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Amor a três indica mudança nos relacionamentos

Pedro Neschling, Maria Flor e Bernardo Marinho moram juntos na série global "Aline" - Divulgação/TV Globo
Pedro Neschling, Maria Flor e Bernardo Marinho moram juntos na série global "Aline" Imagem: Divulgação/TV Globo

ROSANA FERREIRA <BR> Editora-assistente de UOL Estilo Comportamento

02/02/2011 07h00

Sofia cresce entre fogões e mesas do restaurante do pai num pequeno balneário e se realiza cozinhando. Ela se casa com Toni, que sempre morou e trabalhou na cidade, e com ele tem três filhos. Ao mesmo tempo em que ama o marido, ela se apaixona pelo charmoso Frank e pela possibilidade que ele lhe dá de aprender sobre gastronomia e de conhecer o mundo. Os três acabam firmando um acordo profissional e amoroso. Sim, isso é um roteiro cinematográfico. Em cartaz nos cinemas, o filme espanhol Dieta Mediterrânea (veja o trailer abaixo), do diretor Joaquín Oristrell, traz à tona a discussão sobre novos tipos de relacionamento – no caso, o amor a três.

E não é apenas este filme que aborda o assunto e anda fazendo parte das rodas de conversa atualmente: "Aline", que nasceu dos quadrinhos do cartunista Adão Iturrusgarai e ganhou vida, em carne e osso, em um especial da Globo em 2009. Quem quiser conferir a moderna e livre Aline (Maria Flor), que vive com seus dois namorados, Pedro (Pedro Neschling) e Otto (Bernardo Marinho), a emissora veicula a nova temporada a partir do dia 3 fevereiro.

E quem assistiu ao último capítulo da novela das nove "Passione", da TV Globo, conferiu dois casais nada tradicionais: o italiano Berilo (Bruno Gagliasso), que ficou com Agostina (Leandra Leal) e Jéssica (Gabriela Duarte); e a engraçada dona Brígida, que, apesar de se casar com o motorista Diógenes Santarém (Elias Gleizer), não abriu mão do jardineiro italiano Benedetto (Emiliano Queiroz). 

“Esses são alguns sinais: um filme aqui, um seriado lá, um livro acolá. A mudança de mentalidade está em curso”, acredita a psicanalista e sexóloga carioca Regina Navarro Lins, autora do livro “Amor a Três” (Best Seller) juntamente com o marido, Flávio Braga. E as mudanças acontecem assim mesmo: lentamente e sem data certa: “Se há alguns anos alguém dissesse que seria natural não se casar virgem ou se divorciar, ninguém acreditaria”, compara.

Para Regina, vivemos um momento em que se busca o desenvolvimento das potencialidades individuais, fato que caracteriza a nossa época e bate de frente com o amor romântico, aquele baseado na fusão dos amantes, na idealização do outro. “A decadência do amor romântico leva com ela a exclusividade e abre espaço para novas experiências e novos tipos de relacionamento”, diz. Afinal, lembra a psicanalista paulista Betty Milan, “o casamento burguês não tem mais fundamento econômico, já que as mulheres de hoje podem ser independentes”.

Na opinião do psicólogo Ailton Amélio da Silva, professor do Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo (USP) e autor do livro “Relacionamento Amoroso” (Publifolha), estão acontecendo alterações brutais nas relações. “Nos atendimentos, tenho assistido a uma mulher com dois homens e homens propondo a poligamia abertamente”, conta. Por isso ele acredita nos relacionamentos personalizados. “Antes havia apenas o casamento padrão, mas apenas um modelo não cabe mais na nossa sociedade. É preciso haver flexibilidade, compor um menu de acordo com as necessidades atuais de cada um: idade, estado civil, fase da vida, tipos de amor”, explica. 

Poligâmico por natureza

Apesar de na sociedade ocidental o ideal de relacionamento ser a monogamia, o ser humano é poligâmico por natureza, segundo o Amélio. Ele cita o Atlas Murdock, em que são localizadas no mapa-múndi as várias formas de “casamento” nas culturas: poligamia, monogamia, casamentos arranjados, iniciação sexual pela mãe etc. Foram listadas cerca de 1200 sociedades, das quais 800 privilegiam a poligamia.

“A monogamia é minoria no mundo, embora na prática haja muita traição neste tipo de relacionamento”, diz ele. Estima-se que nas sociedades monogâmicas 10% dos filhos não são do pai presumido. Por isso essas culturas adotam medidas para coibir a traição, que vão de religiões a leis. “Além disso, existem os mecanismos sociais sutis para impor uma postura, como isolar o indivíduo, não convidar para festas, fazer retaliações etc.”, diz o psicólogo.

“O amor tem como fundamento a fidelidade. Mas o ser humano é conflituoso, não é fácil se relacionar”, diz Betty Milan, que recomenda os textos da literatura sobre o adultério, como “Madame Bovary”, de Gustave Flaubert, publicado em 1857. "Ninguém se aprofundou tanto no tema como os romancistas", afirma. Enfim, mesmo com todas as pesquisas disponíveis, teorias e romances não é possível dizer que o ser humano é uniforme: tem gente que pode se dar bem com a monogamia; tem gente que pode se adaptar a um relacionamento a três ou outros tipos de relacionamento.