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Crô é exagerado, mas subserviência não é característica rara; entenda esse comportamento

Marcelo Serrado interpreta o personagem Crô, na novela "Fina Estampa"  - Divulgação/TV Globo
Marcelo Serrado interpreta o personagem Crô, na novela "Fina Estampa" Imagem: Divulgação/TV Globo

Heloísa Noronha

13/03/2012 07h00

Prestes a entrar na reta final, "Fina Estampa" teve como um de seus pontos altos o personagem Crô (Marcelo Serrado). O engraçado mordomo de Tereza Cristina (Christiane Torloni) suscitou simpatia entre telespectadores por conta dos chiliques e das tiradas espirituosas. Mais do que diversão, porém, a relação entre Crô e a patroa na trama de Aguinaldo Silva serve para levantar discussões e reflexões. Afinal, não são poucas as pessoas que têm prazer em servir mesmo em circunstâncias ruins, com direito a humilhações e abuso psicológico.

Várias são as possíveis explicações. De acordo com o psiquiatra Leonard Verea, para alguns, a subserviência tem a ver com traços de personalidade. "Por um milhão de motivos, nem todas as pessoas conseguem ser líderes, inclusive por preferirem a postura de servir à de mandar. Algumas já nascem com a capacidade de comando, mas outras se adaptam às circunstâncias e às situações”, diz o especialista, que afirma que a sociedade é formada por indivíduos diferentes e que todos têm seu espaço e são importantes em suas funções.

O psicanalista afirma que as relações humanas são baseadas no equilíbrio: para quem acha que lutar é desgastante, colocar-se em um papel complementar pode ser uma boa saída. “Entretanto, eu percebo que o Crô alterna as funções, pois mesmo sendo submisso ele consegue convencer os outros sobre certas posturas. Em vários momentos ele assume a liderança, o que indica que ninguém é sempre líder ou sempre submisso”, conta Leonard.

Relação dependente
Outra interpretação é a possibilidade de a pessoa que se submete em excesso a servir outra se sentir –inconscientemente– valorizada por tais exageros, aos próprios olhos e aos dos outros, que a elogiam e admiram. Se desses elogios e dessa admiração é que tira sua própria força, ela, na verdade, necessita ter alguém para servir; quanto mais subserviente for, mais será admirada e mais envaidecida ficará.

“Assim, tanto o subserviente precisa do dominador, como o dominador precisa do subserviente, e está estabelecida uma forte relação neurótica, difícil de ser rompida, uma vez que é tida como boa para ambas as partes”, afirma a psicóloga Maria Celia de Abreu, descrevendo o que acontece entre Crô e Tereza Cristina na novela da Rede Globo. "É perfeitamente possível estabelecer limites, não confundindo servir com ser desrespeitado e explorado”, diz Maria Celia.

Busca do equilíbrio

A psicóloga Maria Celia de Abreu chama a atenção para o fato de a questão envolver julgamentos de valor. "Fortemente influenciada pela ética religiosa, nossa cultura tende a achar que quem serve aos outros é melhor do que quem não o faz. E quanto mais serve, melhor a pessoa é.

Porém, também há a crítica de que servir em exagero não é saudável. "Concordamos que ser muito egoísta ou narcisista não é saudável, mas é preciso admitir que ser excessivamente generoso é igualmente ruim.”

Na opinião dos especialistas, a sabedoria está em encontrar o equilíbrio entre generosidade e egoísmo.

Para a psicóloga Marta Leopoldo, assim como toda atitude, incluindo a autoafirmação a qualquer custo, o problema com o modo de agir não está nele em si, mas no exagero.

“A flexibilidade mental torna-se sinônimo de inteligência: a cada situação é bom ser capaz de escolher a estratégia mais eficaz, sem preconceitos e com diversas possibilidades”, diz.


Medo de agir
Na opinião da psicóloga Marta Rita Leopoldo, pós-graduada em Neuropsicologia, a subserviência é prejudicial quando a pessoa sente que essa é a melhor (ou única) maneira de se relacionar com alguém ou com o mundo: essencialmente apoiado no medo. “A pessoa teme as reações do outro, caso ela se coloque com opiniões discordantes, pois tal atitude a fará arcar com as consequências."

O pavor de perder o afeto ou a proteção alheia ao se colocar no comando da própria vida paralisa. Por trás disso tudo, claro, há a baixa autoestima desses indivíduos que se enxergam com poucos recursos próprios para lidar com as dificuldades da vida e obter aquilo que necessitam por mérito próprio, preferindo, então, se colocar sempre à sombra do outro. “O ganho disso é nunca ter que lidar com as próprias escolhas, colocando a responsabilidade, por tudo o que vier a acontecer, no outro. O preço é nunca experimentar o prazer de se sentir ‘senhor’ de si mesmo”, explica Marta .

A mania de servir pode, também, camuflar um desinteresse ou uma dificuldade em lidar com a própria vida. “A vida é uma luta diária, e certas pessoas não gostam de assumir essa responsabilidade o tempo inteiro. Outras não têm estrutura emocional para isso, é uma questão de desafio, da ambição de cada um”, diz o psiquiatra Leonard Verea.