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Pacientes usam câncer para esconder transtornos alimentares

Terapia ajuda a lidar com o câncer e distúrbios alimentares ao mesmo tempo - Giselle Potter/The New York Times
Terapia ajuda a lidar com o câncer e distúrbios alimentares ao mesmo tempo Imagem: Giselle Potter/The New York Times

Sophia Kercher

The New York Times

03/08/2015 13h52


Enquanto Kathleen Emmets passava por um tratamento de câncer em Nova York nos últimos anos, seu peso começou a cair. Mesmo sentindo náuseas frequentes e estando paralisada por uma neuropatia induzida pela quimioterapia, ela brincava que a magreza era o “bônus do câncer”, e se pegava admirando no espelho a clavícula saliente.

Kathleen, que hoje tem 39 anos, encheu o armário de roupas tamanho extra pequeno. De noite, apertava os dedos sobre os ossos protuberantes, dizendo a si mesma: “Finalmente estou magra”.

Mas só quando seu tratamento de câncer mudou ficou claro que as questões de imagem corporal com as quais ela lidava desde o começo dos 20 anos --quando comia quase nada e andava seis horas por dia para driblar o estresse-- haviam começado a reaparecer. O novo tratamento não a deixava enjoada, o apetite voltou e ela começou a ganhar peso.

Mas, ao invés de celebrar o sinal de que a saúde estava melhorando, Kathleen afirma que sentia falta de seu jeans tamanho 36 e se chocou ao ver a barriga mais arredondada e os peitos cheios. Seu marido ficou preocupado porque, à medida que o corpo de Kathleen parecia mais forte, ela passou a se impor restrições alimentares e a perder peso novamente.

“Durante o tratamento de câncer, o paciente não tem controle sobre seu corpo --você dá seu corpo para o médico. Você consegue fazer isso porque quer viver. A restrição alimentar é uma das coisas que lhe dão alguma sensação de controle quando tudo o mais está caótico”, afirma Kathleen, que escreveu sobre suas experiências no site “The Manifest-Station”.

Apesar de não se saber com que frequência o câncer causa ou reanima uma desordem alimentar, os médicos e especialistas em nutrição que trabalham com pacientes da doença compartilham histórias de pessoas que saem de uma etapa de tratamento muito difícil com perda de peso só para começar a lutar contra um distúrbio alimentar que ameaça a saúde após o câncer.

Depois que Kathleen escreveu sobre suas experiências on-line, descobriu dúzias de mulheres que tiveram problemas com o corpo durante o tratamento de câncer. Em um comentário anônimo, uma pessoa disse que, depois de um tratamento de sucesso para um câncer cervical em estado avançado, ela só podia pensar sobre seu peso.

“Venci o câncer, mas tudo o que me interessa é perder peso e me manter magra.”

Uma leitora de outro site, que disse se chamar Doreen, afirma que o tratamento do câncer lhe deu oportunidade para esconder seu transtorno alimentar.

“Você está compartilhando um segredo que carreguei por mais de 15 anos. Também usei o tratamento de câncer como desculpa para meus transtornos alimentares. Ninguém questionava por que eu não estava comendo, por que vomitava, por que perdia peso rapidamente”, escreveu Doreen.

Desordens alimentares são tão poderosas, escreveu Doreen, que mesmo em meio ao câncer, ela se sentia compelida a “privar meu corpo de todos os nutrientes no momento em que ele mais precisava”.

Apesar de os transtornos alimentares relacionados ao câncer parecerem incomuns, os médicos dizem que são necessárias mais pesquisas para determinar qual a sua frequência. Em 2011, um artigo do “The International Journal of Family Medicine” relatou o caso de uma menina de 15 anos que começou a mostrar sinais de anorexia nervosa logo depois do início de um tratamento de um osteossarcoma --câncer nos ossos-- avançado. Os autores do artigo enfatizaram que encontraram apenas três outros estudos de caso sobre o mesmo tipo de problema e pressionaram por mais atenção à questão. Neste caso, uma intervenção com o apoio da família ajudou a superar o transtorno alimentar.

“É preciso mais pesquisa sobre esse assunto para que as pessoas fiquem sabendo dos problemas anteriores relacionados à alimentação e possam descobrir maneiras de ajudar os pacientes”, afirma Aminah Jatoi, oncologista que incorporou a nutrição em seus 16 anos de trabalho com pacientes com câncer na Clínica Mayo em Rochester, Minnesota.

O médico Michael Strober, diretor do programa de transtornos alimentares da Escola de Medicina David Geffen na Universidade da Califórnia, em Los Angeles, diz que apesar de não ser comum uma pessoa desenvolver anorexia depois dos 20 anos, a desordem alimentar que Kathleen teve aos 20 anos foi acentuada por sua doença. “Tudo o que afeta a imagem do corpo, perda ou ganho de peso, pode fazer a doença voltar a seu nível anterior de intensidade”, explica Strober.

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O terapeuta nutricional Robyn Goldberg, que passou cinco anos como nutricionista da clínica de internação do Centro Médico Cedars-Sinai em Los Angeles antes de abrir um consultório próprio em Beverly Hills, lembra-se de dois pacientes que lutaram ao mesmo tempo contra transtornos alimentares e câncer.

“A alimentação era para melhorar a nutrição enquanto estavam doentes”, conta Goldberg. “E assim que melhoravam, eu trabalhava para que ganhassem peso, mas eles não queriam engordar.”

Rachel Wong, nutricionista de oncologia, passa a maior parte do tempo tentando fazer com que seja confortável para seus pacientes, que têm câncer de cérebro e pescoço, comerem alimentos sólidos depois do tratamento, mas teve que lidar com algumas jovens que sofriam de câncer e distúrbios alimentares no Hospital Universitário Medstar Georgetown, em Washington, nos Estados Unidos.

“Várias vezes fico sabendo do transtorno alimentar pelo oncologista. É muito comum que as pessoas não queiram falar sobre esse problema”, explica Rachel.

Kathleen, que procurou terapia para lidar com o câncer e com o distúrbio alimentar, diz que seu oncologista nunca perguntou sobre seu histórico de problemas relativos a questões corporais. Apesar de não culpar o médico, ela acha que os profissionais deveriam estar conscientes da possibilidade de transtornos alimentares quando os pacientes perdem ou ganham peso.

“É algo real, e eu não sou anormal. Acho que isso precisa deixar de ser um assunto tabu.”