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Pais devem agir logo quando notam que irmão de autista é como Leila

As personagens de "Amor à Vida" Leila (Fernanda Machado, à esq) e Linda (Bruna Linzmeyer) - Fotomontagem/Divulgação-TV Globo
As personagens de "Amor à Vida" Leila (Fernanda Machado, à esq) e Linda (Bruna Linzmeyer) Imagem: Fotomontagem/Divulgação-TV Globo

Catarina Arimatéia

Do UOL, em São Paulo

23/09/2013 08h44


Na novela "Amor à Vida", da Rede Globo, a personagem autista Linda (Bruna Linzmeyer) sempre sofreu nas mãos de sua irmã mais velha, Leila (Fernanda Machado), que a despreza e acusa os pais de darem atenção demais à caçula.

As cenas, que costumam causar revolta nos telespectadores, levam à pergunta: será que o comportamento fora da ficção é diferente? O psiquiatra José Ferreira Belisário Filho afirma que sim.

"Na minha prática clínica, vejo que os irmãos, na maior parte das vezes, são grandes parceiros. Agredir, maltratar, não faz parte da nossa cultura", segundo o psiquiatra. Isso não significa que não ocorram desentendimentos, mas, segundo ele, são problemas comuns, típicos entre irmãos. E quanto mais próximas as idades, mais fácil se torna o relacionamento.
 
"O irmão mais jovem lida melhor com a situação, pois já nasceu naquele ambiente", fala o médico, afirmando que bullying em família, como ocorre na novela, é inadmissível. Em casos assim, é preciso procurar com urgência ajuda profissional para resolver a situação o mais rapidamente possível.
 

O papel dos pais 

 
  • Arquivo pessoal

    Francisco Paiva Júnior, pai de Giovani, 6 anos, que é autista, e de Samanta, 4 anos

Para que a família viva em harmonia e não haja discriminações, o mais importante é a atitude dos pais. Quando não existe uma camaradagem maior entre os irmãos, é porque há questões dentro da própria família que precisam ser esclarecidas.

"Há pais que evitam falar que o filho é autista, outros nem aceitam o autismo. Quando isso acontece, toda a família sofre as consequências, incluindo os outros irmãos", afirma Belisário. Ele diz que é preciso incluir as crianças ou jovens não autistas no tratamento. Se os pais delegarem responsabilidades, a relação entre todos se tornará cada vez melhor.
 
Francisco Paiva Júnior, pai de Giovani, 6 anos, autista, e de Samanta, 4 anos, concorda com Belisário. Jornalista e escritor, ele é editor-chefe da revista Autismo e autor do livro "Autismo – Não Espere, Aja Logo!". Para ele, a integração entre os irmãos é necessária, mas deve ser feita com cuidado para não colocar responsabilidades acima do que o irmão não autista possa administrar. Tem de ser um prazer, não um fardo. "Ter a consciência de que todos, juntos, podem ajudar foi o caminho que encontramos em casa”, diz ele.

Paiva Júnior conta que Giovani passou por três fases com a irmã. No início, ele a ignorava. Depois, passaram a brigar. "O Giovani tomava coisas dela e a irritava para vê-la chorar", conta. Agora brincam (e brigam) como qualquer dupla de irmãos com idades próximas. "Mas brincam muito mais do que brigam, lógico. E interagem, aprontam molecagens juntos".
 
 
 
Em relação a dar mais atenção a um filho do que a outro, Paiva Júnior afirma que, em sua casa, isso não acontece. "É muito importante ter consciência de que cada membro da família tem direito à mesma quantidade de atenção. Isso não é fácil, já que é natural dedicar-se mais a quem tem uma necessidade especial, mas é preciso reservar um tempo para todos, inclusive para si mesmo".


Como integrar os irmãos

 
No caso dos irmãos Giovani e Samanta, a integração entre os dois foi realizada por meio de jogos em que cada um precisa esperar a sua vez, mostrando que todos têm seu tempo e sua chance.

"No início, foi bem complicado, mas logo eles entenderam as regras e a brincadeira fluiu. Fizemos isso com jogos simples. Depois, usamos um tablet, com aplicativos de brinquedos virtuais. A partir daí, foi natural que os dois se integrassem e aprendessem a respeitar a vez um do outro no dia a dia".

Além de jogos, virtuais ou não, a aproximação também pode ser feita de outras maneiras. "É preciso incentivar atividades em família, como viagens, passeios, cinema, andar de bicicleta, jogar bola", fala Márcia Paiva, psicomotrista e pedagoga da Assessoria Educacional Terceiro Passo e especializada em educação infantil pela PUC-SP (Pontifícia Universidade Católica de São Paulo).


Para ela, é positivo para o filho que não é autista se sentir parte importante no desenvolvimento do irmão. Juntos, eles podem fazer uma pintura, montar um quebra-cabeça, ler um livro. Ou seja: atividades em que ambos se sintam bem. 
 
O que se aprende em casa também acaba sendo levado para atividades fora da família.  Hoje, Samanta ajuda Giovani em várias situações, principalmente junto a outras crianças, convidando o garoto para as brincadeiras. A irmã também desenvolveu métodos próprios de se comunicar com o irmão. 
 
Sem que os pais ensinassem, sempre que Samanta faz uma pergunta a Giovani e ele não responde de imediato, ela aprendeu a ficar na frente dele e falar bem devagar, para que ele compreenda. Se não tiver resposta, ela mesma facilita a vida do irmão, dando duas opções: sim ou não.

"É muito bonito ver como ela aprendeu isso sem que ninguém ensinasse, apenas nos observando e tendo a percepção de que o irmão precisa desse tempo a mais para responder", conta o pai, acrescentando que todos em uma família com uma criança autista precisam de acompanhamento profissional. Samanta passa por sessões com psicólogos. E sua relação com Giovani caminha para se tornar mais forte a cada dia.