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Igualdade entre sexos esbarra em tabus, como dividir conta do motel

Você acha que quem considera uma obrigação masculina pagar a conta no primeiro encontro é sinal de machismo? Use o campo de comentários desta página para dizer a sua opinião sobre o assunto - André Rocca/UOL
Você acha que quem considera uma obrigação masculina pagar a conta no primeiro encontro é sinal de machismo? Use o campo de comentários desta página para dizer a sua opinião sobre o assunto Imagem: André Rocca/UOL

Fábio de Oliveira*

Do UOL, em São Paulo

07/03/2013 07h04

Você já deve ter presenciado uma mulher que defende com unhas e dentes o direito de salários iguais aos dos homens. Mas, quando o assunto muda de rumo, ela defende com as mesmas unhas e os mesmos dentes que, em um primeiro jantar romântico, eles (e somente eles) devem pagar a conta –se for a do motel, então, outra possibilidade nem se cogita. Ou a que é a favor da Marcha das Vadias, na qual se protesta contra a suposição de que vestimentas sexy seriam a causa de estupro. Mas ao topar com moças trajando roupas sensuais, não hesita em usar o mesmo adjetivo que dá nome ao protesto para menosprezá-las. 

Seriam elas feministas fajutas? Se você se identificou com essa personagem um tanto caricata, antes de se culpar por traição à causa feminina, saiba que a resposta a essa questão não é tão simples e gera outra pergunta: gostar que um homem abra a porta do carro ou assuma os gastos por uma noite romântica significa ser antifeminista e retrógrada?
 
De acordo com a antropóloga Mirian Goldenberg, não necessariamente. "Trata-se de algo simbólico", explica a professora da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro). Dito de outra forma, a brasileira, mesmo que seja independente do ponto de vista financeiro, enxerga o fato de seu companheiro bancar uma noitada romântica como uma demonstração de amor. "Ela se sente especial e isso não tem nada a ver com dinheiro", diz Mirian.
 
Essa característica peculiar do comportamento das brasileiras se deve, segundo a antropóloga, ao que ela chama de miséria subjetiva, uma insegurança que provoca uma necessidade de ser reconhecida. "A brasileira é muito insatisfeita. Quando o homem se mostra generoso, ela fica bastante feliz".


Essa miséria subjetiva tem origem em uma cultura que sempre valorizou a mulher pelo corpo e pela sexualidade. Daí a explicação para várias integrantes da ala feminina se recusarem a ir a uma festa por acharem que estão gordas. A recriminação ao uso de roupas sensuais por outras mulheres também teria gênese nessa carência de autoconfiança. "Em sociedades como a alemã isso não existe", afirma Mirian. 
 
Já a psicanalista e escritora Regina Navarro Lins diz que muitas mulheres gostam de usufruir da emancipação feminina –transar com quem quiser, separar-se quando desejar, ter um namorado após o outro–, mas não querem arcar com o ônus dessa emancipação. "Enquanto a mulher não entender que deve lutar por direitos e deveres iguais, continuará sendo considerada inferior. Afinal, durante milênios, as mulheres foram vistas como desinteressantes, fúteis, incompetentes e pouco inteligentes", diz a psicanalista.

De acordo com Regina, a mulher que vai ao motel e acredita que o homem deve pagar a conta sozinho, simplesmente pelo fato de ser homem, não contribui em nada para que o sexo feminino seja respeitado. "Será que não está na hora de mudar essa mentalidade tão nociva?", pergunta ela, que mantém um um blog no UOL e recentemente lançou "O Livro do Amor" (Ed. Best Seller). 
 
"Não sei que mulher é essa que defende salários iguais e não quer dividir a conta", diz a socióloga Nina Madsen, do Centro Feminista de Estudos e Assessoria, em Brasília. "É uma visão estereotipada de que a gente já conquistou tudo e quer mesmo é ser tutelada pelo homem. Ser feminista significa lutar por ideais, direitos e igualdade".

Passos lentos

 
Mudanças de atitude e valores sociais levam tempo para serem incorporados, afirma a psicoterapeuta Vivien Bonafer Ponzoni, que é coordenadora do Núcleo de Psicodrama de Família e Casal na Associação Brasileira de Psicodrama e Sociodrama, em São Paulo. "Isso porque estão em jogo questões políticas, filosóficas, psicológicas e culturais. Os papéis sociais incorporados ao longo de gerações exercem uma força muito grande no nosso imaginário", explica.  "Ainda é um incômodo para muitas casais o fato da mulher ganhar mais que o marido". 

Esses homens, em geral, são vistos como fracos ou acomodados. Segundo Vivien, existe uma defasagem entre o que se diz e o que se sente. "O pensamento que aponta para os valores de igualdade não é compatível com o sentimento de não ter uma figura masculina forte o suficiente para sustentar a mulher ou dar-lhe o suporte financeiro necessário". 

O lado positivo é que homens têm se dedicado mais às atividades do lar e às crianças."Percebe-se que eles estão mais atuantes, mas a participação masculina ainda é pequena", diz a socióloga Nina Madsen. A dupla jornada ainda é uma realidade no dia a dia feminino: trabalho em casa e fora dela. "O estado não garante uma estrutura condizente com a situação da mulher nem os parceiros dividem os afazeres domésticos", diz Nina Madsen.

 
* Com colaboração de Vladimir Maluf