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É um erro manter uma relação por se sentir responsável pelo par

"Se existe alguém dependente na relação, também existe alguém que está promovendo essa dependência", explica a psicóloga Marilene Damaso de Oliveira - Luckabee/UOL
"Se existe alguém dependente na relação, também existe alguém que está promovendo essa dependência", explica a psicóloga Marilene Damaso de Oliveira Imagem: Luckabee/UOL

Yannik D'Elboux

Do UOL, no Rio de Janeiro

19/02/2015 07h16

O relacionamento vira uma prisão quando um dos parceiros não quer mais manter a união, mas sente-se responsável pelo outro e não consegue se separar. Por temer que a pessoa não seja capaz de andar com as próprias pernas, aquele que está insatisfeito, às vezes, permanece anos em um casamento infeliz. Porém, essa dificuldade de desfazer o laço nem sempre tem a ver apenas com a preocupação com o outro.

"É possível que exista uma dependência mútua", diz a psicóloga e professora Eliana Piccoli Zordan, coordenadora do Nepeconfam (Núcleo de Estudos e Pesquisa sobre Conjugalidades e Famílias), da URI (Universidade Regional Integrada do Alto Uruguai e Missões), em Erechim (RS).

Essa dependência pode envolver aspectos econômicos, familiares, emocionais e revelar, também, outros problemas, como dificuldade de tomar decisões, efetivar novos projetos de vida e fazer-se de vítima. "Pode ser uma desculpa [dizer-se responsável pela vida do outro] para justificar a sua dificuldade", afirma.

O senso de compromisso com o parceiro, em consideração a todos os momentos compartilhados, também faz com que uma relação insatisfatória perdure. Entretanto, esse fator não é o único que mantêm as pessoas unidas nessas situações.

A psicóloga Andrea Soutto Mayor, professora da UFF (Universidade Federal Fluminense), no Rio de Janeiro (RJ), fala que não existe um padrão de comportamento. Ela acredita que há muitas variáveis e diz que cada indivíduo tem suas particularidades e razões. Mas afirma que quando a separação não se realiza, geralmente, é porque os dois ainda estão ligados. "Às vezes, envolve uma tentativa de aliviar a própria culpa por não gostar mais do outro", exemplifica.

Em qualquer relacionamento, as pessoas assumem papéis complementares. Isso significa que a dinâmica da relação vem do posicionamento dos dois. Nunca a culpa pelo sucesso ou fracasso é de um só.

"Se existe alguém dependente na relação, também existe alguém que está promovendo essa dependência", explica a psicóloga Marilene Damaso de Oliveira, pesquisadora e psicoterapeuta do Proad (Programa de Orientação e Atendimento a Dependentes) da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo), que oferece tratamento gratuito na área de dependência afetiva.

Cuidados excessivos

Diz o adágio popular: "Quem ama, cuida". A atitude é saudável e bem-vinda quando não há excesso. Nas relações em que um se responsabiliza demasiadamente pela vida do par, o amor ganha um contorno doentio. "Estamos falando de pessoas que negligenciam a si mesmas para cuidar do outro", afirma Marilene.

Nesse tipo de relacionamento, as frustrações costumam ser maiores, já que grande parte das expectativas são depositadas no outro e a própria vida fica em segundo plano. Mesmo que tenham intenção, nem sempre essas pessoas são capazes de mudar sua forma de agir sozinhas. "Você não é mais dono do seu comportamento, não consegue mais parar de cuidar excessivamente do outro", diz a psicoterapeuta do Proad.

Segundo Marilene Damaso, não se pode afirmar com precisão porque alguns indivíduos têm a tendência a se responsabilizarem demais pelos parceiros. "Supostamente, são pessoas que precisam disso para se sentir importantes, amadas. Fazem isso para ter em troca o amor do outro, mas muitas vezes não é isso que acontece", diz a psicóloga, que iniciou um trabalho de pesquisa e está investigando a dependência afetiva.

Decidir se separar, em qualquer circunstância, representa sempre um processo doloroso e difícil. Eliana Zordan explica que as pesquisas científicas mostram que o divórcio envolve picos de tensão em todas as etapas, do momento da decisão, durante os inúmeros arranjos depois da separação até a morte do cônjuge.

Apesar disso, é preciso fazer uma análise pessoal ou buscar terapia quando esse problema parecer intransponível. "Uma dificuldade exagerada em romper uma relação e um sentimento tão grande de responsabilidade por outra pessoa adulta revelam uma disfuncionalidade que precisa ser trabalhada", explica.

Era do desapego

A ideia excessiva de compromisso e responsabilidade pelo par é mais frequente em modelos mais antigos de casamento. Na época dos amores líquidos, em que os relacionamentos não costumam durar tanto, o problema já não se torna tão usual. "Estamos vivendo o oposto a isso nos tempos atuais. Ninguém quer mais se apegar, para não sofrer", constata Marilene Damaso.

Além disso, com o aumento da expectativa de vida, existe uma vontade maior de aproveitar melhor o tempo. "As pessoas estão vivendo mais, portanto, querem relacionamentos mais saudáveis. Com isso, as separações acabam acontecendo, mas isso não significa que a dor não exista", fala a professora da UFF Andrea Mayor.

Em qualquer situação, Marilene diz que é importante ter consideração pelo outro, sem que isso signifique assumir a vida do parceiro. "Quem quer sair pode ser muito cuidadoso com o outro, em respeito à pessoa com quem se relacionou por tanto tempo, mas não por responsabilidade pelo sofrimento”.