Topo

Quem cuida de parentes idosos precisa sacrificar a carreira

Cuidar de idosos exige uma reviravolta que muda a vida sem avisos - Joyce Hesselberth/The New York Times
Cuidar de idosos exige uma reviravolta que muda a vida sem avisos Imagem: Joyce Hesselberth/The New York Times

Paula Span

The New York Times

15/12/2015 13h52

Os supervisores compreendiam. Elas sabiam por que Marcy Sherman-Lewis, funcionária do serviço de atendimento a clientes, faltava alguns dias: seus pais, que moravam a uma hora de distância, tinham a doença de Alzheimer.

"Minha mãe tinha consultas médicas, meu pai também. Vivia para cima e para baixo na estrada", diz Marcy, filha única.
 
Quando terminaram as férias, licenças médicas e folgas, no entanto, os chefes se recusaram a dar tempo adicional longe do emprego. "Sabia que eles me queriam mais tempo no escritório e perguntaram: 'Quais são seus planos? O que você vai fazer? Colocá-los em uma casa de repouso?'."
 
O plano: Marcy se demitiu em 2007 para que ela e o marido, engenheiro aposentado, pudessem se mudar de Overland Park, em Kansas, nos Estados Unidos, para a cidade dos seus pais, St. Joseph, em Missouri. "Sabia que poderia achar emprego, e achei. No começo, funcionou perfeitamente."
 
Porém, o mal de Alzheimer só avança em uma direção. Marcy recebia ligações no escritório. Os pais misturavam os remédios. O pai estava cada vez mais descontrolado. A mãe queimou o braço passando a mão pelo fogão.
 
“Não foi uma queimadura muito grave, mas isso me deixou com muito medo", fala Marcy. A filha deixou o emprego novamente em 2009, possivelmente para sempre. Embora os pais tenham morrido, o marido de 77 anos recebeu o diagnóstico de Alzheimer há um ano e exige sua atenção em tempo integral.
 
Com 60 anos recém-completados, ela não lamenta as decisões, mas se pergunta se um dia voltará a trabalhar. A licença-família remunerada, agora obrigatória em três Estados americanos --e provavelmente a ser apreciada em várias Assembleias Legislativas no ano que vem--, poderia ter ampliado sua carreira.
 
Costumamos ouvir falar em licença-família como "licença-maternidade". Porém, estima-se que 34 milhões de norte-americanos cuidaram de alguém com mais de 50 anos no ano passado, e que a maioria estava empregada, segundo o estudo mais recente a esse respeito, feito pela associação que reúne os aposentados dos EUA e da National Alliance for Caregiving, coalizão sem fins lucrativos de organizações nacionais voltadas ao cuidado familiar.
 
Esses trabalhadores precisam fazer um malabarismo particularmente complicado. Cuidar dos filhos, para quem tem a felicidade de contar com eles saudáveis, torna-se razoavelmente previsível ao longo do tempo, tirando as inevitáveis infecções de ouvido e as doenças passageiras.
 
Já cuidar de idosos, no entanto, exige uma reviravolta que muda a vida sem avisos: a queda incapacitante, o acidente vascular grave. A necessidade de assistência de uma pessoa idosa costuma aumentar; em função das vidas mais longas, trabalhadores cuidarão mais tempo dos pais e de forma mais intensiva do que no caso dos filhos.
 
Além disso, "o impacto emocional é diferente", segundo Kenneth Matos, diretor de pesquisa do Families and Work Institute, um centro dedicado a pesquisas sobre a vida profissional e familiar. "Quem cria uma criança passa por eventos felizes e maior independência. Quem cuida de um idoso passa por experiências tristes”, afirma. 
 
A lei federal que trata da licença médica e familiar ajuda alguns cuidadores que trabalham –por exemplo, protegendo seus empregos–, mas a legislação tem limitações significativas. Ela atende somente 60% da população ativa (a exceção são empresas com menos de 50 funcionários) e somente quem cuida do cônjuge, pai ou filho –não parentes por afinidade nem avós. E, claro, não é remunerada.
 
Alguns Estados já fornecem seguro para incapacidade temporária de trabalhadores acrescentando benefícios para quem precisa de tempo de folga para cuidar da família. A Califórnia foi a primeira, em 2004, seguida por Nova Jersey, em 2009, e Rhode Island, no ano passado.
 
A duração da licença e os níveis de substituição de receita variam, mas os três Estados cobrem cuidados para bebês e familiares idosos. As leis na Califórnia e em Rhode Island --e, ainda dependendo de legislação, no Estado de Nova York-- definem "família" de forma ampla, incluindo irmãos, parentes por afinidade e avós. Nova Jersey aplica uma definição mais rígida.
 
Em Nova York, a lei aprovada pela Assembleia Legislativa, em março, prevê até 12 semanas de licença paga por ano para trabalhadores de meio período ou integral (em empresas de qualquer tamanho) para cuidar de um recém-nascido, criança recém-adotada ou familiar com problema de saúde grave. Durante a licença, os trabalhadores receberiam dois terços do salário semanal até a metade da média estadual, que, no ano passado, era de US$ 1.266. Pequenas deduções no contracheque –menos de US$ 1 semanal– bancariam o novo benefício.
 
A lei enfrenta dificuldades no Senado estadual controlado pelos republicanos e o governador não se comprometeu em sancioná-la. Organizações médicas, defensores de famílias, sindicatos e grupos de defesa de mulheres e idosos pressionam pela sua aprovação.
 
Organizações empresariais levantaram objeções, embora um estudo de 2011 da lei californiana, que prevê seis semanas de licença, tenha constatado efeito mínimo sobre os empregadores.
 
Contudo, como a lei de Nova York não exige a destinação de verbas, pessoas como Nancy Rankin, vice-presidente de pesquisa política da organização sem fins lucrativos Community Service Society, se sente otimista. Como a lei estadual já estabelece o seguro por incapacidade, "as empresas estão acostumadas com isso, e nós temos a base administrativa", declara.
 
Outros estados, incluindo Connecticut, devem avaliar legislação similar no ano que vem, em conjunto com a capital norte-americana. A senadora Kirsten Gillibrand (Partido Democrata, de Nova York) e a deputada Rosa DeLauro (Democrata, de Connecticut) apresentaram um projeto de lei de licença remunerada, a Lei da Família.
 
Sabemos que os empregados com a responsabilidade de cuidar lutam para não perder o emprego. Entre os trabalhadores que cuidam de adultos com mais de 50 anos, metade informou ter chegado atrasado ao trabalho, ter saído mais cedo ou tirado folga, informam a associação dos aposentados e a National Alliance for Caregiving.
 
Quatorze por cento faltaram formalmente; 13% reduziram as horas ou encontraram empregos menos exigentes. Quatro por cento e aposentaram antes do planejado, e 6% simplesmente deixaram de trabalhar.
 
As consequências financeiras –a perda da renda atual e da futura– pode se revelar especialmente problemática para mulheres, que, em média, ganham menos e, comumente, são as principais cuidadoras. 
 
"Para me sustentar, usei toda a minha poupança para a aposentadoria depois que completei 50 anos", diz Marcy Sherman-Lewis. Após anos desempregada, ela também enfrenta uma redução nos benefícios da Previdência Social.
 
A licença remunerada não irá resolver todos os dilemas dos cuidadores, é claro. Isso talvez funcione melhor durante os meses e anos em que eles ajudam os pais a se recuperarem de cirurgias, transportá-los a consultas ou colaborar fazendo compras e cozinhando.
 
O pai de Maryann Manelski, por sua vez, ficou cada vez mais incapacitado pela doença de Parkinson. "Ele precisava tomar remédios várias vezes ao dia", conta Maryann, 47 anos, cineasta nova-iorquina. "Precisávamos trocar o lençol todo dia. E foi assim durante anos."
 
Ela defende o projeto de lei em Nova York, mas 12 semanas de licença remunerada anual não teriam salvado todos os anos que ela passou cuidando dele. Porém, talvez a cineasta tivesse podido trabalhar mais tempo.
 
Os familiares podem combinar suas licenças, como sugeriu Shelley Webb, 60 anos, que largou o emprego de enfermeira em Coeur d'Alene, Idaho, quando o pai desenvolveu demência. "Se você tivesse irmãos e cada um deles pudesse tirar três meses, seria possível cuidar de uma pessoa com demência", fala.
 
Marcy não tinha essa opção quando chegou a vez de seus pais. Nem licença nem irmãos. "Era eu ou ninguém. Era eu ou eles teriam uma overdose ou botariam fogo na casa."
 
Assim, ela fez o que julgava necessário e, como resultado, "eu posso ter de trabalhar como recepcionista do Walmart quando tiver 80 anos".
 
A declaração tem um fundo de verdade.