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Felicidade acontece de dentro para fora, afirmam especialistas

HELOÍSA NORONHA<BR>Colaboração para o UOL

13/11/2010 07h00

O que é felicidade? Você já se fez essa pergunta? A que conclusão chegou? É possível que ela esteja correta, pois a resposta pode, sim, ser subjetiva – afinal, nem os filósofos mais famosos do mundo, com seus longos discursos e ensaios, conseguiram chegar a um consenso. Teorias à parte, conversamos com alguns especialistas respeitados para apresentar versões modernas – e um tanto práticas – sobre o que é felicidade, palavrinha bonita que todo mundo, sem exceção, quer experimentar o significado.

 

Para Ana Maria Rossi, presidente da Isma Brasil (International Stress Management Association), a felicidade é um estado “interno” que traz tranquilidade, harmonia e a sensação de paz. “Ela acontece de dentro para fora, ao contrário da alegria, que ocorre de fora para dentro e depende de situações externas, como a compra de uma casa nova ou a aprovação em um concurso público”, explica. Já Rebeca Fischer, instrutora da Sociedade Brasileira de Programação Neurolinguística (SBPNL), encara a felicidade como um conjunto de estados positivos. “Por esse motivo ela parece ser instável. Em um dia, por exemplo, estamos mais insatisfeitos com nossa vida profissional ou relacionamento amoroso e isso nos desequilibra. Só que a felicidade não se perde, o que perdemos é o foco. Se estamos centrados nos estados positivos, conseguimos encontrar recursos para melhorar a área da vida que não está tão legal”, acredita.

Na opinião de Ana Maria Rossi, da Isma Brasil, a felicidade depende basicamente de três ingredientes. O primeiro é a fé, independentemente da religião. “E nesse quesito as mulheres saem na frente, pois são mais espiritualizadas do que os homens, que demonstram enorme resistência em acreditar ou admitir que acreditam em alguém ou alguma coisa”, pondera. O segundo fator é a esperança. “O otimista, mesmo em meio às dificuldades, vê luz no fim do túnel. O pessimista até enxerga essa luz, mas ouve o trem vindo em sua direção”, compara. O terceiro ingrediente é a harmonia. Se a pessoa tem equilíbrio emocional, ela deseja ser melhor – e também busca uma vida melhor. Se está fora do eixo, preocupa-se mais em ter, procurando a felicidade fora dela. “É comum, nesses casos, comer mais, beber mais e comprar mais para compensar o vazio”, diz Ana Maria.

Outro fator imprescindível, de acordo com os especialistas, é a autoestima. Quem tem uma autoestima elevada – e um bom nível de autoconhecimento – se sente mais merecedor da felicidade. “Esse é o caminho para se viver melhor e mais feliz. Quando conhecemos nossas fraquezas, forças e virtudes pessoais podemos maximizar o nosso potencial, canalizando para viver uma vida mais plena, positiva e feliz. Estudos demonstram que o otimismo pode ser aprendido e que as pessoas otimistas são mais felizes”, avisa a psicóloga Sâmia Aguiar Brandão Simurro, vice-presidente da Associação Brasileira de Qualidade de Vida (ABQV). “Ter autoestima é se gostar, se respeitar e se valorizar. A pessoa se cuida melhor e, portanto, filtra os acontecimentos e guarda apenas o melhor para si”, diz Leonard Verea, psiquiatra italiano radicado em São Paulo, diretor do Instituto Verea. “Quem tem autoestima define com mais propriedade o que é bom para si mesmo, não fica surfando na onda alheia, percorrendo caminhos indicados por outrem que não lhe causem satisfação ou atendam aos seus anseios. E conhece seus limites, não gerando expectativas inalcançáveis, que acarretam frustração”, completa Regina Maria Azevedo, especialista em comunicação neurolinguística e autora do livro “Prazer em Conhecer-se” (Ed. Alemdalenda).

País mais feliz do mundo

O Brasil é o 12º país mais feliz do mundo, segundo pesquisa Gallup feita pela revista “Forbes” em 155 países e publicada este ano. As perguntas, segundo a revista, levaram os entrevistados a avaliar sua satisfação geral com suas vidas. Depois, foram feitas perguntas específicas a respeito do passado recente com o objetivo de classificar os entrevistados em três graus de satisfação - da felicidade ao sofrimento. A Dinamarca é a líder do ranking, seguida de Finlândia, Noruega, Suécia e Holanda. Mas o que explica um país com temperaturas abaixo de 20 graus, invernos longos e altas cobranças de Imposto de Renda ser o mais feliz do planeta? Segundo os pesquisadores, a resposta em relação à satisfação geral está relacionada com a riqueza do país. Porém, ao se referir ao passado recente, a felicidade reflete mais a satisfação das necessidades psicológicas e sociais, e não necessariamente o bem-estar econômico. Assim fica mais fácil de entender: em Copenhague, capital dinamarquesa, é comum ver as pessoas sorridentes andando de bicicleta pelas ruas bem cuidadas e seguras, sem medo de caminhar à noite ou aflitas e apressadas, como se vê nas grandes metrópoles, entre elas São Paulo e Nova York.

Síndrome da procrastinação

O conceito de felicidade se modifica entre as faixas etárias. “Conforme amadurecemos, mudamos nossos objetivos. Aos 17 anos, eu queria me formar em medicina para salvar o mundo. Hoje, com mais de 30 anos de experiência, se consigo atender bem quem me procura, me dou por satisfeito”, brinca Leonard Verea. “As demandas também variam. Ora focamos no amor, ora no trabalho, ora na família, ora no desenvolvimento mental ou espiritual, de acordo com o momento que atravessamos”, ressalta Regina Maria Azevedo.

É comum, entretanto, conhecer pessoas que estão sempre procrastinando o momento ideal para se sentirem felizes. São aquelas que acreditam que somente estarão bem quando emagrecerem, terminarem a faculdade, se aposentarem, subirem ao altar, encontrarem o príncipe encantado. “Essa procrastinação está diretamente ligada ao medo da mudança. Isso porque mudanças requerem atitudes de movimento, o que dá trabalho e pode causar insegurança. Então as pessoas se recusam a fazer as pequenas mudanças que melhorariam seu estado atual e procrastinam a vida, esperando a chegada desses grandes marcos sociais. É preciso ser feliz agora, hoje, como se está, seja desempregado, solteiro, com dívidas, acima do peso. Se consigo ser feliz, assim tenho forças para realizar as mudanças que acredito necessárias para aumentar ainda mais a minha felicidade”, ressalta Rebeca Fischer, da SBPNL.

Muita gente tem a impressão de que o estresse do dia a dia (leia-se trânsito, excesso de trabalho, contas atrasadas, cansaço, noites mal dormidas) possui o poder de contaminar a nossa felicidade. Porém, os especialistas são unânimes em afirmar que o modo de contornar tudo isso é ter foco no que é importante. Exemplo? Se eu saio do trabalho e vou para a casa focando no filme que vou assistir com minha família e na boa noite de sono que terei, é certo que não vou deixar que o trânsito ou a agressividade dos outros motoristas me distraiam desse objetivo. Não é fácil manter esse foco, exige treino, mas é possível e muito benéfico. “O ser humano precisa de ideais, sempre, e demonstrar gratidão a tudo que se produz – seja um café da manhã, um filho, uma flor, um texto, uma roupa, um automóvel. E ter respeito a si próprio e aos outros com suas diferenças”, aconselha Regina Maria Azevedo. “Assim aprendemos a gostar mais de nós mesmos, a conviver com o outro, já que ninguém se basta sozinho, e a aceitar todas as cores e sabores que a vida tem para nos oferecer.”

Dinheiro traz felicidade?

Os especialistas são unânimes em dizer que quanto menos felizes as pessoas são, mais se tornam dependentes do aspecto financeiro, ou seja, passam a valorizar mais os bens materiais, o status e a aparência. Às vezes, nem usufruem de tudo isso, já que a felicidade, vale a pena ressaltar, é um estado de espírito e depende de fatores internos. Existem evidências científicas de que dinheiro não traz felicidade. A psicóloga Sâmia, da ABQV, cita o livro “A Ciência da Felicidade” (Ed. Campus), de Sonja Lyubomirsky, professora de psicologia da Universidade da Califórnia (EUA). “Na obra ela cita um fenômeno humano chamado de adaptação hedonista, que explica que nos adaptamos facilmente às mudanças e logo após retornamos ao estado de felicidade anterior. Por exemplo, se ganhamos na loteria muito dinheiro, ficamos por um período muito felizes. Porém, passado algum tempo, tendemos a nos acostumar a essa nova condição financeira e retomamos o nosso estado de humor anterior. Por isso, a situação financeira em que nos encontramos, desde que tenhamos o básico para garantir nossa sobrevivência, não nos torna mais felizes”, esclarece.

Para endossar essa linha de pensamento, um estudo realizado nos Estados Unidos concluiu que gastar dinheiro em experiências – férias ou festas, por exemplo – faz as pessoas mais felizes do que a compra de bens materiais. Isso porque, afirmam os psicólogos da Cornell University, em Nova York, entidade que capitaneou o estudo, o ser humano tende a comparar seus bens com os de outras pessoas. Já as experiências trazem mais satisfação, pois são mais pessoais e difíceis de serem comparadas. Imagine que você compra uma TV LCD e vibra com a nova aquisição. Mas, quando você vai à casa de um amigo, descobre que ele tem uma TV melhor que a sua. Isso pode ser decepcionante. Mas, se você viajar de férias para o Caribe e o seu amigo também, você terá as suas recordações e impressões do local – uma conexão única e que ninguém tem, que torna suas férias especiais.

Carpe diem

Segundo o neurologista Ricardo Afonso Teixeira, do Instituto do Cérebro de Brasília (ICB), o tempo todo somos bombardeados, principalmente pela mídia, pela sensação de que ainda nos falta alcançar uma parte da vida. E ela inclui, é óbvio, carros e bens materiais. “Os pessimistas e os que não gozam de uma boa autoestima logo vão olhar para a parte vazia do copo. Os otimistas vão analisar a parte cheia e enxergar tudo o que tem de bom, e isso lhes traz felicidade”, destaca o médico. “Meu conselho sincero é apertar o famoso botãozinho do ‘F’”, dispara Verea, lançando mão de uma conhecida expressão impublicável. “É bom ser um pouco egoísta ao viver a própria vida, vivendo conforme se deseja, pois ninguém tem certeza do amanhã”, completa. Resumindo: “Carpe diem!”.

A sociedade nos ensina a comemorar grandes ocasiões, mas devemos comemorar pequenas vitórias, como acordar de manhã com saúde e disposição para viver mais um dia. Essas pequenas vitórias ajudam a reconhecer a felicidade em vez de buscar fatores externos. O neurologista Ricardo Teixeira lembra um estudo publicado há cerca de dois anos pelo “British Medical Journal”, que conclui que o nosso estado de felicidade é um fenômeno de rede social, ou seja, depende do grau de felicidade das pessoas com as quais estamos conectados. Emoções positivas e o sorriso podem ser vistos do ponto de vista evolutivo como um mecanismo que facilita as relações sociais ao promover sentimentos prazerosos nos outros, recompensar os esforços alheios e encorajar a continuidade da relação social. Assim, o sucesso da espécie humana depende de sua capacidade de fazer relações sociais.