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Trabalhar no Natal: conheça histórias de quem faz plantão na noite do dia 24

O maître e sommelier do Terraço Itália, Francisco Freitas, que passa, há 28 anos, o Natal trabalhando - Divulgação
O maître e sommelier do Terraço Itália, Francisco Freitas, que passa, há 28 anos, o Natal trabalhando Imagem: Divulgação

ANDRESSA ROVANI

Colaboração para o UOL

21/12/2011 07h00

É no 41º andar de um dos prédios mais emblemáticos da cidade que São Paulo que, há 28 anos, Francisco Everardo de Freitas, 48, comemora seu Natal. Maître e sommelier do Terraço Itália, na região central da capital, Freitas celebra a data todos os anos entre a cozinha e o salão do restaurante. “Aqui, os clientes já são conhecidos e festejam com a gente. Não entramos na festa, mas fazemos parte dela”, conta.

Casado e pai de dois filhos, Freitas diz que eles entendem sua ausência na noite que, por tradição, exige a reunião em família. Enquanto comanda o serviço do restaurante, os parentes comemoram sem ele. “Eu faço questão que eles chamem todo mundo para ir à nossa casa, sei que vou estar muito bem representado por minha mulher”, conta.

  • Caio Guatelli/Folhapress

    Enfermeiras cuidam de bebês na Pro Matre

Com previsão de restaurante cheio para a data, Freitas –que começou a trabalhar no local como “ajudante do ajudante de garçom”– diz que os funcionários se revezam para celebrar o Natal na cozinha, durante o trabalho. Ele, por exemplo, tira sempre dez minutos de descanso para refletir. “À meia-noite, sumo um pouquinho e faço uma oração. É um momento especial”, conta.

Como o Terraço Itália também conta com o almoço do dia 25, a comemoração para Freitas é sempre adiada. Por isso, os filhos, hoje com 17 e 25 anos, se acostumaram a ter que esperar um pouquinho mais pelo Papai Noel. Freitas conta que, quando eles eram pequenos, de madrugada -entre o jantar e o almoço- ele ia para casa e deixava os presentes ao lado da cama das crianças. “Adoro fazer surpresa.” Hoje, a festa entre eles acontece no dia 26.

Freitas é parte do batalhão de trabalhadores que, no próximo sábado, deve abdicar do Natal em família para manter os sinais vitais da cidade que não para. Nos bastidores, eles trabalham para que a infraestrutura de São Paulo –com hospitais, policiamento, hotéis, restaurantes, fornecimento de energia e telefonia e gestão do tráfego– não sucumba à festa.

  • Fabio Braga/Folhapress

    Central de operações da CET


De olho no trânsito
Joel Luiz Frias, 44, é mais um deles. Enquanto todo mundo comemora, ele estará na central de operações da CET (Companhia de Engenharia de Tráfego), de onde monitora a circulação de veículos da maior frota do país. Apesar de preferir folgar no Natal, a sorte o colocou para trabalhar. “Fizemos um sorteio e não teve jeito”, brinca Frias, que deve fazer a escala das 22h às 5h.

Frias diz que, nos dias que antecedem a data, vai se preparando espiritualmente para passar o Natal longe da família –um festão que reúne, todos os anos, cerca de 50 parentes. Detalhe importante: a festa vai acontecer na casa dele, onde mora com a mãe. Às 6h do dia seguinte, quando chegar em casa, Frias quer encontrar os presentes esperando por ele. “E os pratos na lava-louças”, diz, entre risos.

Junto com ele na CET, devem trabalhar por volta de 15 pessoas. “Dá para fazer uma festinha, mas não tem como parar. O lanchinho fica do lado e a gente vai dando umas bocadinhas”, conta o operador de monitoramento, que já enfrentou outros dois Natais no serviço. O dia é especialmente tenso porque, como resultado da festa, muitos motoristas pegam o carro após beber, deixando a CET em alerta. “Estamos aqui para atender a população”, assegura Frias.

Colega de Frias, Antônia Kátia Barbosa Ramos, 42, será “rendida” por ele às 22h do dia 24. Ela pretende ir direto do trabalho para a festa na casa da irmã, distante 30 minutos. “Dá tempo tranquilamente”, diz ela, especialista no assunto. Depois de passar seis Natais na sala de operações, ela conta que, aos poucos, entra no espírito e se acostuma. “Mas é chato sair de casa com aquele peso de ter que ir trabalhar enquanto todo mundo comemora”, assegura.

O importante, reforça, é não passar o Natal longe das pessoas de que se gosta, mesmo que seja no trabalho. Na empresa há 20 anos, Antônia diz que o fato dos funcionários trabalharem juntos há muito tempo facilita. Com a falta de alternativa, os colegas fazem o papel da família.

  • Adriano Vizoni/Folhapress

    Aeronave da Gol decola em Guarulhos


Plantão no hospital e no aeroporto

Quem também estará a postos para manter a vida em movimento é a enfermeira obstetra Joyce Fernades Canalez, 29. Pela quarta vez, ela deve passar a noite de Natal cuidando das mães e bebês recém-nascidos na maternidade paulistana Pro Matre. Ao que tudo indica, porém, a maternidade deve ter uma noite mais tranquila no Natal. Se em um dia comum nascem 30 bebês, para o próximo dia 24 estão previstos apenas 10 –são os partos emergenciais, não eletivos.

Ainda assim, como a atenção aos pacientes é total, a comemoração deve se restringir ao horário do jantar, que contará com pratos especiais trazidos pelas funcionárias. “É triste passar o Natal longe da família. Mas, aqui, pais e mães também estão longe de casa, e é um momento tão importante que comemoramos juntos”, diz ela.

Apesar de perder a festança na casa do avô, Joyce pretende encontrar toda a família para o almoço do dia 25. Acostumados a vê-la trabalhar na véspera, os parentes até mudaram a data do amigo secreto, que passou a ser feito no dia de Natal para contar com a presença dela. “Eles entendem que é uma profissão que exige dedicação”, afirma Joyce.

Quem também trará novos moradores ou visitantes à cidade em pleno Natal será o copiloto da Gol Ricardo Cury, 27. À serviço da empresa, ele deve passar a noite de Natal de sobreaviso em Belo Horizonte, de onde sai às 6h do dia 25 rumo ao aeroporto de Guarulhos. Em caso de alguma necessidade, ele estará pronto para decolar para qualquer destino. “Na verdade, estou torcendo para isto acontecer. Afinal de contas, estarei fazendo o que amo de paixão: voar.”

Se para outros trabalhadores, o Natal no trabalho é melancólico, para Cury é um presente: “Estar no céu na noite de Natal é a oportunidade de contemplar os mais lindos cenários e vistas deste mundo”, assegura ele, que deve chegar em tempo para o almoço de domingo com a família.