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"Os sistemas de classificação são preconceituosos", diz psicólogo

Colaboração para o UOL

25/09/2010 08h00

Professor do curso de Psicologia da Universidade São Judas, de São Paulo, e psicólogo clínico, Nicodemos Borges argumenta que a chamada “evolução índigo” não passa, na verdade, de um resultado do meio. Leia entrevista abaixo:

UOL Estilo Comportamento - Quais são as principais diferenças entre crianças índigo, portadores de DDA e hiperativas?
Nicodemos Borges - Diria que toda criança apresenta características únicas e neste sentido não existiriam duas crianças hiperativas iguais. Os nomes hiperativo, DDA (Distúrbio de Déficit de Atenção) – e podemos incluir índigo – são construções sociais que visam classificar as pessoas. No caso de hiperativo e DDA, são classificações estabelecidas pela psiquiatria e relacionam-se a padrões comportamentais que geram alguns problemas/sofrimentos para a criança e/ou pessoas de seu convívio. Por outro lado, a classificação de índigo refere-se a características mais questionadoras, reflexivas etc., e que não necessariamente está ligada a problemas/sofrimento. Assim trata-se de mais um sistema classificatório dos indivíduos.

Você acredita nesses conceitos?
Particularmente, a abordagem com que trabalho (análise do comportamento) é contra a utilização de rótulos/classificações, pois estes dão uma falsa impressão de familiaridade e igualdade de casos. Assim, ignora a história de desenvolvimento da pessoa rotulada – que inclui aspectos filogenéticos (genética), ontogenéticos (história pessoal) e culturais - e atribui à classificação, por exemplo, índigo, a explicação de seus comportamentos.

Você acha que ainda há desconhecimento em relação ao assunto? E preconceito?
Nossa sociedade é cheia de preconceitos, inclusive estes sistemas de classificação são exemplos disso. Diria que há grande desconhecimento sobre as ciências comportamentais, principalmente pela dificuldade de aceitar que nossas formas de agir, pensar e sentir são fortemente afetadas pelo ambiente e não por manifestações internas ou metafísicas. Assim, pela dificuldade em aceitar a influência do ambiente, as pessoas precisam explicar o comportamento de alguém recorrendo a explicações como esta: “meu filho tem problemas de aprendizagem porque é hiperativo” ou “meu filho tem dificuldades de aceitar regras sociais porque é índigo”. Ao responder que a criança faz porque é hiperativa ou índigo não resolve, apenas cria a próxima pergunta, “o que a levou a ser assim?”.

A criança índigo não seria, na verdade, um fruto do meio, dos “tempos modernos” da internet e da tecnologia? Podemos afirmar que as crianças de hoje são bem mais espertas que a dos anos 1920, por exemplo? Nesse caso, não seriam todas índigo?
Esta pergunta é ótima, pois ela começa a olhar para o que realmente importa, ou seja, como é o ambiente que esta criança vive e como ela aprendeu a lidar com ele. A maior incidência de crianças índigo se deve principalmente às práticas culturais atuais, que sofreram grandes transformações, como internet e tecnologia, bem como nas estruturas familiares. Assim, diria que as crianças de hoje são significativamente diferentes das crianças de antigamente, isso não quer dizer que são melhores ou “mais espertas”; são diferentes. Imagine que algumas crianças de hoje sabem acessar informações como ninguém através da internet, porém, muitas delas não sabem rodar pião, fazer carrinho de madeira etc. Isso mostra que elas desenvolveram habilidades mais valorizadas nos tempos atuais e não que sejam melhores.

As características índigo não contemplariam somente uma gama de crianças de classe média para cima? Uma criança pobre, sem acesso à tecnologia, sem muita informação e sem acesso a determinados conhecimentos e informações, pode ser chamada de índigo? Como?
Diria que predominantemente é possível encontrar crianças com este rótulo nas camadas mais altas da sociedade, pois estudos sugerem que crianças destas classes sociais, em geral, vivem em ambientes efetivos no desenvolvimento de comportamentos reflexivos e de auto-observação, o que acontece muito menos frequentemente nas camadas mais pobres. (Heloísa Noronha)