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Dependentes de jogos eletrônicos colocam relacionamentos em risco

A dependência de jogos eletrônicos é mais comum entre homens, mas não é uma regra - Getty Images
A dependência de jogos eletrônicos é mais comum entre homens, mas não é uma regra Imagem: Getty Images

Yannik D´Elboux

Do UOL, no Rio de Janeiro

10/06/2014 07h07


Assim como as drogas, os jogos eletrônicos, de videogame e computador, também podem causar dependência. A diversão vira um hábito difícil de ser controlado, capaz de prejudicar a vida social, profissional e até os relacionamentos amorosos de quem perdeu o controle.

"Chegava a ficar 14 horas jogando, comia em frente ao computador e trocava o dia pela noite", relata João de Sousa, 22, estudante universitário, morador de Recife (PE). Na época em que não conseguia limitar o tempo que passava em frente à tela, João preferia ficar jogando a sair com os amigos e conversar com a namorada. "Em muitos momentos tivemos crises e chegamos a nos distanciar. Mas ela sempre teve uma paciência muito grande e me incentivava a parar", conta o estudante, que namora há três anos.

Para se ter uma ideia da dimensão do problema nos dias de hoje, pela primeira vez a dependência de jogos eletrônicos foi listada como possível patologia na quinta edição do Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais, publicado no ano passado pela Associação Americana de Psiquiatria. No Brasil, ainda não existem estudos representativos sobre a incidência do problema.

Segundo o psicólogo e professor Cristiano Nabuco de Abreu, coordenador do Grupo de Dependências Tecnológicas do Programa Integrado dos Transtornos do Impulso, ligado ao Instituto de Psiquiatria da Faculdade de Medicina da USP (Universidade de São Paulo), a média mundial gira em torno de 10% de usuários com dependência tecnológica, que inclui internet a jogos.

Abreu explica que os jogos, por meio da liberação de dopamina no cérebro, produzem uma sensação de euforia, bem-estar e satisfação, funcionando no caso dos dependentes como compensação de uma realidade mal vivida. “Sempre que não estão se sentindo bem, essas pessoas vão para o videogame ou para a internet, que se tornam uma forma de esquecer dos problemas”, diz o especialista.

Mudanças no cérebro

O uso excessivo de jogos leva os usuários a negligenciarem vários aspectos da vida, como trabalho, estudo, cuidados pessoais e relacionamentos. O psicólogo e professor da FPS (Faculdade Pernambucana de Saúde) Igor Lins Lemos, também doutorando da UFPE (Universidade Federal de Pernambuco) na área de dependência tecnológica, diz que alguns dos seus pacientes vão ao consultório acompanhados das mulheres, cansadas de ficarem em segundo plano. “O incômodo é pela troca [da mulher pelo jogo]. Essas queixas estão sendo cada vez mais frequentes. O problema da dependência se estende para os relacionamentos”, relata.

Igor Lemos alerta sobre as consequências para quem joga descontroladamente. De acordo com o psicólogo, estudos de neuroimagem já demonstraram que o cérebro desses dependentes também sofrem modificações estruturais e funcionais, sobretudo relacionadas ao controle dos impulsos. “As alterações no cérebro desses pacientes são praticamente idênticas às daqueles que utilizam maconha em excesso e cocaína”, compara.

Existem sinais que indicam quando a pessoa ultrapassou a barreira da utilização saudável e recreacional dos jogos. Segundo o psiquiatra da Infância e Adolescência Felipe Picon, também vice-coordenador do GEAT (Grupo de Estudos sobre Adições Tecnológicas), do Rio Grande do Sul, para ser considerada dependência, é necessário que haja algum prejuízo na vida social, afetiva, acadêmica ou profissional do indivíduo.$escape.getHash()uolbr_quizEmbed('http://mulher.uol.com.br/comportamento/quiz/2012/08/20/voce-e-viciado-em-internet.htm')

“Podemos ver que a pessoa está dependente quando ela não conseguir mais utilizar a tecnologia dentro do tempo que planejou. Existe uma perda do controle”, descreve Picon. Além disso, o psiquiatra diz que é comum haver sintomas emocionais e até físicos de abstinência, como irritabilidade, agitação e tristeza, e a necessidade de passar cada vez mais tempo em contato com o jogo.

Algumas pessoas são mais vulneráveis a esse tipo de dependência. “Autoestima comprometida, outras patologias associadas, como depressão ou fobia social, fatores hereditários e famílias disfuncionais podem contribuir para o desenvolvimento da dependência tecnológica”, cita Igor Lemos.

Tratamento

O problema costuma ser mais comum nos homens do que nas mulheres, principalmente no Brasil, segundo os especialistas entrevistados. Porém, também existem aficionadas por jogos. Karen Pavin da Silva, 24, de São Paulo, gosta tanto de jogar que criou o canal de jogos UpGamerz na internet, onde interage com outros jogadores.

Casada há sete anos, Karen conta que atualmente passa cerca de quatro horas por dia jogando, porém quando era mais jovem esse tempo chegava a 12 horas. Ela diz que isso não representa um problema no relacionamento, já que o marido também é fã de jogos. “Gosto muito jogar, mas conforme vão se passando os anos a gente passa a ter outras prioridades. Hoje, escolho meu relacionamento, mas, antigamente, eu preferia os jogos”, revela.

Nem sempre tempo demais no videogame pode significar dependência. Às vezes, o problema é apenas uma fase. “Podem ocorrer momentos de uso exagerado de alguma tecnologia numa época que a pessoa esteja passando por um período maior de estresse”, exemplifica Felipe Picon.

Quando a situação não é apenas temporária, recomenda-se buscar tratamento psicoterápico. O parceiro pode auxiliar trazendo informações sobre o problema que ajudem o dependente a enxergar que perdeu o controle e está fugindo da realidade.

“O grande ponto é fazer com que esses indivíduos percebam que esse uso demasiado cumpre uma função de escapismo”, reforça Cristiano Nabuco de Abreu. No Grupo de Dependências Tecnológicas que coordena em São Paulo (SP), o tratamento de psicoterapia em grupo dura 18 semanas.

O estudante universitário João de Sousa faz psicoterapia em Recife (PE) há quatro meses e já alcançou bons resultados com o tratamento. Ele conta que agora não passa mais do que duas ou três horas jogando e que seu namoro melhorou bastante nessa nova fase. “Vejo uma melhora bastante perceptiva. Estou colocando as ideias no lugar e saindo dessa situação de depressão e dependência”, diz.

Apesar dos recursos que existem para tratar o transtorno, Igor Lemos acredita que esse é um problema do mundo contemporâneo que tende a aumentar. “Quantos casamentos e namoros acabaram por uso de álcool e drogas? Com a tecnologia isso vai acontecer cada vez mais”, prevê.