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Homens deixam até de cuidar da saúde para não ter masculinidade questionada

Para manter a imagem de "macho", muitos homens não choram nem cuidam da saúde - Getty Images
Para manter a imagem de "macho", muitos homens não choram nem cuidam da saúde Imagem: Getty Images

Yannik D´Elboux

Colaboração para o UOL, no Rio de Janeiro

17/03/2016 07h05

Cada vez que um jogador de futebol aparece, em fotos ou vídeos, durante um momento carinhoso com algum amigo sua orientação sexual é questionada. Foi assim com Emerson Sheik e Ronaldo. Esse é apenas um exemplo de como os comportamentos masculinos também são patrulhados e criticados.

Por causa das expectativas sociais do que significa ser e agir como homem, muitos acabam limitando ou condicionando suas escolhas e seus gestos. Alguns se privam de usar roupas coloridas, dançar, beijar os amigos, chorar em público e até de cuidar da própria saúde. Aqueles que tentam seguir o padrão evitam qualquer coisa que um “macho” ou “homem de verdade” não faria.

“Existe uma cobrança da sociedade por uma masculinidade hegemônica, determinados comportamentos que os homens têm de seguir”, diz o sociólogo Edyr Batista de Oliveira Júnior, pesquisador na área de antropologia sobre questões de gênero e masculinidades pela UFPA (Universidade Federal do Pará).

Para Oliveira, essa imposição gera angústia em alguns homens, que não se reconhecem nos estereótipos mais comuns associados ao “machão”.

O ideal masculino não é algo que nasce com o cromossomo Y, mas faz parte de um processo social e cultural. Desde a infância, no convívio com a família e na escola, os meninos vão aprendendo o que representa ser homem.

“Tornar-se homem em nossa sociedade significa exibir no corpo, nos gestos e nos desejos coisas que representariam um suposto ideal de masculinidade”, afirma o psicólogo Fernando Pocahy, professor e coordenador do Geni (Grupo de Estudos sobre Gênero, Sexualidade e Interseccionalidades na Educação e na Saúde) da UERJ (Universidade do Estado do Rio de Janeiro).

A masculinidade também não tem nada a ver com a sexualidade. Equivocadamente, a homossexualidade é muitas vezes ligada à perda dessa característica. “Como se a masculinidade ou a feminilidade estivessem desde sempre associadass à heterossexualidade”, declara Pocahy.

Mais afeto

Quem estuda o assunto reforça que não se pode falar em masculinidade no singular, pois o termo compreende diferentes identidades e formas de se expressar. Nem todos se rendem às expectativas e aos padrões sociais. “Alguns tentam escapar desses fantasmas da masculinidade normativa e experimentam maneiras de vivê-la de forma mais suave”, fala o professor da UERJ.

Aos poucos, as fronteiras entre coisas de menino e menina vão sendo rompidas. Um vídeo de um pai contando que deixou seu filho escolher uma boneca, na troca de um presente repetido de aniversário, chamou a atenção dos internautas no final do ano passado.

Além disso, os homens parecem cada vez mais confortáveis em manifestar seus sentimentos e emoções, aspectos que até pouco tempo atrás eram bastante reprimidos. O bordão “homem não chora” ou cumprimentos apenas com aperto de mão entre amigos e familiares não são mais regra. “A relação entre amigos está mudando, os homens estão demonstrando mais proximidade”, afirma Edyr Oliveira. Contudo, o pesquisador nota que essas transformações são maiores ou menores conforme várias particularidades, como escolaridade, educação religiosa, regiões do Brasil, faixa geracional etc.

Saúde frágil

Querer manter a imagem de forte mata os homens. Segundo dados do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), em média, a população masculina vive sete anos a menos do que a feminina. A expectativa de vida para os homens brasileiros é de 71,3, enquanto para as mulheres é de 78,6 anos.

Além das mortes violentas atingirem mais a população masculina, os homens procuram menos os serviços de saúde e têm dificuldade em aderir aos tratamentos. “Dentro do ideal de masculinidade, é um sinal de fraqueza ir ao médico”, diz José Rodrigo da Silva, enfermeiro e filósofo, autor de uma tese de mestrado sobre masculinidade e saúde do homem pela UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais).

Em seu estudo, ficou clara a resistência que os homens ainda apresentam, apesar das mudanças, a tudo que seja historicamente ligado ao universo feminino, como cuidar da saúde. “Os homens ainda deixam de fazer certas coisas com medo de serem menos homens ou tão vulneráveis quanto as mulheres”, diz José Rodrigo da Silva.