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Você sabia que adultos também têm TDAH? Conheça histórias

Carlos e a família durante as férias de 2015, quando ele ficou sem a medicação - Arquivo pessoal
Carlos e a família durante as férias de 2015, quando ele ficou sem a medicação Imagem: Arquivo pessoal

Thais Carvalho Diniz

Do UOL, em São Paulo

05/05/2016 07h10

Foi lendo uma reportagem em uma revista que o advogado Carlos Biachin, 36, descobriu que tem TDAH (Transtorno do Déficit de Atenção com Hiperatividade), uma desordem neurobiológica. Há dois anos, ele trata o problema -- reconhecido pela OMS (Organização Mundial da Saúde)-- com acompanhamento psicológico e psiquiátrico.

"Ao descrever os sintomas, parecia que o texto estava falando de mim. Desde criança, sempre tive muita dificuldade de concentração, a ponto de não conseguir ler um livro ou assistir a um filme continuamente. Na vida adulta, isso começou a afetar o meu trabalho, mas nunca imaginei que fosse TDAH, por ser algo que se fala mais relacionado à infância", afirma.

Biachin não está errado. Por ser diagnosticado com mais frequência em crianças, quando a hiperatividade e desatenção começam a ganhar destaque na fase da alfabetização, por volta dos sete anos, pouco se fala sobre o transtorno na idade adulta. Porém, carregá-lo sem tratamento pode prejudicar o indivíduo.

"Cheguei a entrar em crise porque comecei a acumular muita coisa e não me sentia capaz. Fui criando ferramentas, como planilhas, como ajuda porque não podia contar com a memória para me organizar. Mesmo assim, entrei em 'pane'. Tive um episódio depressivo e, então, no Carnaval de 2014, bem no ápice disso tudo, li a reportagem", conta o advogado.

A partir de então, ele conseguiu encontrar uma terapeuta, que fechou o diagnóstico psicológico e o encaminhou para um psiquiatra, que o auxiliou com a parte medicamentosa. "Sinto que só remédio não resolve para mim. Preciso da terapia para me ajudar a corrigir as coisas no dia a dia e a viver com mais tranquilidade."

E o advogado não é o único adulto a ter o problema ou descobri-lo tardiamente. Segundo Mario Peres, neurologista e coordenador do Centro de Cefaleia São Paulo, “os estudos mais recentes mostram que o TDAH pode afetar até 4% da população adulta mundial”. "O diagnóstico é clínico, baseado no histórico e nos sintomas que o paciente apresenta, tanto de desatenção quanto de hiperatividade --esta segunda, mais fácil de ser percebida em crianças. Na maioria dos casos, ao puxarmos a vida desde a infância, percebe-se que o problema vem desde então." 

De acordo com Carmen Sílvia Miguel, neuropsicóloga colaboradora no Prodath (Programa de Déficit de Atenção e Hiperatividade no Adulto) do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, além da possível presença de hereditariedade, a depressão, ansiedade, transtorno de sono, etc também pode estar associada à assiduidade de TDAH no adulto.

"Falta de habilidade para se planejar, dificuldade de terminar projetos, tédio com tarefas que demandem muito esforço mental ou concentração, esquecimento de compromissos ou datas --importantes ou não-- e a dificuldade em manter relacionamentos --em função de irritabilidade e impaciência-- estão entre alguns dos prejuízos na vida social e profissional de quem tem o problema", declara Carmen.

A desatenção de Marcel já o fez esquecer o fogão ligado por 19 horas  - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
A desatenção de Marcel já o fez esquecer o fogão ligado por 19 horas
Imagem: Arquivo pessoal

Segundo Cleide Partel, terapeuta cognitivo-comportamental e criadora do site "Universo TDAH", apesar de vista com desconfiança, a medicação usada com acompanhamento médico é segura e não vicia, opinião compartilhada pelos outros especialistas ouvidos nesta reportagem.

"Pessoas que sofrem com TDAH têm mais chance de usar drogas e álcool como alento, além de maior probabilidade de sofrer acidentes e de se envolver em brigas. O remédio melhora a concentração e a impulsividade e diminui o risco de abusar de outras substâncias", afirma Cleide.

Biachin confirma a fala da especialista. “Tomo o remédio diariamente, mas já parei de usar durante as férias e passei muito bem. Sinto mais falta durante os intensos períodos de trabalho, quando a demanda de esforço intelectual é maior, mas também é comum não tomar nos finais de semana, por exemplo”, fala.

Há seis anos, o enfermeiro Marcel Brandão, 30, começou a perceber que tinha algo errado em seu comportamento. “Tinha problemas de desatenção com coisas primárias como a bagunça no quarto, quebrava objetos com frequência e, claro, tinha muita dificuldade de concentração no trabalho.”

Segundo ele, a falta de informação gera rótulos, principalmente nas crianças. “As pessoas me chamavam de atentado por conta da hiperatividade. E eu realmente era muito bagunceiro. Já quebrei mais de 20 ossos do corpo, nove só das mãos”, conta.

Diferentemente de Biachin, a primeira ação de Brandão foi procurar um neurologista, que o diagnosticou com TDAH. “Fomos acertando a medicação com o tempo e me sinto muito bem porque auxilia minha organização e impulsividade.” O estudante de medicina e criador da página TDAH – Brasil no Facebook dispensa terapia.

“Sou meu próprio terapeuta e direciono meus estudos para conhecer mais o problema e tentar ajudar ao máximo as pessoas com o transtorno. E um dia, se Deus permitir, vou me especializar em neurologia”, afirma Brandão.

De acordo com Carmen, o TDAH de forma geral está relacionado a um conjunto de alterações multifatoriais, que incluem fatores genéticos, ambientais e neurobiológicos. Sendo assim, a genética tem um papel importante na presença do problema, mas não explica sozinha sua existência. “Os critérios para diagnósticos atual do DSM-5 (Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais da Associação Americana de Psiquiatria) apontam que os sintomas de desatenção e/ou hiperatividade/impulsividade devem estar presentes antes dos 12 anos", fala a neuropsicóloga Carmen.

Para Biachin, que tem um filho de seis anos, o sinal de alerta já acendeu. Ele fala que o garoto tem muita dificuldade de ficar parado e se concentrar. “Não quero que meu filho tenha os traumas pelos quais precisei passar. Ele já faz acompanhamento com psicóloga e também com uma psicopedagoga. Nenhuma das duas chegou a um diagnóstico ainda, mas eu e minha mulher, Ana Claudia, estamos atentos.”