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Ciúme não se resume a relacionamento amoroso

Dependendo da intensidade, o ciúme afeta as interações afetivas, sociais e profissionais - Getty Images
Dependendo da intensidade, o ciúme afeta as interações afetivas, sociais e profissionais Imagem: Getty Images

Heloísa Noronha

Do UOL, em São Paulo

04/08/2015 13h36

Embora o ciúme esteja, em geral, associado às ligações amorosas, muita gente não vivencia esse sentimento conflituoso somente em relação ao par. Há quem tenha ciúme dos pais, irmãos, amizades e de objetos, como carro, roupas, livros. E, nessas circunstâncias, a pessoa também experimenta emoções ruins como dor, raiva, tristeza e insegurança.

Dependendo da intensidade, o sentimento pode devastar a vida de um indivíduo, prejudicando suas interações afetivas, sociais e profissionais.

“Uns deixam de receber pessoas em casa, com medo de que as coisas se quebrem ou estraguem. Outros começam a gastar mais tempo com bens materiais do que com seres humanos”, afirma a psicóloga Andrea Lorena da Costa Stravogiannis, colaboradora dos setores de pesquisa e tratamento do amor patológico e ciúme excessivo do Ambulatório Integrado dos Transtornos do Impulso do Instituto de Psiquiatria da USP (Universidade de São Paulo).

Para Carlos Henrique Kessler, professor da pós-graduação em psicanálise da UFRGS (Universidade Federal do Rio Grande do Sul), onde também dirige a Clínica de Atendimento Psicológico do Instituto de Psicologia, é complicado julgar quem sente ciúme de coisas materiais.

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“Em alguns casos, o que acontece é o zelo, o orgulho de ter se esforçado para adquirir algo de valor. Porém, pode significar uma supervalorização de si ou do que se tem. E aí a pessoa deve rever seus conceitos e o que priorizar na vida”, diz o especialista.

Será que um objeto vale mais do que uma amizade? Cuidar excessivamente de algo nem sempre protege contra qualquer dano ou perda. E existe, ainda, a possibilidade do tal objeto ser, simplesmente, um pretexto para o medo de perder outra coisa –uma determinada época vivida, um relacionamento antigo ou uma postura rígida perante a vida.

Segundo Eduardo Ferreira-Santos, psiquiatra, psicoterapeuta e autor dos livros “Ciúme – O Medo da Perda” (Ed. Claridade) e “Ciúme – O Lado Negro do Amor” (Ed. Ágora), quem sente ciúme de parentes ou de amigos costuma tentar boicotar outros relacionamentos dessas pessoas, fazendo chantagens emocionais do tipo “você só liga para fulano”.

Se um colega de trabalho, por exemplo, aproxima-se de um recém-chegado na empresa, isso já é motivo para irritação, cobranças, pedidos de justificativas. “Apesar de tentarem, a todo custo, manterem suas relações, as pessoas ciumentas e possessivas não se dão conta de que acabam obtendo o resultado contrário. Por se tornarem chatas e pegajosas, acabam afastando as pessoas”, diz Ferreira-Santos.

Ainda de acordo com o psiquiatra, a origem de tal comportamento na maior parte dos casos vem da infância, baseado em duas situações distintas. Na primeira, a criança foi criada de uma maneira em que sempre foi o centro das atenções e tudo o que queria dos pais. Acostumou-se a isso e na idade adulta exige ser tratada do mesmo jeito por quem está à sua volta.

A outra situação é totalmente oposta: o indivíduo nunca teve o que queria por parte dos pais, principalmente no quesito afeto, e cresceu com uma sensação de exclusão. É vítima de um mecanismo inconsciente que o faz brigar por objetos ou pessoas que considera sua propriedade. Se não lutar, vai ficar sem nada.

Para Ferreira-Santos, é comum que os ciumentos tenham uma postura externa agressiva, controladora e até arrogante e egoísta, principalmente em se tratando de seus pertences. “É um disfarce. Internamente, acham-se com pouco valor, têm baixa autoestima e se colocam em desvantagem em relação aos outros. E sofrem muito, pois não querem perder o pouco que acreditam ter e se sentem ameaçados o tempo todo. O medo da perda os atormenta”, fala o médico.

E como romper esse ciclo de sofrimento? A psicoterapia sempre é o caminho mais indicado pelos especialistas, mas existem medidas que a pessoa pode começar a tomar sozinha. A principal é se dar conta de que é ciumenta e de que esse sentimento atrapalha sua vida. Isso, em boa parte das vezes, só ocorre quando os prejuízos –o afastamento das pessoas é o mais significativo– começam a dar as caras.

Abrir o jogo sobre os próprios receios também é importante. Frases como “esse livro foi fundamental na minha adolescência, então não gostaria de perdê-lo” ou “gostaria de manter a nossa amizade, independentemente das circunstâncias” podem ajudar.

Procurar os motivos específicos que desencadeiam as crises de ciúme também é bom, assim como encontrar maneiras saudáveis de encará-las. A amiga não está disponível, pois está de férias na casa da prima? Que tal reunir os antigos parceiros dos tempos da escola? O colega de trabalho preferiu sair para almoçar sozinho com outro, pois tinham assuntos a resolver? Convide alguém de outro setor e acrescente um novo vínculo à sua vida.

Quem está à volta também pode ajudar. Como? “Não passando a mão na cabeça do ciumento, ou seja, não alimentando o sentimento nem se envaidecendo com ele. É necessário confrontar a pessoa”, fala Ferreira-Santos. Mas sem jamais menosprezar os sentimentos alheios, pois, infundados ou não, os ciúmes doem e a pessoa ciumenta precisa de ajuda.