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Pessoas vingativas revelam de imaturidade a desequilíbrio emocional

A vingança é cometida por pessoas emocionalmente frágeis, que não aceitam nenhum tipo de frustração - Didi Cunha/UOL
A vingança é cometida por pessoas emocionalmente frágeis, que não aceitam nenhum tipo de frustração Imagem: Didi Cunha/UOL

Márcia Pereira

Do UOL, em São Paulo

01/03/2012 07h00

"A vingança é um prato que se come frio." O autor dessa frase ninguém sabe ao certo. Já foi atribuída a vários personagens de ficção e escritores, entre eles o francês Pierre Choderlos de Laclos (1741-1803), que escreveu "Ligações Perigosas", um romance que se passa na França do século 18 e retrata as maquinações movidas pela vingança. O tema, aliás, é um prato cheio para as inspirações literárias. Outro grande e famoso romance é "O Conde de Monte Cristo", do também francês Alexandre Dumas (1802-1870). A saga do marinheiro Edmont Dantè, que arquiteta por mais de uma década seu revide contra os três homens que o condenaram à morte em uma prisão insular, é, provavelmente, a mais famosa história que retrata uma vingança.

"O ato patológico da vingança é cometido por pessoas com estrutura emocional frágil, pessoas que não permitem nenhum tipo de castração ou frustração e que são extremamente narcisistas", explica Sergio Ignacio, membro da Sociedade Paulista de Psicanálise. "A personagem Tereza Cristina [de Christiane Torloni], da novela 'Fina Estampa', por exemplo, tem um código social próprio e quem o infringe está fadado a receber sua vingança. Como esse código não é o mesmo da sociedade, porque é próprio, individual, ela se vinga o tempo todo. Isso, para a psicanálise, é uma doença", diz Ignacio.

Vingança contra a sogra

A engenheira Marina, de Taubaté (SP), tinha um namoro tranquilo com o fluminense Pedro (nomes fictícios), estudante de relações internacionais, quatro anos mais novo do que ela. Tranquilo até a mãe do estudante começar a interferir no relacionamento, alegando que ela era "muito velha para ele e estava interessada na fortuna da família". Pressionado, Pedro, que dependia da mãe, terminou o namoro de dois anos.

"Em momento algum insinuei que gostaria de me casar com ele. Sempre fui independente e já tinha um bom salário. Era totalmente infundada a suspeita de que tinha a intenção de dar o golpe do baú. Além do mais, a tal fortuna que ela apregoava não existia, uma vez que a família estava em notória decadência. Eu simplesmente gostava de Pedro de um jeito que ela não poderia gostar."

Inconformada e sentindo-se desrespeitada, pela forma como foi tratada por ele e pela ex-sogra, Mariana começou a arquitetar uma vingança. Denunciou a loja da mãe do namorado, que funcionava de maneira irregular, à prefeitura da cidade e enviou uma carta anônima relatando o comportamento nada aristocrático da nova namorada de Pedro à mãe dele. "Senti-me vingada, aliviada e pude seguir em frente com a minha vida", afirma Marina, hoje casada e mãe.


A vingança está em todo o lugar, e não só na cabeça da vilã Tereza Cristina. Ela está muito presente no dia a dia das pessoas. E por que elas se vingam? "É um escapismo. No latim, vingar-se quer dizer liberar-se, clamar. É a justiça dos homens no seu estágio selvagem", diz o terapeuta. Segundo ele, a vingança acontece a todo momento. No mundo social e corporativo. "Pode vir como uma frase que comprometerá alguém, um e-mail não enviado, um documento propositalmente extraviado."  

Quem se vinga tenta se livrar da dor
"Quando a raiva se acumula dentro das pessoas, provocando sofrimento, elas precisam se livrar dessa dor. E, muitas vezes, recorrem à vingança", explica o psiquiatra Guilherme Medina, membro da Sociedade Brasileira de Psicanálise. Segundo o médico, formado pela Faculdade de Medicina da USP, o revide imediato é um modo primitivo de transferir a dor para o outro. Bateu, levou. Já a vingança é mais complexa.

"Leva em consideração quem bateu, como bateu e o agente da vingança só se satisfaz com a garantia de que o outro sofreu. De um modo extremo, pode se dizer que a verdadeira vingança aniquila o outro", diz Medina. "Dependendo do motivo, se pode até perdoar a morte como consequência de um ato vingativo", diz o psiquiatra, em referência à interpretação legal de legítima defesa da honra, muito usada até a década de 1970 no país, para absolver homens que matavam em casos de adultério. 

Até mesmo no Velho Testamento há referências da vingança, ou olho por olho, como algo legítimo. Para a psiquiatria, a vingança tem a ver com a maturidade de alguém suportar uma dor. "Quanto mais madura e equilibrada for uma pessoa, menos vingativa ela será", diz o psiquiatra Medina. Também, para o ramo da ciência que estuda a mente humana, alguém que se vinga constantemente dos outros pode caracterizar uma pessoa paranoica, com mania de perseguição. "Quanto mais paranoico for um indivíduo, mais dor e sofrimento sentirá. Portanto, mais vingativo será. A vingança torna-se efeito de uma doença que precisa ser tratada", afirma Medina.