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Mentir é preciso, pois nem sempre as pessoas querem ouvir a verdade

Há diferentes tipos de mentira, entre elas, as inocentes, que todos contamos no dia a dia - Getty Images
Há diferentes tipos de mentira, entre elas, as inocentes, que todos contamos no dia a dia Imagem: Getty Images

Catarina Arimatéia

Do UOL, em São Paulo

27/06/2014 13h14

Mesmo o mais sincero dos mortais se depara com situações do dia a dia que põem à prova sua honestidade. Por exemplo, depois de uma longa e sofrida dieta, a amiga perdeu menos de dois quilos, mas faz questão de perguntar: "Você acha que já emagreci o suficiente?". Ou, então, a colega de trabalho adota um corte de cabelo que não combina nem um pouco com ela, mas insiste em ter a aprovação de todos: "Ficou mais bonito"?

As mentirinhas leves não prejudicam as pessoas e são uma maneira delicada  (ou pelo menos educada) de lidar com perguntas constrangedoras. Mas será que é mesmo preciso mentir, dependendo das circunstâncias? Para a psicóloga Izete Ricelli, mestre pela PUC-SP (Pontifícia Universidade Católica de São Paulo),  todos nós mentimos de alguma forma em determinados momentos. "E aceitar esse fato não significa que somos moral ou eticamente incorretos. Apenas temos de diferenciar a mentira social, demagógica –aquela que evita conflitos e ofensas– das mentiras nocivas e patológicas", diz ela.

As mentiras inofensivas são utilizadas por todas as pessoas no dia a dia, segundo a psicóloga, e sempre com a finalidade de melhorar os relacionamentos. "Além de não prejudicarem ninguém, ainda ajudam na integração social. Funcionam como as ‘desculpas esfarrapadas’, aquelas que damos a alguém e a pessoa finge que acreditou, sem maiores consequências", acrescenta.

No trabalho, não é diferente. O coach Alexandre Prates, especialista em liderança, desenvolvimento humano e performance organizacional, é enfático em dizer que "sim, mentir é preciso". De acordo com ele, as pessoas não suportam a verdade nua e crua. E se alguém lhe perguntar “você acha que essa roupa me engordou?”, sinceramente ela não quer ouvir “engordou muito, ficou horrível”. Por mais que alguém esteja pensando justamente isso, terá de encontrar uma forma mais sutil de falar.

"Se você disser sempre a verdade, sem levar em consideração os sentimentos alheios, afastará muitas pessoas de seu convívio. Precisamos ter esse cuidado inclusive no trabalho. Um colega lhe apresenta um relatório que exigiu grande esforço e dedicação e o submete à sua avaliação. Nesse momento, todo cuidado é pouco para não ofender e gerar um grande desconforto. No caso, a mentira serve para amenizar e possibilitar uma conversa agradável, pois fazer uma crítica pesada cria bloqueios", afirma o especialista, também autor do livro "A Reinvenção do Profissional – Tendências Comportamentais do Profissional do Futuro" (Novo Século).


Portanto, mentiras são necessárias. Desde que não prejudiquem ninguém. E aí entra outro aspecto: enganar também não seria uma maneira de prejudicar o outro? “Sim. Você pode mentir por não expressar sua opinião como gostaria, mas enganar não é preciso. Dizer ‘essa roupa ficou ótima’, sendo que está péssima, é enganar. Mas falar ‘essa blusa marcou um pouco, acredito que outra opção ficaria melhor’ pode não ser exatamente a opinião que você gostaria de externar, mas é melhor do que falar ‘ficou horrível’. Uma opinião verdadeira, mas desnecessária”, fala o especialista.

Mas mentir para poupar alguém a quem amamos nem sempre é a melhor opção. A psicóloga Izete Ricelli cita o caso de pais de crianças adotivas que, para poupá-las, evitam contar que não são os pais verdadeiros. “Isso traz grave consequência ao desenvolvimento do filho adotivo, às vezes com danos irreversíveis. Entretanto, se a sua melhor amiga pergunta se você viu o ex-namorado dela com outra em uma festa e você diz que não para poupá-la, não é nada tão grave... ela sempre poderá descobrir sozinha ou então deixar de se preocupar com o 'ex'", comenta Izete.

Mentiras e mentiras

Há pessoas que tendem a mentir nas mais variadas circunstâncias, mesmo as mais triviais, nas quais falar a verdade não magoaria ninguém. Nesse caso, essas pequenas mentiras não estão incluídas entre as mentirinhas inofensivas.

“Há diversos tipos de mentiras e mentirosos”, diz a psicóloga Marina Vasconcellos, psicodramatista e terapeuta familiar e de casal. “Há aquelas com o claro objetivo de provocar intrigas e discórdias, por inveja ou ciúme. E existem também pessoas que têm a necessidade de criar uma fantasia, uma imagem falsa sobre elas mesmas. O mitômano, por exemplo, acredita na mentira que diz. É uma doença. O psicopata também mente muito, mas com a intenção de manipular o outro. E há quem minta por medo, por sentir insegurança ou não saber como reagir diante de uma determinada situação”, fala a psicóloga.

Seja na vida pessoal ou no trabalho, se as pessoas jamais mentissem, isso poderia causar mais confusões do que bem-estar. Para Alexandre Prates, "Existem pessoas que se orgulham por ser extremamente sinceras, o que é louvável. Mas, certamente, elas deixaram bons relacionamentos para trás", fala o coach.