em ambientes coloridos e com muitos doces. Outros países do norte da África têm festividades mais familiares e as mulheres preparam o asidah, que conforme a tradição era o prato que Maomé consumia.

Já no Marrocos, onde o rito oficial tem grande componente sufista, o evento é celebrado até nas mais altas esferas do Estado, e rei Mohammed VI cuida pessoalmente da festividade. Ele coordena uma noite destinada a cantos de louvor a Maomé, além de proteger e financiar às diferentes confrarias sufistas do país, como faziam os seus antepassados.

Durante o Mawlid, estas confrarias fazem muitas solenidades, com leituras do Alcorão, músicas religiosas e danças para atingir o êxtase espiritual. A Hassounia, uma das confrarias do centro antigo da cidade de Salé, por exemplo, promove a tradicional Procissão das Velas, um desfile anual no qual os homens vestem longas túnicas, a jelaba, e caminham com enormes velas decoradas pelas ruas da cidade rumo ao prédio da confraria para iniciar a festa.

"Cada nação tem o seu herói, e o profeta Maomé é um dos grandes professores da humanidade", diz à Agência Efe Abdelah Guedira, representante do Conselho Supremo de Ulemás, em Rabat, que esclarece que a comemoração do aniversário do profeta não significa "divinizar" a figura, mas homenagear seu legado e seguir o exemplo.

A questão das celebrações, no entanto, reavivou o recorrente debate entre as diferentes ramificações da religião e sobre a sua validade. Xiitas e sufistas são favoráveis, mas salafistas qualificam a celebração de "bida", inovação proibida pela religião.

Dias antes do Mawlid, é comum ver vários xeques salafistas em programas de TV e nas redes sociais tentando deslegitimar o evento argumentando que o próprio profeta nunca comemorou o seu aniversário nos seus 63 anos de vida e que nunca deu ordens expressas para ninguém fazer isso. Outra alegação envolve a data do nascimento. Para essas pessoas, o 12 do Rabi al-Awwal coincide com o dia da morte de Maomé, e a festa equivaleria a comemorar o seu falecimento.

O salafismo defende uma aplicação rígida da Sharia (lei islâmica) e rejeita qualquer culto a santos, desprezando assim as práticas sufistas que, para eles, são contrárias ao islã.

A oposição ideológica entre salafistas e sufistas, cada vez mais visível, teve a demonstração mais sangrenta no último dia 24, no ataque jihadista cometido contra uma mesquita frequentada por sufistas no norte da Península do Sinai, no Egito. Mais de 300 pessoas morreram.

A controvérsia sobre a legitimidade do Mawlid é apenas mais um sintoma para evidenciar que as diferentes ramificações do islã, apesar de concordarem com os princípios, se distanciam cada vez mais nas práticas.