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"Só a maturidade nos dá a sabedoria de gostar de quem gosta da gente", diz psicanalista

HELOÍSA NORONHA <BR>Colaboração para o UOL

16/06/2010 12h00

Paulistana, 48 anos, Luciana Saddi é psicanalista, escritora e foi titular da coluna "Fale com Ela", publicada na “Revista da Folha”. Sua experiência em consultório, aliada à observação de amigos e à própria vivência pessoal, resultou no recém-lançado “Perpétuo Socorro” (Editora Jaboticaba). Dividido em contos que se complementam, o livro conta as histórias de cinco personagens - Fernanda, Carlos, Mariana, Décio e Cecília -, tendo a de Fernanda como eixo central. Sexo, traições, encontros, desencontros, dúvidas, conflitos, descobertas e redescobertas permeiam as páginas da obra de Luciana, que está no segundo casamento – morando em casas separadas – e tem três filhos. A seguir, a psicanalista comenta sobre seu processo criativo e o que pensa dos relacionamentos amorosos atuais.

UOL Estilo Comportamento - Como surgiu a ideia de escrever o livro?
Luciana Saddi - Escrevo ficção há muitos anos e a ficção é uma forma de investigar a realidade. As artes são tão válidas para isso quanto as ciências. O romance surgiu da necessidade de compreender o que é o amor. Não acredito ser possível alcançar essa resposta, mas a vida é feita de boas perguntas!

UOL Estilo Comportamento - E por que a escolha do título “Perpétuo Socorro”?
Luciana - O título condensa uma série de questões abordadas pelo romance: crises, angústias, esperanças, encontros e desencontros. Perpétuo socorro é para a condição humana e para o nosso desamparo cotidiano também.

UOL Estilo Comportamento - Você se inspirou em pessoas reais para criar as personagens? Caso tenha se inspirado, essas pessoas são/foram suas pacientes? Ou leitores (as) da sua coluna?
Luciana - Sim, meus personagens são baseados em pessoas reais, em meus amigos. Sou psicanalista, para mim é fácil criar personagens verossímeis e complexos. Meus pacientes e meus leitores gozam de privacidade, de respeito e de sigilo, isso é fundamental para que falem comigo; portanto, no romance utilizo a experiência como analista e minha experiência de vida para retratar as questões relativas ao amor nos dias de hoje, mas jamais retrato um paciente.

UOL Estilo Comportamento - Suas experiências pessoais também serviram de base para o livro?
Luciana - Sim, minhas experiências pessoais recheiam minha escrita. O escritor empresta suas fantasias, suas memórias e sua forma de ver o mundo para seus personagens e para construir uma narrativa interessante.

As mulheres esperam demais dos relacionamentos amorosos, pensam que basta ter um homem ao lado que as coisas se resolvem

Luciana Saddi, psicanalista e escritora

UOL Estilo Comportamento - Por que você acha que as mulheres contemporâneas vivem à beira de um ataque de nervos e os homens de hoje em dia são extremamente confusos?
Luciana - As mulheres são muito exigidas – as injunções sobre nós são terríveis. Desde os cuidados com beleza, magreza, corpo, orgasmos... até o imperativo de ser feliz, mãe e mulher ao mesmo tempo. Apostamos de forma idealizada nos casamentos, nos filhos e na família. A realidade é dura, as desilusões são enormes. Para os homens, a situação é semelhante. Eles precisam ser bons provedores, pais atenciosos, sensíveis, bonitos, inteligentes, cultos, bem-sucedidos, vitoriosos, amantes geniais e sei lá mais o quê. A maioria não se sente à altura dessas exigências. Houve um tempo em que bastava ter nascido do gênero masculino e meio caminho estava andado. Hoje isso é insuficiente; o homem precisa mostrar a que veio, precisa convencer as mulheres e a si mesmo que possui atributos e qualidades.

UOL Estilo Comportamento - Por que as mulheres se atrapalham tanto nos relacionamentos?
Luciana - Quanto maior o cavalo maior o tombo. A expectativa exagerada e irreal piora a angústia e aumenta a confusão. As mulheres esperam demais dos relacionamentos amorosos, pensam que basta ter um homem ao lado que as coisas se resolvem. Sabemos que não é assim; quando a paixão finda os problemas permanecem, além do mais ninguém tem ninguém, de fato.

UOL Estilo Comportamento - E os homens?
Luciana - Os homens querem um pouco menos das mulheres. São mais realistas, porém esperam demais deles mesmos e caem do cavalo quando não alcançam o sucesso ou o dinheiro que almejam.

UOL Estilo Comportamento - Por que as pessoas, hoje em dia, precisam de socorro emocional? Como seria esse socorro?
Luciana - Há um esvaziamento da possibilidade de atribuir sentido à vida nos dias de hoje. Esse mal-estar se reflete em enorme desconfiança na palavra e nas instituições – não acreditamos nos fatos, nada é o que parece ser. O mundo virtual contribui para o esgarçamento do sentido do real, duvidamos dos nossos pequenos saberes, sequer falamos de nós mesmos, a intimidade se tornou um produto. O que nos sobra disso tudo? Ações, ações cada vez mais violentas, porque perdemos a crença nas palavras e nas coisas – em minha opinião, os atentados são a expressão maior desse problema. O socorro se dá quando nos tornarmos autores de nossas próprias vidas. Adquirir um firme sentido de existir ocorre nos vãos do mundo, nos divãs, na literatura, nas artes, nos processos criativos científicos ou não... Precisamos escutar e criar vínculos reais com pessoas e com fazeres.

UOL Estilo Comportamento - Por que as mulheres adoram se consultar com astrólogos, tarólogos e afins para saber de assuntos amorosos? Você já fez isso? Como foi?
Luciana - Mulheres são muito ansiosas, não conseguem esperar a vida rolar, querem estar prontas antes de terem a experiência. Já fiz de tudo na vida, por isso escrevo.

UOL Estilo Comportamento - Qual conto você teve mais prazer em escrever? E qual foi o mais difícil?
Luciana - O livro é um romance escrito em contos. No capítulo 9, “Alfinetadas”, dei muita risada. Senti dificuldade para escrever o capítulo 2, “Dúvidas”, em que o personagem é um homem muito dividido.

UOL Estilo Comportamento - Você acha que muitas mulheres vivem a angústia de Cecília, em “Terrores” (sempre esperam o pior, sofrem caladas e se acham culpadas por tudo)?
Luciana - Sim, algumas dessas mulheres acabam por utilizar a violência para se libertarem, outras descobrem novas formas de viver. Porém, muitas continuam numa espécie de masoquismo moral ou terror, o que impede sua autonomia.

Entender que existem outras pessoas, além da gente nesse mundo, não é tarefa para qualquer um

Luciana Saddi, psicanalista e escritora

UOL Estilo Comportamento - Por que é tão comum os homens romperem um relacionamento estável por causa de outra mulher, ou para curtir a vida, e depois pedirem para voltar arrependidos, como o personagem André?
Luciana - Nem sempre os homens formam um vínculo com os filhos e com a família. Alguns não aguentam o peso dessas instituições, a responsabilidade de criar filhos, a privação da liberdade. A questão principal é o egoísmo: para criarmos filhos é preciso generosidade e capacidade de doação. Algumas mulheres também não conseguem e fogem em busca da aventura amorosa. Entender que existem outras pessoas, além da gente nesse mundo, não é tarefa para qualquer um.

UOL Estilo Comportamento - E por que também é tão comum a mulher abandonada evoluir durante a ausência do ex e se recusar a recebê-lo de volta, como a personagem Fernanda?
Luciana - Porque mulheres aprendem que não podem depender de quem não sabe cuidar delas e dos filhos. Quando conquistam a autonomia, não abrem mão dessa vantagem, porque essa conquista é mais difícil para elas do que para os homens, historicamente falando.

UOL Estilo Comportamento - E várias mulheres sonham com um parceiro romântico e atencioso, mas, quando surge alguém assim, elas o consideram pegajoso e o colocam para correr...
Luciana - Mulheres são parecidas com homens, gostam de desafio e de conquista, só a maturidade nos dá a sabedoria de gostar de quem gosta da gente.

UOL Estilo Comportamento - Quais são as suas dicas para alguém (mulher e homem) que terminou um relacionamento longo e quer se refazer? Um novo e imediato amor é bom?
Luciana - Cada um se refaz de uma forma singular. Não existe manual. É importante haver um trabalho de autoconhecimento, para evitar repetições que levem a um mesmo padrão de sofrimento.