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Publicidade começa a dar primeiros passos para deixar de ser machista

A campanha "Like a Girl" quer que as pré-adolescentes se sintam confiantes - Divulgação
A campanha "Like a Girl" quer que as pré-adolescentes se sintam confiantes Imagem: Divulgação

Andrezza Czech

Colaboração para o UOL

03/09/2015 13h38

Campanhas que tratam a mulher como submissa ou como um objeto podem, finalmente, estão com os dias contados. Para especialistas do mercado publicitário, anúncios machistas podem ser um tiro no pé das empresas.

Segundo pesquisa realizada em abril deste ano, com mais de mil mulheres, pela consultoria de marketing sobre o público feminino Think Eva, 55,7% das brasileiras não viram nenhuma propaganda que chamasse sua atenção no período.
Enquanto isso, 73,2% das mulheres afirmavam ter interesse em tecnologia, mas 75,7% acreditavam que empresas desse segmento se dirigem apenas aos homens em seus anúncios.

Além disso, 85,8% delas gostariam que mulheres fossem retratadas pela publicidade com inteligência. Em um país onde a massa de renda das mulheres é superior a um trilhão de reais, não conseguir se comunicar com as consumidoras é algo que nenhuma companhia deseja.

“Antes, a publicidade fazia algo ofensivo e não havia um termômetro da reação das pessoas. As redes sociais deram voz às mulheres, e agora é possível desenvolver um diálogo e mesmo tirar campanhas do ar”, diz a publicitária Nana Lima, uma das sócias da Think Eva.

A publicitária Thaís Fabris diz que a movimentação das marcas acontece por causa da pressão das clientes. “As empresas percebem que mensagens negativas já não passam mais batidas. Antes, não gostávamos de algo e ficava por isso.”

Thaís trabalhou por 17 anos em agências de publicidade e hoje é uma das idealizadoras do coletivo e consultoria 65/10, criado para discutir como a mulher é retratada na publicidade. O nome escolhido representa dois números importantes sobre a relação da mulher com a publicidade: 65% delas não se identificam com a forma como são retratadas pelas propagandas (segundo pesquisa do Instituto Patrícia Galvão, de 2013 ) e apenas 10% dos postos de trabalho na área de criação das agência publicitárias pertencem às mulheres, segundo levantamento realizado pelo Clube de Criação.

A pequena quantidade de mulheres em cargos criativos nas agências torna mais difícil o surgimento de campanhas menos machistas, e o ambiente, muitas vezes opressor, faz com que muitas saiam dessas empresas, segundo Thaís.

“Tem muita mulher em atendimento, planejamento, mas, na criação, são poucas, o que gera dificuldade para mudar essa imagem da mulher na publicidade”, afirma Nana.

Mas a situação já foi bem pior. Em seu livro “A Alma do Negócio - Como Eram as Propagandas nos Anos 50, 60 e 70” (Editora Globo), o jornalista e escritor Alberto Villas reúne alguns exemplos que mostram como as campanhas eram explicitamente machistas nesse período.

Na obra, ele conta que, nos anos 1950, havia propagandas que diziam que a mulher deveria ficar perfumada para esperar o marido. "Era comum, até os anos 1970, que as campanhas se referissem à mulher como uma 'Amélia' e dissessem a ela para pedir um liquidificador para o marido. Nos anos 1960, a Brastemp fez a campanha da ‘mulher de ferro’, que era a máquina de lavar roupa.”

Primeiros passos

Para Villas, o machismo ainda é muito presente em nossa sociedade, mas as empresas começam a perceber que ele é prejudicial para as vendas. “Existe a preocupação de que, se for feita uma propaganda com conotação machista, as mulheres não vão comprar e que elas podem destruir a marca nas redes sociais em minutos.”

Juliana de Faria, também sócia da Think Eva, e Nana dizem que há um debate interno nas agências e uma iniciativa de tentar mudar como as coisas são feitas. “A compra tem se tornado um ato político, então estratégias terão de ser repensadas”, fala Nana. Para elas, embora o cenário ainda seja problemático, há pessoas dentro do mercado que querem essa transformação.

Para Thais Fabris, acabar com o machismo na publicidade é uma preocupação mundial. “Fizemos um levantamento e percebemos que seis ganhadores do Grand Prix de Cannes –prêmio importante para a publicidade– deste ano estavam voltados para o empoderamento das mulheres. Há o reconhecimento de quem faz ações como essas, em vez de usar estereótipos.”

Exemplos de boas campanhas

“Beleza que faz Sentido”, da Avon

As modelos da campanha mundial são revendedoras Avon e, no Brasil, o anúncio apresenta termos como “mansplaining” (quando o homem explica algo para a mulher como se ela não entendesse) e “manterrupting” (quando homens interrompem os discurso das mulheres).

“Muita gente nunca ouviu falar nos conceitos, mas as mulheres conhecem todos na prática. Se queremos contribuir, temos de entender o cenário e desconstruir essa cultura de desvalorização da mulher”, diz Ricardo Patrocínio, VP de marketing da área de cosméticos e beleza da Avon.

“Like a Girl”, de Always

O vídeo, que se tornou o segundo viral mais visto de 2014 e ganhou o Grand Prix de Cannes de 2015, tem o objetivo de estimular garotas que estão entrando na puberdade a se sentirem orgulhosas e confiantes.

“Retratos da Real Beleza”, de Dove

Uma das campanhas mais marcantes que visavam aumentar a confiança das mulheres foi a “Retratos da Real Beleza”, de Dove. Vencedora do Grand Prix de Cannes de 2013, a campanha, feita por brasileiros, foi o viral mais comentado daquele ano e tem grande impacto até hoje.

“O anúncio gerou uma discussão importante, trazendo à tona a reflexão sobre o que é ser bonita em um mundo no qual as mulheres têm uma autocrítica excessiva em relação à aparência”, afirma Eduardo Campanella, diretor de marketing da marca no Brasil.