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Surras em Carminha tornam trivial a cultura da desforra e banalizam a violência contra a mulher

Cena em que Tufão coloca Carminha para fora da mansão, após ele e Muricy esbofetearem a vilã - Divulgação/TV Globo
Cena em que Tufão coloca Carminha para fora da mansão, após ele e Muricy esbofetearem a vilã Imagem: Divulgação/TV Globo

Giovanny Gerolla

Do UOL, em São Paulo

11/10/2012 07h18

A novela "Avenida Brasil", da Rede Globo, galopa para um fim próximo, sob os brados de "vadia", "desgraçada" e "vagabunda", desferidos contra a vilã Carminha (Adriana Esteves) que, para ser desmascarada ao longo da trama, deixou uma família desestruturada por brigas e violência.

"É crescente e intensa a circulação de imagens violentas nos produtos midiáticos, não somente nas telenovelas",  explica a professora da Universidade Braz Cubas e especialista em comunicação de massas, Mariane Murakami.
 
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As agressões nesta reta final, apesar de concentradas contra a personagem que o público mais repudia, não são exclusividade de Carminha. Jorginho (Cauã Reymond), Max (Marcello Novaes), Tufão (Murilo Benício), Nina (Débora Falabella) e Lucinda (Vera Holtz) também são alguns dos submetidos à violência física e psicológica. 
 
O problema, no entanto, está na grande incoerência que é viver o tempo de desconstruir preconceitos, lutando pelo fim da violência –principalmente, daquela contra a mulher–, oferecendo ao público, paralelamente, mensagem de tamanha agressividade. 
 
"O caso não se encaixa em um tipo de representação socioeducativa da violência”, diz Mariane. "O intuito não é promover conscientização ou denunciar, como já aconteceu em outras telenovelas, a exemplo de  Mulheres Apaixonadas' (Manoel Carlos, 2003), quando a personagem Raquel (Helena Ranaldi) era vítima de violência doméstica", exemplifica. 

Para ela, os tabefes contra Carminha –do amante, do marido, do filho, da cunhada, da rival– fazem parte da própria narrativa do melodrama, que tem uma função de "discurso moral". 
 
"É por isso que, com a chegada do fim da telenovela, as agressões contra a vilã tornam-se mais frequentes: o bem precisa vencer o mal, e o meio encontrado é o da punição privada", segundo Mariane. Em nossa sociedade, porém, a punição privada, também chamada ‘fazer justiça com as próprias mãos’, é proibida:
 

O mocinho é nervosinho, mas dá bom exemplo

Divulgação
Enquanto Carminha faz o papel do traidor, que encarna o mal e seduz suas vítimas, Jorginho é a voz do justiceiro: herói protetor, generoso e apimentado pela forma física do galã, objeto de desejo de milhões de telespectadoras.

"Ele se liga às pessoas por amor, e tem o dever de desfazer o mal estabelecendo a verdade", explica a professora Marine Murakami.

O mocinho é tão do bem que nem considera Carminha, a vilã, como sendo sua mãe. Enxerga-a como o mal, motivo que o faz tentar salvar o pai, Tufão.

"Não acredito que a relação entre Carminha e Jorginho possa influenciar negativamente a vida familiar das pessoas, porque o público das telenovelas já está bem acostumado às tramas complicadas entre pais e filhos”, diz a especialista.

Ela acredita que o impacto de "Avenida Brasil" seja até mais positivo que negativo: "Quem não se encanta com o amor incondicional de Jorginho pelo pai, e com o enorme carinho de Tufão pelos filhos adotivos?", pergunta.

 
"A forma de conduzir a novela está reforçando péssimos aspectos do comportamento humano: o desejo de vingança ou a educação punitiva", diz Marilda Castelar, psicóloga representante do Conselho Federal de Psicologia no Conselho Nacional da Mulher. 
 
"Já são seis anos de vigor da lei Maria da Penha, que envolveu o trabalho contínuo e árduo de tantos profissionais e cidadãos, além de um sem-número de campanhas contra a agressão à mulher, audiências públicas e estudos em todos os estados do país. A telenovela brasileira poderia se comprometer um pouco mais com as necessidades da sociedade", diz a psicóloga.
 
Para Marilda, essas necessidades certamente não são a justiça com as próprias mãos nem o fim do uso do diálogo para resolver conflitos. "A novela expõe de maneira grotesca a miséria de crianças em um lixão, em meio a tanta agressividade. É preciso acabar com essa reedição de preconceitos.”


Toda violência é errada
 

A ONU Mulheres, agência internacional que trabalha pela igualdade de gênero e de direitos desde 2010, defende que a vida feminina livre de qualquer tipo de violência depende muito de que todas as pessoas sejam educadas a agir e pensar para este fim. 
 
A televisão, por outro lado, é grande formadora de opinião e educa ao abrir espaço para a construção de novas identidades –inclusive as que podem ser perigosas. 

"Condenamos qualquer forma de violência contra a mulher", afirma Rebecca Tavares, representante e diretora regional da ONU Mulheres Brasil e Cone Sul. "Essa é a forma mais visível e perversa de desigualdade de gênero, decorre da discriminação persistente e contínua e é uma grave violação aos direitos humanos fundamentais."
 

Violência contra a mulher

 
Dados da ONU mostram que uma em cada cinco mulheres (20%) já foi vitima de violência de gênero no Brasil. De 1997 a 2007, mais de 41 mil mulheres foram assassinadas. 
 
A queda de braço, para esses ativistas dos direitos humanos, é dura. Enquanto lutam contra os maus costumes e as desigualdades sociais, o interesse das emissoras por picos de audiência pode comprometer o resultado de seu trabalho. Grande parte das campanhas pelo fim da violência contra a mulher é patrocinada com dinheiro público. 
 
Com tanto barulho, Carminha ainda teve sucesso: bonita, poderosa, rica e vestida de grifes e joias caras. Com interpretação elogiada de Adriana Esteves, foi alvo de ódio e de admiração de muitas pessoas a acompanharam, nos últimos meses. Resta esperar que o telespectador não tenha confundido a ficção com a realidade. 
Problemas de "Avenida Brasil" ensinam a resolver crises
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