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Pai que mima filho adulto 'castra' potencialidades, diz psiquiatra

Antes de chamar alguém de preguiçoso, avalie se os pais não o tornaram dependente - Getty Images
Antes de chamar alguém de preguiçoso, avalie se os pais não o tornaram dependente Imagem: Getty Images

Heloísa Noronha

Do UOL, em São Paulo

25/12/2014 08h01

É comum encontrar pais que estendem os cuidados que têm com os filhos durante a infância para outras fases da vida. Na adolescência, por exemplo, continuam a levá-los para escola e, mesmo o estudante cursando o ensino médio, tomam todas as providências dos trabalhos escolares e cuidam de afazeres domésticos que o jovem, teoricamente, teria de fazer, como arrumar a cama e organizar o quarto.

Em muitos casos, quando os filhos atingem a idade adulta, os pais seguem tomando conta de coisas que eles deveriam assumir, como marcar consultas médicas, pagar contas no banco, licenciar o carro, fazer o Imposto de Renda etc. Ou seja, demandas de qualquer adulto. Alguns são bem-sucedidos profissionalmente e financeiramente independentes, mas preferem ficar sob os cuidados paternos em determinados aspectos.

Antes de buscar compreender o que há por trás dessa dinâmica familiar, a psiquiatra Julieta Mejia Guevara, diretora da Neurohealth – Centro de Métodos Biológicos em Psiquiatria, do Rio de Janeiro (RJ), observa que a questão tem um viés cultural.

"Nossa cultura paternalista faz parecer normal adultos de 40 anos morarem com os pais ou retornarem ao lar parental após uma separação. Isso não só encoraja a superproteção como a confunde com a expressão de afeto. É uma castração das potencialidades que o filho venha a apresentar e da capacidade de pensar em soluções para assuntos vitais", comenta.

Eis um ponto crucial: a responsabilidade dos envolvidos perante a situação. Antes de tachar os filhos de folgados, é preciso analisar as razões que levam os pais a mantê-los excessivamente protegidos. $escape.getHash()uolbr_quizEmbed('http://mulher.uol.com.br/comportamento/quiz/2012/09/07/sua-relacao-com-seus-pais-e-saudavel.htm')

"Os filhos são frágeis? Os pais querem se sentir úteis? O fato é que as relações humanas são como jogos com regras, as pessoas aceitam ou não jogar. Ninguém nasce folgado, frágil, incompetente. Cada qual vai construindo sua forma de viver. A maneira como pais e filhos lidam com os desafios da vida deve ser avaliada para as saídas conduzam à maturidade da família", diz a terapeuta familiar Edith Rubinstein, coordenadora do Centro de Estudos Seminários de Psicopedagogia, de São Paulo (SP).

A educação e o modo de criação dados pelos pais é determinante para a autonomia dos filhos. "A superproteção é negativa, pois trata-se de uma forma de mostrar que os pais não confiam que o filho dá conta de determinadas coisas. Então, dificilmente contribuem para o desenvolvimento”, fala Quezia Bombonatto, diretora da ABPp (Associação Brasileira de Psicopedagogia).

Os fatores que estão por trás das atitudes superprotetoras são os mais diversos possíveis. Um deles é a tentativa de compensar a rigidez com que foram criados. “Pessoas educadas por pais autoritários procuram exercer o oposto com seus filhos, baseadas na falsa ideia de que não se deve frustrar a criança ou o jovem. Só que sem frustração não há desenvolvimento", diz Ana Paula Magosso Cavaggioni psicóloga da Clia Psicologia, Saúde e Educação, de Santo André (SP).

Outros consideram que foram negligenciados na infância e tendem a agir de maneira extremamente zelosa, para suprir as próprias necessidades, não as de seus filhos.

Segundo o terapeuta familiar e de casal Luciano Passianotto, de São Paulo (SP), há, ainda, os pais que, movidos por um desejo inconsciente e egoísta, querem que os filhos nunca os abandonem, mantendo-os dependentes. “Em alguns casos, há um sentimento de culpa por algo que eles julguem ter falhado com os filhos, levando a essa compensação irresponsável. E existem aqueles que negam a possibilidade de um dia virem a faltar, que é a ordem natural da vida", conta.

Construção da autonomia

Muitos pais só se dão conta da superproteção quando os filhos crescidos se mostram dependentes além da conta. O ideal seria que começassem a estimular a autonomia nos primeiros anos. "Desde cedo é importante trabalhar o que a criança pode fazer sozinha, possibilitando que ela tente, mesmo que as coisas não saiam perfeitas. Se ela já tem condições de se alimentar sem ajuda, incentive, mesmo que faça sujeira. Os pais não podem procurar desculpas para não ensinar a criança a ter a própria independência", declara Quezia Bombonatto.

Para o terapeuta familiar Luciano, quem não prepara os filhos para uma vida independente não é um bom cuidador, mesmo prestando todos os outros cuidados de forma impecável. “Deve-se avaliar constantemente se o nível de maturidade dos filhos é compatível com sua idade e intervir sempre que necessário, delegando mais responsabilidades, por mais que isso doa. Isso é papel dos pais, não do filho", diz.

Ainda de acordo com Luciano, é importante, também, evitar o medo excessivo do mundo. “Sim, ele está cheio de pessoas más, perigo e violência, mas tem pessoas boas, prazeres e descobertas fantásticas", afirma ele.

"Há uma crença, beirando a paranoia, de que o mundo atual é mais perigoso e de que as crianças têm de ser mais protegidas. Só que isso está extrapolando para situações desnecessárias, como 'proteger' o filho da terrível tarefa de arrumar a própria cama, do perigosíssimo trajeto até a escola ou de enfrentar uma pavorosa fila no banco. Se seu filho sempre tiver você para lidar com o valentão da escola, nunca aprenderá a lidar com o valentão do escritório", compara o especialista.

Outro ponto essencial apontado pela psicóloga Ana Paula é a dificuldade de certos pais em administrar as mudanças típicas da adolescência. "Muitos não entendem um certo afastamento natural que os filhos impõem e o confundem com falta de amor ou ingratidão, passando a agir de forma superprotetora na tentativa de perpetuar uma dependência já não mais saudável dessa relação", fala.

A partir daí, alguns pais e mães procuram a todo custo minimizar as dificuldades e responsabilidades inerentes a um crescimento sadio. As consequências podem ser desastrosas, já que adolescentes que crescem sem a menor noção de responsabilidade, de como se cuidar, de como viver integralmente sem depender de terceiros que façam o básico para sua sobrevivência, tornam-se adultos inseguros, imaturos e dependentes.

Por esses motivos, possivelmente é leviano chamar alguém de vinte e poucos anos (ou até mais) de folgado ou preguiçoso porque a mãe ainda esquenta seu jantar ou o pai o auxilia nas questões bancárias. Às vezes, a ajuda nem é solicitada –são os pais que tomam a iniciativa de fazer as coisas. A pessoa se estagnou.

“O filho não se incomoda porque se acomodou e não teve outra vivência", diz Quezia. “Mas muitos filhos também buscam manter os privilégios e regalias de uma criança depois que crescem, e, assim, se sentem confortáveis", completa Luciano.

O resultado de tudo isso é a incapacidade de analisar riscos para tomar decisões acertadas e de assumir certas responsabilidades da vida adulta (simplesmente pela falta de experiência e habilidade para lidar com questões muitas vezes simples, mas desagradáveis, maçantes ou embaraçosas).

Adultos que não sabem controlar suas próprias vidas dificilmente serão capazes de ensinar isso a seus filhos. A quebra do padrão precisa vir deles, que devem tomar as rédeas da própria vida. É preciso ter em mente, sobretudo, de que o mais cômodo, no fim das contas, nem sempre é o mais fácil.