Topo

Romance entre primos ainda é tabu

A família ainda é o maior empecilho para o relacionamento entre primos - ThinkStock
A família ainda é o maior empecilho para o relacionamento entre primos Imagem: ThinkStock

HELOÍSA NORONHA

Colaboração para o UOL

25/02/2011 21h50

“Sempre fui apaixonada por meu primo. Sempre. Na adolescência tivemos um rolo, mas meu pai descobriu e me deu uma surra daquelas. A partir daí, minha família começou a restringir meus horários e a me vigiar. Meus tios também se afastaram e a convivência com o Ricardo* ficou impossível. Em poucos meses ele acabou namorando com outra menina, que engravidou, e os dois acabaram se casando. A nossa história caiu no esquecimento geral e todo mundo voltou a conviver numa boa, mas ainda tremo quando o encontro. E ele também me olha de um jeito diferente até hoje”, relata a administradora de empresas Sílvia*, de 35 anos, que confessa lamentar até hoje a interrupção do romance. Final infeliz, assim como deve acontecer com Irene (Fernanda Paes Leme) e Pedro (Eriberto Leão) em “Insensato Coração”: nos próximos capítulos da novela global, a garota vai engravidar do primo e logo em seguida morrer em um acidente.

A família ainda é o maior empecilho para o relacionamento entre primos. “É uma relação que parece incestuosa, já que primos são vistos como irmãos”, analisa a terapeuta familiar e sexual Maria Luiza Cruvinel, de São Paulo. “Antigamente era mais comum, porque as famílias eram mais numerosas e todo mundo vivia próximo. Além disso, o casamento entre membros era uma maneira de manter o patrimônio dentro da família. Hoje é menos comum, porque é tido como tabu e há pressão para que não aconteça”, afirma a especialista, que cita o temor que o fruto da união sejam filhos com má formação genética como principal argumento.

Para o psicólogo e sexólogo Oswaldo Martins Rodrigues Junior, diretor do Instituto Paulista de Sexualidade, é na adolescência que o romance entre primos pode acontecer. “É justamente nessa fase que as pessoas ensaiam como devem viver no futuro, ou seja, na idade adulta”, pondera. E é também nesse período que acontece a descoberta do sexo e os primos estão mais próximos e acessíveis. O sexólogo chama a atenção para o fato de que quanto mais proibitiva e repressiva for a família, maior a chance de os primos se envolverem. Isso porque a falta de contato com outros grupos pode ser resolvida dentro do próprio círculo familiar.

O momento certo para assumir a relação

Concretizado o romance, o mais difícil, para os pais, é aceitar. E para o casal, assumir. “A hora de revelar o relacionamento a todos é quando os dois sentem que realmente existe uma chance de a relação ir em frente”, sugere Maria Luiza. “É fundamental ter muita calma e tolerância, além de muito diálogo, para ir desconstruindo crenças e tabus. Como toda situação diferente, incomum, esse romance pode causar um desequilíbrio no começo, mas aos poucos a família pode ir aceitando a ideia, especialmente se perceberem que o casal está bem”, acredita.

  • Riscos: cada caso precisa ser avaliado separadamente

O sexólogo Oswaldo Rodrigues diz que, em geral, as reações ocorrem de acordo com os padrões morais de cada família. “As regras são percebidas como formas de defender a família, cada um dos indivíduos e o mundo todo ao redor. Então, por mais sofrido que seja a aplicação das regras, elas parecem certas para a família. Portanto, em princípio, não fará sentido para a família deixar de aplicar as regras, mesmo que sejam sanções para o membro que deseja se relacionar com o primo ou a prima”, salienta. Para ele, o momento ideal de assumir a relação é quando o casal está se tornando social e economicamente independente. “Ambos terão mais facilidade de impor-se aos familiares na tomada de decisões de estabelecer relacionamentos, com quem namorar e casar”, salienta.

 

Enquanto o grito de independência não é dado, é comum que os primos mantenham um relacionamento escondido das famílias. É o caso da relações-públicas Débora*, de 18 anos. “Namoro meu primo há um ano e nossos pais não sabem. Temos a certeza de que somos a pessoa certa um para o outro, mas estamos esperando o fim da faculdade para revelar a verdade a todo mundo”, diz. “Saímos juntos todos os fins de semana, pois temos os mesmos amigos. A turma sabe o que rola, é claro, mas é complicado manter segredo porque volta e meia alguém esquece e dá um fora no Facebook ou no Orkut. Vivo tensa, apagando mensagens, mas prefiro assim. Não posso imaginar a reação dos nossos pais”, lamenta.

Filhos de primos correm riscos genéticos

De acordo com Caio Parente Barbosa, coordenador do Setor de Genética e Reprodução Humana da Faculdade de Medicina do ABC (FMABC), casamentos dentro da mesma família aumentam as chances de acontecer alterações genéticas em relação à população em geral. “No entanto, o risco de desenvolvimento de doenças genéticas entre primos varia entre as famílias. Cada caso deve ser avaliado individualmente”, afirma o especialista.

É preciso considerar a origem geográfica da família, se há outros casamentos consanguíneos e se há crianças com alterações, por exemplo. Quanto mais próxima a familiaridade, maior o risco. Primosde primeiro grau correm mais chances (10%) de ter filhos com doenças genéticas se comparados a casais sem parentesco (3%). Pesquisas norte-americanas mostram probabilidades menores, mas ainda preocupantes. Segundo estudo do Conselho Nacional da Sociedade de Genética dos EUA, publicado em 2002, casais consanguíneosteriam 6% de chance de ter filhos doentes, contra 3% dos casais sem parentesco. Mas esse dado só deve ser levado em conta quando não há casos de doenças hereditárias na família. Ao contrário, o risco tende a ser muito maior.

  • Deve-se considerar a origem geográfica da família

É preciso procurar aconselhamento genético

Caio Parente Barbosa explica que filhos de primos podem nascer com doenças genéticas desde que ambos carreguem genes com alterações semelhantes, o que é muito mais fácil de acontecer entre parentes. “Caso isso aconteça, a criança pode nascer com cegueira, surdez, albinismo, distrofias musculares, fibrose cística ou qualquer outra enfermidade de uma lista de milhares de doenças genéticas, com exceção da síndrome de Down, que não ocorrepela consanguinidade”, alerta o médico, que faz questão de lembrar que esse risco não atinge somente parentes. “Todos somos portadores de genes que causam doenças. Só que é muito mais difícil que pessoas sem parentesco tenham genes com alterações semelhantes do que primosque tenham avós em comum”, ressalta.

É recomendado ao casal, portanto, procurar aconselhamento genético. O médico especialista em genética médica vai investigar a incidência de doenças familiares nas três últimas gerações. Constatados casos, o casal vai fazer testes genéticos específicos para saber se carregam a propensão a elas em seu DNA – e aí, sim, tomar determinadas decisões.