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Terapia com corrente elétrica promete alterar o humor

Estratégia é usar corrente em pulsos com o objetivo de regular a reação ao estresse - Jonathon Rosen/The New York Times
Estratégia é usar corrente em pulsos com o objetivo de regular a reação ao estresse Imagem: Jonathon Rosen/The New York Times

Kira Peikoff

The New York Times

08/05/2015 13h05

Sinto certo desassossego quando entro no escritório roxo no 14º andar do prédio da Prudential, em Boston. Sou levada a uma pequena mesa de reunião, onde me sento e espero pelo experimento.

O módulo triangular, do tamanho de uma palma da mão, é afixado acima do meu olho direito. Ele se liga a uma fileira descartável de eletrodos presos à minha testa, descendo pela nuca.

É o Thync, a mais recente estimulação transcraniana por corrente contínua (ETCC). Segundo o fabricante, o aparelho, a ser lançado até o final do ano, pode alterar o humor do usuário em questão de minutos usando a corrente elétrica. Com um aplicativo de smartphone conectado, a pessoa com problemas de humor escolhe entre duas opções: calma ou energia.

Eu escolho "calma" e espero. De alguma forma, acho difícil me imaginar fazendo isso em casa enquanto meu marido bebe seu vinho.

O Thync faz parte da onda mais recente de aparelhos de vestir que oferecem estimulação cerebral não invasiva. Até recentemente, eram as pessoas que tinham passatempos –com baterias de nove volts presas à cabeça– que experimentavam a ETCC como forma de aprimorar a concentração, capacidade verbal e computacional, além da criatividade. Porém, nos últimos anos, várias empresas lançaram equipamentos chamativos voltados ao consumidor, entre eles o Foc.us, cujo fone de ouvido e controlador custam US$ 298, e o Brain Stimulator, cujo kit inicial avançado sai por US$ 150.

Em janeiro, o periódico "Brain Stimulation" publicou a maior metanálise de ETCC até agora. Depois de examinar toda descoberta reproduzida por, pelo menos, dois grupos de pesquisa, chegando a 59 análises, os autores informaram que a sessão de ETCC não mostrou qualquer benefício significativo para os usuários.

Agora, os desenvolvedores do Thync pretendem redefinir a categoria do produto lançando um formato novo de ETCC, que produziria o efeito pretendido de modo mais confiável.

Originalmente, a ETCC mirava uma região específica do cérebro, enviando uma corrente elétrica por meio de pele, crânio, vasos sanguíneos, fluido cerebral e meninges. Pesquisadores afirmam que essa abordagem dificulta determinar se a corrente, realmente, entra e sai do cérebro.

A estratégia do Thync é contornar o cérebro e utilizar corrente em pulsos para estimular nervos periféricos mais próximos da superfície da pele, com o objetivo de regular a reação ao estresse do usuário.

"Nós passamos um ano e meio otimizando as formas de onda até o ponto em que sentimos grande confiança no método", disse Jamie Tyler, diretor científico da empresa. Sua equipe testou perto de 3.300 pessoas em estudos com controle de placebo, simples e duplo cego.

As formas de onda se referem a uma série de pulsos elétricos que mudam de frequência e amplitude ao longo do tempo. De acordo com a teoria, como se fosse um equalizador de som, os parâmetros podem ser "afinados" para produzir o efeito biológico pretendido.

Em minha demonstração de 20 minutos, não demorou até eu sentir um formigamento agudo, levemente doloroso, acima do olho, como alfinetes vibratórios. Eu me preparei, esperando o relaxamento.

Segundo Tyler, em seu ponto máximo, a opção da "calma" produz um relaxamento superior a três comprimidos de Benadryl, segundo uma medida estatística comum para o tamanho do efeito. Já a opção de "energia" seria mais forte do que a produzida por uma lata de 600 mililitros de energético. A empresa afirma que cada uma delas dura perto de 45 minutos, sem registrar recaída posterior.

Contudo, especialistas são céticos, insistindo que a empresa mostre provas analisadas por cientistas e resultados reproduzidos de forma independente.

"Acho que é meio cedo para lançar uma tecnologia desconhecida e não testada como uma espécie de grande experimento social", declarou Rex Jung, neuropsicólogo da Universidade do Novo México, campus de Albuquerque, que realizou pesquisa com ETCC financiada pelo governo.

A empresa publicou um estudo com 82 voluntários no bioRxiv, site de fonte aberta não monitorada para pesquisa inédita. O estudo mediu apenas o efeito calmante do aparelho, e os pesquisadores da companhia concluíram que ele causou um "relaxamento subjetivo significativamente maior" em relação à estimulação placebo.

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Primeiro, os participantes não foram estimulados, depois aconteceu a estimulação real, levando especialistas a questionar o formato do estudo.

"É difícil determinar se a mudança no relaxamento se devia à estimulação ou ao fato de os participantes ficarem sentados de forma confortável durante 40 minutos", disse Jared Horvath, doutorando da Universidade de Melbourne e principal autor da metanálise, recentemente publicada sobre a ETCC.

Embora Tyler tenha dito que os voluntários do Thync não tenham experimentado efeitos colaterais importantes, peritos aconselharam cautela aos possíveis consumidores.

"Quase toda intervenção desse tipo tem algum tipo de efeito colateral. Será a cura pior do que a doença quando se fala em mudar o circuito do sistema nervoso periférico?", disse Jung.

Depois de 15 minutos, senti uma leve tensão na cabeça, embora o formigamento tenha se reduzido. Não fui dominada por uma calma repentina, mas minha respiração se aprofundou.

Se o Thync realmente funcionar, profissionais de saúde mental temem que ele possa desviar os usuários de desenvolver técnicas próprias para lidar com o problema.

"A prática de aprender a mudar a si mesmo pode ser muito poderosa e dar às pessoas uma capacidade de se controlarem que pode durar mais do que um aparelho", afirmou Carl Erik Fisher, professor assistente de neuroética e psiquiatria da Universidade Columbia.

Entretanto, os criadores do Thync dizem que ele pode ajudar os usuários a "conquistar a vida". Em teste recente no mundo real, o aparelho foi usado por 12 pessoas antes de um primeiro encontro. Onze disseram que a "calma" havia aprimorado a experiência; a 12ª pessoa acha que ficou relaxado demais, embora seu par o tenha chamado de bom ouvinte.

Passados 20 minutos, eu tirei os eletrodos, bocejei e sai calmamente. Não sei dizer se o efeito foi real ou um placebo, mas posso garantir uma coisa: está na hora de uma soneca.