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Tratado com naturalidade em "O Aprendiz", assédio moral deve ser denunciado

Sem medo da fama de mau, João Dória Jr., apresentador de "O Aprendiz", diz que "quanto mais firme você é, mais o brasileiro gosta". Você concorda? Opine nos comentários - Edu Moraes/Record
Sem medo da fama de mau, João Dória Jr., apresentador de "O Aprendiz", diz que "quanto mais firme você é, mais o brasileiro gosta". Você concorda? Opine nos comentários Imagem: Edu Moraes/Record

BÁRBARA STEFANELLI

Da Redação

08/12/2011 07h00

Assédio moral não é novidade no ambiente de trabalho. No entanto, a prática, que pode ser levada à Justiça, além de ser tratada como crime, não deve ser tratada com naturalidade. Com a exibição da oitava temporada do reality show “O Aprendiz” (Record), maus exemplos da relação entre chefe e subordinado podem levar o público a acreditar que humilhações são aceitáveis, mas não são.

Na atração, o apresentador João Dória Jr. não economiza nos adjetivos quando está descontente com sua equipe de aprendizes -o empresário chegou a dizer que os candidatos "tomaram o chá da imbecilidade", os chamou de "medíocres" e que fizeram um trabalho "porcaria". Apesar dos assédios serem condenados pelas leis trabalhistas, em entrevista ao UOL, Dória disse que não vê problema em agir dessa maneira.

"Vocês tomaram o chá da imbecilidade", diz João Dória Jr. a candidatos de "O Aprendiz"


“Outro dia, estava no jogo do Santos com o Geraldo Alckmin [governador de SP] e as pessoas me receberam muito bem. As pessoas da classe C e D parecem que gostam de um jeito mais duro. Quanto mais firme você é, mais o brasileiro gosta. Os adjetivos ajudam as pessoas a entenderam que precisam ser melhores. Já ouvi frases assim em minha vida profissional e compreendi, faz parte. É duro aprender a lição da derrota.”

Medidas legais
De acordo com o advogado Guilherme Feldmann, especialista em Direito Trabalhista, os processos por assédio moral no trabalho são relativamente comuns no Brasil, fato que evidencia que os trabalhadores não “gostam” de sofrer ameaças, muito menos de agressões vindas de seus superiores.  

Além de pontuar os tipos mais comuns de assédios morais (“agressões verbais, assédio sexual, xingamentos, exigir mais do que é possível o trabalhador cumprir e suprimir ferramentas de trabalhos, para forçar a demissão do empregado”), Feldmann diz que, se o reclamante realmente tiver disposição de entrar na Justiça, deve procurar um advogado, que dará andamento aos trâmites judiciais.

“Geralmente, para agir legalmente contra um assédio moral, o empregado depende de prova testemunhal ou documental, como e-mails ou gravações”. No entanto, o advogado alerta que uma gravação, realizada sem o consenso da pessoa, pode ser contraditada pelo acusado. “A gravação até pode ser feita, mas o correto é informar à pessoa que está gravando, pois a prova pode perder o seu valor, já que o empregado não avisou que estava fazendo um registro. O ideal é que tenha uma câmera instalada no próprio ambiente de trabalho."

Perfil dos agressores

Normalmente, são muito imaturos, por causa da idade ou da fraca formação em liderança de pessoas.
Muitas vezes, chefes agressores são inseguros e procuram diminuir o outro ou mexer com a autoestima do empregado para se sentirem melhor.
Profissionais com esse perfil agem agressivamente com vários empregados, não só com uma pessoa.
Fonte: Psicóloga Carmen Rittner

Feldmann explica que o advogado pode pedir esses vídeos e que, teoricamente, a empresa não pode negá-los, caso a Justiça os solicite. "Mas, na prática, o empregador pode dizer que guarda as imagens por apenas alguns dias ou que não vai gerar provas contra si. De qualquer modo, o juiz pode ordenar que os vídeos sejam divulgados, se acreditar que o empregador está agindo de má-fé."

Outro fator que complica esse tipo de processo é que as testemunhas, normalmente, são colegas de trabalho que, com medo de represálias, costumam não depor contra a chefia. Mas se a pessoa realmente tiver provas e não se importar com a demora do processos, ela pode ser indenizada pela empresa. “A indenização costuma pagar uma quantia razoável ao empregado. Esse valor é estipulado de acordo com a remuneração do funcionário e do tipo de assédio sofrido”, explica Feldmann.

O advogado ainda conta que o empregado vai processar a empresa e não um agressor específico, por isso, deverá solicitar a rescisão indireta de seu contrato e deixar o trabalho. Em contrapartida, receberá todos benefícios da empresa, se tiver carteira assinada. Por isso, para as empresas, não é nada vantajoso (ou lucrativo) contar com chefes que praticam assédio moral em seu quadro de funcionários.

Avalie os ataques
Para Carmen Rittner, professora de Psicologia Organizacional e do Trabalho da PUC-SP, o primeiro passo para quem acha que está sendo assediado moralmente no trabalho é procurar algum mentor, um amigo ou apoio que a ajude a perceber se as situações no trabalho são realmente exageradas ou se é só uma interpretação do funcionário.

“É recomendável que o empregado procure ajuda para perceber se as situações no trabalho são realmente exageradas”, diz a psicóloga. Carmen ainda aconselha a busca de alguém mais maduro, que conheça a empresa, ou até de assistentes sociais do próprio trabalho, como alguém do RH. “Muitos desses consultores internos têm formação em Psicologia e podem ajudar nesses casos.”

Se o profissional realmente achar que os ataques têm fundamento, pode tomar medidas. No entanto, a especialista afirma que “a agressão só surte efeito se você permitir ou se importar com ela” e, normalmente, afetam em maior grau as pessoas mais sensíveis. “Uma maneira de amenizá-las é mentalizando ou até escrevendo em um papel que o agressor tem um distúrbio de comportamento e é ele quem está sendo inadequado”, diz Carmen.  

E caso o assediado tenha medo de entrar na justiça e não encontrar mais trabalhos, o advogado Feldmann diz que isso é mito. “Um empregador não tem como verificar se o empregado tem reclamação trabalhista prévia, pois o Direito Trabalhista protege o funcionário [desse tipo de exposição]. O que pode acontecer é uma comunicação entre as empresas, a antiga e a interessada em contratar". Além disso, empresas sérias não costumam julgar mal as pessoas que lutam por seus direitos.