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Mesma educação não evita irmãos completamente diferentes

Além da criação, muitos fatores influenciam na formação de um indivíduo - Getty Images
Além da criação, muitos fatores influenciam na formação de um indivíduo Imagem: Getty Images

Heloísa Noronha

Do UOL, em São Paulo

10/12/2014 07h07

Os mesmos pais, passeios, brinquedos, escolas, pratos, valores, regras. Se o modo de educar é tão fundamental na formação de um indivíduo, por que filhos criados da mesma forma acabam se tornando diferentes –às vezes, opostos– uns dos outros, principalmente, na idade adulta?

Nem sempre essas diferenças dizem respeito apenas ao temperamento ou à personalidade, mas ao caráter. O que houve no meio do caminho para que irmãos se transformassem em pessoas com pouca ou nenhuma semelhança com a família de origem? Trata-se de uma questão que tem sido motivo de muitas pesquisas não só em psicologia, como, também, nas áreas de antropologia e ciências sociais.

Acontece que a educação dada pelos pais não é o único fator que molda uma pessoa. "Embora a família ainda seja o elemento de maior influência no comportamento de uma criança, o código genético do qual somos formados ainda é um grande mistério. E a maneira com que cada um compreende e interpreta as coisas que estão à sua volta é única", diz Maria Aparecida Belintane Fermiano, pedagoga e pesquisadora do Laboratório de Psicologia Genética da FE/Unicamp (Faculdade de Educação da Universidade Estadual de Campinas).

A percepção de cada filho sobre a realidade é diferente por conta de processos intrapsíquicos (que acontecem na mente e iniciam a partir do nascimento), que se desenvolvem a partir de experiências e estímulos. Esse mecanismo nos faz interpretar os fatos de forma particular: uma viagem de férias ou uma comemoração familiar, por exemplo, será encarada de modo distinto entre irmãos.

"A ideia da igualdade é mais uma defesa do ser humano para lidar com a difícil questão de respeitar as diferenças e conviver com o diferente. A educação familiar, mesmo que pautada nos mesmos princípios, será sempre única para os indivíduos. Cada ser é único em sua relação com o todo, com a vida e com sua história familiar. Daí as diferenças serem absolutamente possíveis, e não apenas decorrente de questões familiares”, fala a psicóloga e analista junguiana Suely Engelhard, da ATF-RJ (Associação de Terapia Familiar do Rio de Janeiro).

As diferenças ficam mais perceptíveis à medida que as crianças vão crescendo. Ao observar dois irmãos que chegam à adolescência, por exemplo, é natural notar que lidam com conflitos e situações de modo diferente. Por exemplo: um é fechado, porque acha que nunca foi ouvido, e o outro é mais comunicativo, por acreditar que o diálogo sempre fez parte do meio familiar.

Mais um caso é o de irmãos com desempenhos escolares discrepantes: um é excelente aluno, mas o outro não quer saber de estudar. “Não conseguimos medir o que os outros sentem. Inúmeros são os fatores que fazem com que uma pessoa pense assim ou 'assado'. Quem sabe se o que não estuda não o faz porque tem medo de não ser tão bom quanto o outro? Ou porque escutou os pais elogiando o irmão e se ressentiu?", exemplifica Maria Belintane.

Ordem de nascimento

Eis um ponto importante: embora os pais acreditem que estão dando o mesmo tipo de educação aos filhos, na prática, não é bem isso que acontece. Primeiro: cada um sente o afeto de um jeito. E, depois, porque afinidades, temperamento, gênero e idade regem as relações. Existe uma corrente que prega que a ordem de nascimento dos irmãos acaba demarcando a função de cada um na dinâmica familiar –e influenciando na personalidade e nas escolhas futuras.

O maior defensor dessa teoria, acolhida por muitos estudiosos em comportamento humano, é o psicólogo norte-americano Kevin Leman, autor do livro "Mais Velho, do Meio Ou Caçula - A Ordem do Nascimento Revela Quem Você É" (Mundo Cristão). Ideias semelhantes foram apresentadas por seu colega de profissão, o também americano Frank J. Sulloway, em "Born to Rebel: Birth Order, Family Dynamics and Creative Lives" (em tradução livre, "Nascido para Se Rebelar: Ordem de Nascimento, Dinâmica Familiar e Vidas Criativas").

Para a psicóloga e terapeuta familiar Mara Lins, diretora científica do Cefipoa (Centro de Estudos da Família e do Indivíduo de Porto Alegre), o conceito faz sentido. “O primogênito costuma receber uma carga maior de expectativas por parte dos pais, pois é ele que, de certa forma, ‘inaugura’ a família. O caçula encerra esse ciclo e é mais mimado, pois, provavelmente, será o último a deixar a casa dos pais, marcando o surgimento do ninho vazio. Os filhos do meio, em geral, se tornam pessoas muito populares e queridas, pois tiveram de desenvolver recursos para chamar a atenção dos pais e se destacar no lar", explica.

De acordo com Sonia Maria Giacomini, coordenadora do programa de pós-graduação em Ciências Sociais da PUC-Rio (Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro), o momento de vida em que o casal gerou cada filho também é determinante para as diferenças futuras. 

"Tudo deve ser levado em consideração: se as crianças foram planejadas ou não, se o casamento atravessa uma fase harmoniosa, a situação profissional e financeira dos pais, as circunstâncias que permearam a gravidez e o parto e até os sonhos e desejos da família. São fatores que ajudam a escrever a biografia de uma pessoa", diz.

Amigos, professores e outras influências

Conforme as crianças vão crescendo, outros fatores são acrescentados à formação: amizades, relacionamento com professores e avós, experiências, doenças. "Isso tudo faz com que um desafio, por exemplo, seja interpretado de modo diferente por irmãos, apesar de terem recebido as mesmas orientações para lidar com ele”, fala Sonia Giacomini.

Uma explicação para a diferença de valores entre filhos e pais é o fato de terem nascido em épocas diferentes e, portanto, terem sido submetidos a distintos contextos econômico, social e político que influenciam a maneira de ser de uma pessoa, assim como a dinâmica do lar.

Uma vez que os filhos têm suas singularidades, o ideal seria não criá-los de maneira igual. "Temos de entender que eles precisam ser amados na mesma intensidade, mas não de modo igual, pois são pessoas diferentes. Cada um tem aspectos positivos e negativos distintos. É um equívoco compará-los, pois quando os pais fazem isso, eles aprendem a comparar o amor recebido e nunca, na opinião deles, serão amados tanto quanto o outro”, afirma a pedagoga Maria Belintane.

O mais saudável, de acordo com os especialistas consultados, é se esforçar para administrar as diferenças, sem tentar padronizar os filhos ou forçar afinidades, sempre respeitando as particularidades de cada um.