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Tabus, preconceitos e desejo de concretizar fantasias explicam a procura por prostitutas

Realização de fantasias e desobrigação de compromisso motivam homens a procurar prostitutas - Thinkstock
Realização de fantasias e desobrigação de compromisso motivam homens a procurar prostitutas Imagem: Thinkstock

Cléo Francisco

Do UOL, em São Paulo

14/06/2012 07h30

Não seria correto dizer que o sexo é mais presente na vida das pessoas hoje do que foi no passado. O sexo, assim como a morte, sempre foi -e provavelmente será- o grande tema da vida das pessoas. A diferença é que agora é tratado de forma supostamente natural graças a uma abertura da sociedade. Homens e mulheres querem ser "bons de cama" e nada é proibido entre quatro paredes. Toda essa liberdade e sexolatria, entretanto, não parecem ter alterado o negócio da prostituição, que continua indo muito bem. Mas com tanta oferta gratuita, por que os homens ainda procuram os serviços de prostitutas? 

Carmen Lucia Paz, de 47 anos, prostituta desde os 17 e formada em Ciências Sociais com e pós-graduação em Direitos Humanos, questiona essa liberação.  "Ainda há dificuldade para se discutir sexualidade em todos os âmbitos da sociedade. Conosco, os homens têm liberdade de conversar sobre o que quiserem, sem medo de críticas. Eles podem liberar a fantasia, que é o nosso ganha-pão", diz ela, que é sócia-fundadora do Núcleo de Estudos da Prostituição, em Porto Alegre (RS) e militante na Rede Brasileira de Prostitutas, grupo que  promove a defesa dos direitos da categoria. 

Elisiane Pasini, antropóloga e doutora em ciências sociais pela Unicamp, que estuda a prostituição de mulheres há 15 anos, também discorda da ideia de total liberdade sexual. "A sociedade ainda controla a sexualidade de todas as formas. Os papéis de homens e mulheres continuam fechados. A sexualidade está numa caixinha e a gente não consegue abrir. Temos muitos preconceitos que impossibilitam as pessoas de viverem sua sexualidade como desejam”, afirma ela. "Acho que a maioria das coisas que acontecem na zona são papai-mamãe em 10, 20 minutos, pelo que percebi. Muitas vezes, o homem não brigou com a mulher, a ama, mas está lá para viver outras experiências", diz Elisiane.

Há afeto
A relação entre cliente e prostituta não é totalmente destituída de sentimentos, ainda que seja breve. Mesmo sendo comercializada, é uma relação afetivo-sexual. "É assim porque envolve alguma dimensão de afeto, que, em psicanálise, diz respeito a qualquer emoção e sentimento. Assim, angústia é afeto, raiva é afeto. São relações que têm dimensão afetiva e realização sexual”, afirma  Almira Rodrigues, doutora em sociologia pela UnB (Universidade de Brasilia), psicanalista e membro da Sociedade de Psicanálise de Brasília.

Para Almira, a busca dos homens por prostitutas passa pela questão psíquica e solidão. "Tem a ver com desejo e fantasia. De alguma maneira, essas pessoas não conseguem ter prazer em casa, satisfação na relação com o cônjuge e vão buscar com outras mulheres. E tem também os homens que são sozinhos, sem oportunidade de acesso ao prazer sexual, a não ser pagando", diz a psicanalista. 

A antropóloga Mirian Goldenberg, que acaba de lançar o livro "Tudo o que Você Não Queria Saber Sobre Sexo" (Editora Record) e que estuda a sexualidade na classe média carioca desde 1988, ouviu várias respostas interessantes de homens que buscam prostitutas (chamadas, nesse meio social, de garota de programa). "Eles nunca usam a palavra prostituta. Garota de programa é diferente: é mais bonitinha, inteligente, cobra mais, tem classe social um pouco melhor. Elas sabem fazer sexo e não querem vínculo", diz Mirian.

  • Segundo a historiadora Mary Del Priore, a garota de programa surgiu entre os anos 80 e 90

Sem vínculo, sem cobranças

Estar livre de vínculos e de cobranças é um dos motivos que levam os homens a procurar uma prostituta. Entre as entrevistas que antropóloga Mirian Goldenberg fez para suas pesquisas, ela lembra um rapaz de 27 anos, rico, bem-sucedido e bonito. "Ele disse que a namorada era tudo de bom, mas sempre queria discutir relação. Para ele, saía mais barato a garota de programa, a quem pagou R$ 500 para ter alguns momentos gostosos. Sexo com a namorada custava conversa, ir ao cinema, jantar, compromisso. Ele não queria isso", diz Mirian. Ela também comenta o caso de um homem casado, de 55 anos, que amava a mulher, mas pagava R$ 200 para transar com uma garota de programa. "Ele não gostava mais de fazer sexo com a mulher, não tinha tesão, mas não queria se separar." 

Não ter vínculo afetivo é importante para os homens, segundo a antropóloga Elisiane Pasini. "Transam e vão embora, sem precisar voltar nem telefonar no dia seguinte. Isso fecha a história. O dinheiro dá sensação de poder e controle a eles". Segundo ela,  ao procurar uma prostituta, os homens também se livram da pressão de ter de provar que são bons em competir por uma mulher. "Em uma danceteria, se querem alguém,  terão de disputar. Na zona de prostituição eles não precisam, pois vão pagar. Ele sempre vai sair de lá se sentido gostoso. Ele foge da pressão de ter de ser o bom em tudo e não tem de se esforçar", diz Elisiane. 

Ela gosta do que faz

"Comecei a fazer programas aos 17 anos. A gente começa por necessidade e, por opção, continua. Comecei a militar e resolvi ficar. Assumi ser prostituta, enfrentei a família, o estigma, levantei a cabeça e fui para as ruas. A maioria diz que não gosta, morre de vergonha, não tem opção. Tenho quatro clientes fixos e consigo quatro ou cinco programas por dia, que podem render R$ 150 ou R$ 200. Gosto muito de ser prostituta. É uma profissão que me realiza. Para mim, a prostituta não é coitadinha. É uma profissional do sexo, que gosta tanto de sexo como de dinheiro, como qualquer profissional. Não existe prostituta que trabalha nesse meio porque não tem opção. Isso é mentira. Pode ser por um tempo. Depois, com o dinheiro da prostituição ela pode investir em outra profissão. Luto para que a prostituição se legalize. Assim, as mulheres iriam assumir a profissão e as que não gostam sairiam. Ao negar o que são, fortalecem o estigma e alimentam o preconceito. Depois, acabaria com a exploração dos donos de boates, cafetões que não iam aguentar a barra de enfrentar a sociedade e assumir o que são, nem iam garantir os direitos trabalhistas das mulheres"

Carmen Lucia Paz, 47 anos, prostituta, formada em Ciências Sociais com pós-graduação em Direitos Humanos e sócia-fundadora do Núcleo de Estudos da Prostituição, em Porto Alegre (RS)


Breve história da prostituição no Brasil
No Brasil dos séculos 17 e 18, prostituir-se era uma forma de sobrevivência. "No século 18 se tornou um negócio mais organizado, nas chamadas casinhas, que ficavam ao redor das cidades. Havia verdadeiras gerações de avós, mães e filhas que iam se prostituindo para manter parentes idosos e filhos pequenos", conta a historiadora Mary Del Priore, que estuda a sexualidade no Brasil ao longo dos séculos e autora do livro "Histórias Íntimas - Sexualidade e Erotismo na História do Brasil" (Ed. Planeta) e de "A Carne e o Sangue" (Ed. Rocco).

A partir da metade do século 19, surge uma modificação: o fenômeno da exploração de mulheres por homens nos bordéis. "Esse tipo de comércio é desenvolvido sobretudo por europeus que fazem o comércio das polacas. Elas são chamadas de cocotes e promovem a ascensão das loiras no Brasil. A clientela é rica e, para um senador do império ou senhor de engenho, ter uma cocote era sinal de prestígio", conta Mary.

No final do século 19 e início do 20, o empobrecimento da Europa às portas da primeira Grande Guerra provoca uma onda de prostitutas a caminho do Brasil que aumentou com as brasileiras que vão se prostituir por serem mulheres de moral duvidosa para a sociedade. 

A chegada da Aids promoveu uma valorização das relações monogâmicas. No final dos anos 1980 e começo dos 1990, surge a garota de programa, meninas de classe média que veem na prostituição uma forma de ganhar dinheiro sem que a família saiba. 

"No passado, elas eram vistas como uma saída, um ralo pelo qual deveria escoar o desejo dos homens, para que não ambicionassem mulheres casadas ou virgens casadoiras. Ela tinha a função de satisfazer esse desejo. Não haveria risco de uma virgem ser ameaçada pelo desejo de um homem. Mas, com as transformações culturais e morais, isso tudo caiu por terra."