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Personagens de "Passione" levantam a questão da rivalidade entre mãe e filha

Triângulo amoroso na novela "Passione": a mãe, Stela (Maitê Proença), e a filha, Lorena (Tammy Di Calafiori), disputam o amor de Agnello (Daniel de Oliveira) - Divulgação/TV Globo/Renato Rocha Miranda
Triângulo amoroso na novela "Passione": a mãe, Stela (Maitê Proença), e a filha, Lorena (Tammy Di Calafiori), disputam o amor de Agnello (Daniel de Oliveira) Imagem: Divulgação/TV Globo/Renato Rocha Miranda

HELOÍSA NORONHA <BR>Colaboração para o UOL

19/08/2010 17h00

Desde o início da novela global “Passione”, a personagem Stela, vivida por Maitê Proença, vem causando polêmica. Casada e mãe de três filhos, ela nunca hesitou em preencher o vazio existencial seduzindo belos garotões desconhecidos. Um deles, porém, não só a levou a se apaixonar, como ainda causou um enorme problema em sua vida: o italianinho Agnello (Daniel de Oliveira) acabou se envolvendo com sua filha, Lorena (Tammy di Calafiori). A trama, ou melhor, a disputa que vai se acirrar entre as duas nos próximos capítulos tem levado muita a gente a discutir o relacionamento entre mãe e filha, que, desde que o mundo é mundo, costuma oscilar entre o amor e a raiva. Uma das razões é que a mãe reúne na mesma pessoa a ideia de proteção e controle. Em alguns momentos, a filha adora a segurança; em outros, sente a necessidade de correr riscos e escrever a própria história. Os conflitos, de modo geral, ocorrem quando a mãe encontra dificuldade em aceitar o crescimento da filha, permitir que ela faça suas próprias escolhas e assuma a responsabilidade por si própria.

A relação entre mãe e filha atravessa diversas fases no decorrer da vida. Durante a infância é comum as meninas se identificarem com a mãe para construir as bases referenciais do seu funcionamento e depois se diferenciam para formar sua própria identidade. A imitação dos comportamentos maternos e a urgência em consultar a mãe para agir com segurança se modificam na adolescência, cedendo espaço para o desenvolvimento da autonomia. Nessa fase é comum a jovem filha manifestar comportamentos hostis e críticas mordazes à mãe, comportamentos que devem ser repreendidos e inibidos por meio de diálogos e atitudes efetivas.

“O ser humano é um complexo de sentimentos, e por trás de nobres desejos da mãe, por exemplo, escondem-se os maléficos, os temores de que a filha irá superar a mãe em graça, beleza e sorte na vida. Também na obscuridade, a filha sente inveja dos poderes da mãe adulta e odeia ser dependente dela, ou teme não alcançar tantas conquistas quanto sua mãe. Uma vez que, nem mãe nem filha entram em contato com estes sentimentos hostis, eles ficam contidos e reprimidos, mas algumas vezes eles podem vir à tona, explodindo com força total e causando muito estrago no relacionamento. Porém, assim como no conto de fadas da ‘Branca de Neve’, o desabrochar da filha é como um espelho no qual a mãe pode vislumbrar o seu próprio brochar. E na inconsciência a mãe culpa a filha pela perda de sua própria juventude. É por esse motivo que, na adolescência, costumam ocorrer muitos desencontros entre as mães e as suas filhas”, afirma a psicóloga Léa Michaan, de São Paulo. Na idade adulta, deve prevalecer o respeito e o companheirismo, porém, se estas fases não foram vivenciadas e elaboradas adequadamente, o resultado pode se transformar em distanciamento ou, ainda pior, em rivalidade entre mãe e filha.

Mãe versus filha

Muita gente pensa que, quando mãe e filha se interessam pelo mesmo homem, já há um clima de disputa e competição entre as duas. Mas, segundo a psicóloga Léa Michaan, é preciso analisar a situação sob diversos aspectos. Por exemplo: este homem é mais próximo da mãe ou da filha? “Se for amigo da filha, por conta da idade e do grupo social, então muito provavelmente a mãe quer testar o próprio poder de sedução e medir forças com a filha. Tem necessidade de provar para si própria e para o mundo o quanto é bela, atraente e irresistível a ponto de atrair um jovem que poderia ser o namorado de sua filha. Neste caso, há uma competição mais por parte da mãe do que da filha.”, explica Léa. “Caso este homem for mais próximo da mãe em termos de idade e grupo social, então podemos pensar que esta filha deslocou o complexo edípico (paixão da filha pelo pai) para este homem, que é o atual amor de sua mãe. Pode haver também uma carência paterna, e a menina transferir tal carência para o atual namorado da mãe, desejando-o como homem”, completa.

Para a psicóloga cognitivo-comportamental Mara Lúcia Madureira, de São Paulo, a mãe exerce um papel fundamental na formação da personalidade da filha. Ela transmite, além dos genes, crenças e valores que serão mantidos e elaborados ou deturpados e rejeitados, de acordo com a percepção e assimilação da filha. A rivalidade é resultado de sentimentos de insegurança e disputa de poder. “A mãe que não consegue se harmonizar com a passagem do tempo, aceitar o envelhecimento e desfrutar a beleza própria de cada fase da vida, permanece apegada aos mitos da beleza e juventude eternas e, tende a se rivalizar com a filha, em vez de apoiá-la e orientá-la”, destaca.

Em geral, quando ambas se apaixonam pelo mesmo homem, é comum a mãe abrir mão do relacionamento. Segundo a especialista Mara Lúcia, mães maduras não se detêm em competições desleais, gostam de ser mulher em qualquer idade, se aceitam com seus anos e sua sabedoria a mais, respeitam o esplendor da juventude e beleza das filhas e as encorajam a lutar por causas mais nobres. “Elas compreendem que amores são superáveis e que as disputas nesses termos são prejudiciais e desnecessárias, deixam marcas indeléveis na história de ambas. Não arriscam a confiança e os laços maternos por paixões carnais, quase sempre transitórias”, declara.

Diálogo

Em “Passione”, a personagem Stela faz uma armação para separar a filha do namorado (e seu ex-amante) em vez de abrir o jogo para a garota, que acaba descobrindo a maracutaia. Na vida real, espera-se de uma mãe a competência para dialogar e esclarecer os fatos. Para fazê-lo, é preciso reconhecer a existência de um problema afetivo, falar com clareza e honestidade sobre seus sentimentos, agir com ponderação e lidar com as consequências sem ressentimentos. “No caso explorado pela novela a disputa é promovida exclusivamente pela mãe, já que a filha não sabia do envolvimento dela com o namorado. O personagem vivido por Maitê Proença apresenta um somatório de conflitos e confusão íntima. Stela é uma pessoa que vive um relacionamento infeliz com o marido, um casamento de mentira e traições. Essa mistura não tem como dar certo”, comenta a educadora e mediadora de conflitos Suely Buriasco, de São Paulo, que acha interessante quando as novelas levam a refletir sobre questões que muitas vezes preferimos fingir que não vemos.

“Isso existe e é preciso ser enfrentado! Stela está escolhendo caminhos tortuosos para a sua existência e sofrimento para os filhos. Não se pode desconsiderar que se trata de uma mãe amorosa, entretanto a mulher carente e confusa sobrepõe-se à mãe, e ela leva a disputa com a filha de forma tão acirrada que não titubeia em golpeá-la covardemente. Não se pode esperar nada além de dor para essa mulher e mãe”, avalia Suely, que relembra que é muito comum, na infância, a filha disputar o amor do pai com a mãe. “Desde essa idade é preciso deixar claro para a menina que o pai é dela, mas o marido é da mãe. Também o pai tem importante papel nesse esclarecimento, pois com uma postura nítida pode marcar seu papel para a filha desde o início, sem tomar atitudes que alimentem essa competição. Brincadeiras do tipo ‘seu namorado é o papai’ causam confusão e perturbação na filha e, portanto, são completamente dispensáveis. Conversar com a criança desde a primeira infância, explicando com carinho os limites recomendáveis é sempre a melhor medida para o seu desenvolvimento sadio”, pondera.

Amadurecimento

A rivalidade é mais comum quando a diferença de idade entre mãe e filha se situa entre 18-25 anos e já existe a concorrência entre elas. A filha procura se afirmar como mulher tentando ser melhor do que a mãe, subestima seus valores e a denigre privada e publicamente. A mãe tenta se convencer que ainda é tão atraente e sedutora quanto a herdeira, se fazendo passar por jovenzinha, se colocando no páreo com a filha. “As duas perdem o senso cronológico e o respeito mútuo”, diz Mara Lúcia Madureira.

“Crescer e desenvolver autonomia são processos dolorosos, que não se atravessam sem alguma raiva da mãe. O importante é perceber a mãe como um ser humano passível de falhas, sujeita a vaidades, muitas vezes com dificuldade para aceitar as transformações dos filhos, além de aprender a respeitar suas limitações. Se a mãe resiste em amadurecer, que então o faça a filha. Isso não significa assumir o papel de mãe da mãe, mas de filha capaz de reconhecer um problema no desenvolvimento emocional, a confusão de gerações e a fragilidade dos sentimentos maternos e, não se envolver nessa guerra de egos, preservando, desse modo, sua autoestima e a estima pela mãe”, completa.

Outro problema recorrente é que algumas mulheres não assumem o papel de mãe e se dedicam mais à vaidade, ao trabalho e ao lazer. Filhas de mães imaturas ou apresentam envelhecimento precoce e assumem o papel de mãe da mãe ou manifestam o oposto, resistem em crescer engajadas num circuito de rebeldia e tentativas frustradas de resgatar a atenção e cuidados negligenciados na infância. A terapia familiar é recomendada sempre que mãe e filha não conseguem romper a barreira da disputa logo no início, pois quanto antes elas aprenderem a lidar com isso melhor para todos. “Também é recomendável que se busque ajuda profissional sempre que o diálogo não esteja funcionando entre as duas. Diálogo é fundamental para qualquer relação saudável!”, afirma Suely Buriasco.