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Jovens que se excitam só com pornô enfrentam até impotência

Gabriel Deem parou de ver pornô há cinco anos e diz que recuperou sua vida sexual - Arquivo Pessoal
Gabriel Deem parou de ver pornô há cinco anos e diz que recuperou sua vida sexual Imagem: Arquivo Pessoal

Yannik D´Elboux

Colaboração para o UOL, no Rio de Janeiro

13/07/2016 07h05

Aos 23 anos, Gabriel Deem não conseguia mais ter ereção sem o estímulo de uma tela. O personal trainer norte-americano conta que durante a adolescência assistia a muita pornografia pela internet e que aos poucos foi se interessando por cenas cada vez mais bizarras.

O hábito gerou um impacto na vida sexual que ele não esperava. “Foi ficando mais difícil me excitar e ter uma ereção com uma garota real, chegando ao ponto em que nada me excitava a não ser o pornô, não importava quão sexy era a menina ou o quanto tentávamos.”

O fotógrafo e ilustrador João*, 31, de Botucatu (SP), não chega a ter problemas de ereção, porém assume que sente mais prazer vendo pornô do que fazendo sexo.


“Em uma transa de meia hora, eu me sinto mais excitado nos primeiros cinco minutos, depois vai perdendo a graça e muitas vezes perco o interesse total”, diz.

Essa situação não acontece quando ele assiste aos vídeos, coisa que faz diariamente. “Às vezes passo horas vendo e consigo manter a excitação o tempo todo.”

Além de não alcançar o mesmo nível de estímulo, João raramente tem orgasmo na relação sexual. Ejaculação retardada ou até ausência de orgasmo, dificuldade de ereção e falta de desejo são alguns dos efeitos colaterais que podem acontecer com aqueles que, mesmo sem querer, substituem o sexo pela pornografia.

O problema está chegando aos consultórios e despertando a atenção de pesquisadores. “Alguns jovens acabam se satisfazendo com uma vida sexual virtual e perdem o interesse no sexo a dois”, afirma a psiquiatra Carmita Abdo, fundadora e coordenadora do Prosex (Programa de Estudos em Sexualidade) da FMUSP (Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo).

Segundo a médica, que tem atendido casos como esses, a masturbação repetitiva com auxílio da pornografia pode agravar a dificuldade em obter prazer com alguém. “A pessoa se habitua ao sexo solitário e, na hora da relação a dois, o estímulo pode não ser suficiente”, declara.

Para o professor de fisiologia e anatomia Gary Wilson, autor do site “Your Brain on Porn” (“Seu Cérebro no Pornô”, em tradução livre do inglês), muitas disfunções sexuais, sobretudo em jovens, são resultantes do excesso do uso da pornografia. “Esses homens condicionaram a resposta sexual a um estímulo artificial.”

Pornô em alta velocidade

Com a internet rápida, veio também a possibilidade de consumir pornografia em grande intensidade e variedade. Essa é a primeira geração a desenvolver a sexualidade em meio a tanto material erótico facilmente disponível.

Gary Wilson diz acreditar, com base nas pesquisas de neurocientistas que analisa, que o consumo elevado de pornô produz mudanças cerebrais e está relacionado a problemas como o aumento de disfunção erétil em jovens.

“Historicamente, índices em homens com menos de 40 anos eram de menos de 3%, agora estão entre 27% e 33%”, diz.

Para a maioria das pessoas, ver pornografia na internet não causa nenhum prejuízo ou dependência. Contudo, alguns sintomas podem servir de alerta para homens com problemas de desempenho, como dificuldade em usar camisinha, necessidade de assistir a vídeos pornô para ter ou manter a ereção, falta de excitação e de orgasmo.

Segundo Gary Wilson, quando essas situações ocorrem apenas com as parceiras são forte indicativo de uma sexualidade condicionada ao uso do pornô.

“Novidade constante, estímulos específicos, várias telas e perspectiva do ´voyeur´ são aspectos que tornam o gênero mais excitante do que a relação sexual para o cérebro, já que essa depende de toque, estimulação mútua e intimidade”, fala Wilson.

Segundo o urologista Eduardo Bertero, coordenador geral do Departamento de Andrologia da SBU (Sociedade Brasileira de Urologia), a disfunção erétil entre os jovens, além de ser mais rara, quase sempre está ligada à esfera emocional e psicológica.

Para Bertero, o excesso de pornografia pode contribuir para o problema, mas não é o único fator responsável. “A dificuldade de ereção está relacionada à ansiedade e à insegurança. Com a parceira, existe cobrança, inibição, diferentemente do pornô.”

Menos pornô mais vontade

Depois de concluir que a pornografia estava acabando com sua vida sexual, Gabriel Deem parou completamente de consumir conteúdos eróticos. “Faz cinco anos que não assisto a pornô, sexo real é muito melhor e mais satisfatório.”

Ele conta que demorou nove meses para se recuperar e que é comum no início não ver resultado. Gabriel Deem coordena o fórum Reboot Nation, uma comunidade na internet que encoraja pessoas com problemas similares a cortar o uso do pornô. Há mulheres entre os 8.000 membros, porém em número bem menor do que o de homens.

Na tentativa de manter a excitação no sexo, João já tomou medicamento para ereção. “Ajudou, mas não na libido. Pelo menos tive a segurança de não deixar a pessoa na mão”, conta.

Além de buscar acompanhamento psicológico, diminuir ou eliminar o uso da pornografia pode mesmo ajudar quem se sente dependente desse recurso para ter prazer. “É uma forma de aumentar o desejo pela abstinência e de tentar recuperar a necessidade de parceria”, fala Carmita Abdo.
*Nome fictício a pedido do entrevistado.