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Não confunda justiça com vingança, como Nina de "Avenida Brasil"

Nina (Débora Falabella, à dir.) diz que quer fazer justiça, mas tenta se vingar de Carminha (Adriana Esteves) - TV Globo
Nina (Débora Falabella, à dir.) diz que quer fazer justiça, mas tenta se vingar de Carminha (Adriana Esteves) Imagem: TV Globo

Andrezza Czech

Do UOL, em São Paulo

16/07/2012 07h15

Até quem não acompanha “Avenida Brasil” sabe que Nina (Débora Falabella) teve a infância destruída por Carminha (Adriana Esteves) e que, por isso, a jovem chef de cozinha voltou para fazer justiça. Mesmo alertada por sua mãe de criação, Lucinda (Vera Holtz), de que seus planos podem prejudicá-la, Nina está irredutível. Para conseguir o que quer, ela mente, seduz inimigos, cria alianças perigosas e destrói sua história de amor com Jorginho (Cauã Reymond). Nitidamente, Nina perdeu a noção do que pode ou não ser um preço alto demais a pagar por conta do que ela chama de justiça. 

Para a psicoterapeuta e psicanalista Blenda de Oliveira, membro da Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo, há uma grande diferença entre justiça e vingança. "A vingança vem acompanhada de muito ódio, mágoa e ressentimento, que muitas vezes ultrapassa a racionalidade. É o total desejo de fazer algo contra o outro e, no fim, você pode acabar fazendo o mesmo que ele te fez", afirma ela. "Na justiça há recursos e ajuda. É como se ela legalizasse a vingança com protocolos, rituais, princípios. Na vingança, tudo isso parte apenas dos seus critérios", afirma Blenda.

Somos todos vingativos?
Segundo o psiquiatra e psicoterapeuta Eduardo Ferreira Santos, a vingança é algo natural do ser humano. "No fundo, todos nós somos vingativos. Se não fazemos algo contra aquele nos agrediu, esperamos que alguém faça ou contamos com a justiça divina", diz ele. O psiquiatra lembra, no entanto, que nem tudo que é natural é certo. "Vivemos em sociedade e precisamos de regras para uma coexistência pacífica", diz.

Para Blenda de Oliveira, é comum que o ser humano tenha o desejo de ter de volta aquilo que perdeu. "Quando Carminha põe Nina, ainda criança, no lixão, faz com que ela cresça com esse ódio e inconformismo. É natural que ela queira acertar as contas", diz Blenda. Segundo o psiquiatra Leonard Verea, desejos de ódio e vingança fazem parte de uma personalidade que não evoluiu. "Uma pessoa madura não está preocupada com vingança, e, sim, com justiça. Ele não precisa se tornar mesquinho, criminoso ou fora da lei", diz ele.

  • TV Globo/João Miguel Junior

    Carminha (Adriana Esteves, à esq.) abandonou Rita (Mel Maia) no lixão quando ainda era criança

Vingativo versus justo
Uma pessoa justa, segundo o psiquiatra Eduardo Ferreira Santos, é capaz de pesar prós e contras e entender o que levou o outro a ter uma atitude que o machucou, o que não quer dizer que ela seja capaz de relevar. "São poucas as pessoas capazes de realmente perdoar. Esse não é um sentimento natural do homem. Sempre sobra mágoa ou raiva", diz ele. "Mas a pessoa justa tem a capacidade intelectual mais desenvolvida do que o vingativo".

Para Blenda de Oliveira, por ser mais madura, a pessoa justa consegue entender que não deve gastar seu tempo com a vingança, porque isso pode prejudicá-la. Já as vingativas guardam muitos ressentimentos, agem por impulso, são passionais e têm enorme dificuldade de esquecer ou sofrer menos pelo passado.

"Elas têm um sentimento de que algo foi tirado delas, de rejeição, exclusão. Sofrem muito mais do que aquelas que fazem justiça, pois passam o tempo todo pensando em como se vingar”. Para o psiquiatra Leonard Verea, o drama continua mesmo quando a vingança é alcançada. "A pessoa se sente vazia e percebe que, no fundo, aquilo não levou a nada”, afirma.

Segundo Ferreira Santos, muitos fatores são necessários para tornar uma pessoa vingativa. "Tem a ver com a educação que ela recebeu e com aquilo que está vivendo naquele momento. Se ela cresceu num ambiente agressivo, como a Nina, isso fomenta um espírito mais violento e de vingança”, diz ele. Para a psicanalista Cecília Orsini, da Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo, o ressentimento costuma ter origem na infância. “A criança acha que o mundo ou até mesmo os pais lhe devem algo e, quando crescem, vivem a situação imaginária de reivindicar isso".

Agir apenas de modo passivo também pode ser prejudicial
É consenso entre os especialistas que a melhor maneira de lidar com mágoas é agir com paciência e racionalmente, tentando entender o que levou o outro a praticar determinado ato negativo com você. "Quem nunca cometeu falhas gravíssimas?",pergunta Blenda.

Mas isso não quer dizer que você deva guardar os ressentimentos. Pelo contrário: assim como se vingar pode ser ruim para você, nunca expor emoções também é autodestrutivo. "Isso cria a possibilidade de as pessoas lhe fazerem mais mal", diz Blenda. "Todo ser humano tem o direito de se incomodar e avisar quando alguém passa do ponto".