Topo

Preferência por um filho é normal, mas favorito pode ser mais inseguro

Não sinta culpa se você se identifica mais com um dos seus filhos (só não deixe as crianças notarem) - Thinkstock
Não sinta culpa se você se identifica mais com um dos seus filhos (só não deixe as crianças notarem) Imagem: Thinkstock

HELOÍSA NORONHA

Colaboração para o UOL

19/04/2011 07h00

É provável que essa matéria tenha o efeito de um soco no estômago (e um aperto no coração) nos mais sensíveis. Afinal, na teoria, os pais amam igualmente todos os seus filhos. Mas, na prática, a dinâmica familiar não funciona conforme determinadas regras. Ou você não conhece algum caso de pais que preferem um dos filhos, mesmo que não se deem conta disso?

Desde que a psicóloga norte-americana Ellen Libby lançou “The Favorite Child” (“A Criança Favorita”, em tradução livre), em 2010, o debate entre os especialistas aumentou (e muitos concordam com ela). Ellen, que acumula 30 anos de prática clínica, diz que ter um filho favorito não é uma violação de um código moral. “Um pai não é igual a uma mãe. E um filho não é igual ao outro”, escreveu. Segunda ela, os motivos que levam pais a elegerem determinado rebento como queridinho são vários.

Um deles, é claro, diz respeito ao primeiro filho, a criança que veio ao mundo para transformar aquele casal em pais. Mas é comum que o posto seja roubado, futuramente, pelo caçula –que também está sujeito a perder o título se um terceiro herdeiro chegar ao mundo e assumir o posto de mais novo.

Ellen Libby considera outros fatores determinantes: o sexo da criança, pois, em famílias conservadoras ou machistas, o primeiro filho homem é um orgulho e tanto; o fato do filho se parecer com a família do pai ou da mãe; a demonstração de habilidades que os pais gostariam de ter, o que impulsionaria o mecanismo da projeção.

 


Personalidades compatíveis

Para o psiquiatra Wimer Bottura, membro da Associação Paulista de Medicina (APM), a abordagem de “The Favorite Child” é superficial em alguns aspectos. “Ela não se aprofunda em uma questão essencial, que é a da personalidade da criança. Muitas vezes, os pais acabam se identificando com o filho mais cordato e fácil de lidar, que faz tudo o que eles querem. O filho de personalidade forte acaba sendo preterido”, afirma.

O psiquiatra diz, ainda, que, ao contrário do que o senso comum poderia imaginar, o filho preferido nem sempre é o mais feliz e pode crescer inseguro. “Essa criança vive com medo decepcionar os pais e carregar um sentimento de culpa por não corresponder às expectativas que nela são depositadas. Ao crescer, pode se tornar um adulto perfeccionista e problemático”, alerta. Bottura diz, porém, que nem sempre a criança é capaz de identificar a preferência do pai ou da mãe.

“Em famílias grandes, é comum que as crianças sempre se considerem preteridas, nunca as favoritas.” Ainda segundo o especialista, por não contarem com a maior fatia da atenção e dedicação da família, os preteridos acabam desenvolvendo mecanismos para sobreviver, ou seja, se tornam mais independentes, ativos, audazes e emocionalmente saudáveis.

  • Em famílias grandes, é comum que crianças se considerem preteridas, nunca favoritas

No livro, Ellen Libby discorre sobre o fato de a preferência mudar conforme os acontecimentos e as fases das crianças. “Não vejo isso como algo benéfico, mas pode ser favorável no caso dos filhos que precisam de maior atenção ou cuidado”, comenta a educadora e mediadora de conflitos Suely Buriasco, de São Paulo. São os períodos, por exemplo, de doença, dificuldade nos estudos, problemas de relacionamento interpessoal etc.

“Para mim, esse tipo de relação, eterna ou temporária, será prejudicial à família sempre que representar cisão, divisão ou rompimento emocional com os outros filhos”, completa Suely, que alerta para o fato de que demonstrar explicitamente a preferência é muito mais grave do que ter. “Uma afinidade velada não traria grandes danos à família, diferente da que se evidencia.”

Via de regra, a questão da preferência acomete boa parte das famílias, mas é comum os pais não admitirem o favoritismo. “Ou até admitem, mas não aceitam. Admitir essa verdade inconveniente não é tarefa fácil, mas pode ser uma ação libertadora, pois possibilita o diálogo”, destaca Wimer Bottura.

Assumir o favoritismo para si mesmo, sem culpa, e policiar as atitudes para evitar que a preferência seja evidente para os outros pode preservar a família. “Para tanto, é necessária a compreensão de que esse sentimento não o afasta dos outros filhos, não os fazem menos amados ou importantes. Simplesmente existe mais afinidade com um deles”, conclui Suely.