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Ainda faz sentido existir concurso de beleza no mundo de hoje?

Ao ser coroada, Iris Mittenaere, a vencedora francesa, é cumprimentada por suas companheiras de disputa - Xinhua/Linus Guardian Escandor Ii/ZUMAPRESS
Ao ser coroada, Iris Mittenaere, a vencedora francesa, é cumprimentada por suas companheiras de disputa
Imagem: Xinhua/Linus Guardian Escandor Ii/ZUMAPRESS

Bárbara Stefanelli

Do UOL

31/01/2017 04h15

Aconteceu, neste domingo (29), mais uma edição do concurso Miss Universo, que levou 82 candidatas a disputarem o título de mulher mais bela do planeta. No entanto, em um mundo em que cada vez mais mulheres lutam pela igualdade de direitos, ainda faz sentido existir concursos deste tipo? Na Argentina, há um movimento surgindo contra este tipo de evento. Os motivos incluem a preocupação com a violência de gênero e os questionamentos sobre os tradicionais padrões de beleza. Vale ainda lembrar que o atual presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, que foi acusado por fazer comentários machistas, era dono do evento. O que diz muito. 

Abaixo, leia o que mulheres que lutam pelos direitos iguais e figuras do mercado da moda pensam sobre o evento:

"É insano defender um concurso de beleza"

Gabriela Moura, co-autora do livro "#MeuAmigoSecreto: Feminismo Além das Redes" - Arquivo Pessoal - Arquivo Pessoal
Gabriela Moura
Imagem: Arquivo Pessoal

"Pela TV, uma comentarista disse que a atual proposta do concurso é avaliar a 'beleza com propósito', para que a miss exerça uma mudança no mundo, participando de projetos sociais e ações que possam inspirar crianças ao redor do globo. Entretanto, a aparência continua sendo o primeiro e principal filtro para ser essa representante universal.
 

É preciso respeitar a trajetória e o trabalho de cada moça ali. Porém, é insano defender um concurso de beleza, com exigências precisas de medidas e comportamento. Nenhuma mulher deveria depender de um padrão de beleza para se sentir feliz e aceita.

Raissa Santanta [candidata brasileira] foi doce ao dizer, em uma entrevista que foi ao ar antes da cerimônia, que deseja ser uma forma de representatividade para as meninas negras do Brasil. E não podemos jogar nos ombros da modelo a obrigação de erguer uma bandeira política. Mas vale lembrar que ser uma mulher negra representante da beleza tem seus limites.

Temos o exemplo da ex-globeleza Nayara Justino, substituída por ser ‘negra demais’, com sua pele bem escura e cabelo crespo. Representatividade não pode significar ter que se adequar a um modelo de beleza. E o concurso de miss mostra que é importante você ser você mesma, mas apenas se você for magra e alta..."

Gabriela Moura, co-autora do livro “#MeuAmigoSecreto: Feminismo Além das Redes” e integrante do coletivo Não Me Kahlo.
 

"Não dá para comparar mulheres"

Juliana Romano - Arquivo Pessoal - Arquivo Pessoal
Juliana Romano
Imagem: Arquivo Pessoal
Quanto à polêmica em relação ao fato da candidata canadense ser apontada como mais gorda em relação às outras, só prova como esse concurso é estúpido e excludente. Já passou da hora das mulheres começarem a se questionar quem escolheu essa medida e por que nos comovemos com isso. Os jurados e comentaristas também corroboram com essa mentalidade preconceituosa e padronizada. 

Acho esses concursos de beleza extremamente prejudiciais às mulheres. Colocar uma medida para a beleza não tem cabimento, principalmente no mundo em que vivemos hoje, com movimentos tão lindos de aceitação e valorização. Mulheres não são objetos para serem leiloados ou colocados em exposição, para serem avaliadas.

Também tem a questão da competição, que, particularmente, acho extremamente errante. Não dá para comparar mulheres. Beleza é subjetiva e baseada em construção social. Não é à toa que, embora tenha uma certa diversidade de etnia no concurso, costumam ganhar as que se assemelham mais aos padrões europeus de beleza.

Juliana Romano, blogueira de moda plus size.

"É uma estética que permaneceu congelada"

Jô Souza, pesquisadora de comportamento e tendências de moda - Arquivo Pessoal - Arquivo Pessoal
Jô Souza
Imagem: Arquivo Pessoal
Acho que não tem mais relevância, nem para estilistas nem para o mercado de consumo de moda. Percebo que hoje a diversidade é mais relevante para o meio. A última edição da SPFW, que sempre reforçou esses padrões e tinha muito de segregação, teve o primeiro desfile plus size afro, com a LAB. Então até a semana de moda está no sentido de democratização da moda.

Esse tipo de concurso era muito forte nos anos 80. E parece que a estética permaneceu congelada. Lembro que, quando eu era adolescente, morando no interior da Bahia, assistia aos desfiles de miss pela TV, porque eles me davam certa visão das tendências de passarela e de consumo. Eu assistia para ver quais eram as tendências dos bailes de debutante. Todo mundo se reunia em frente à televisão para ver. Hoje não tem mais essa relevância, já que as pessoas se informam e buscam referências pela internet. Se fosse um concurso de blogueiras, faria até mais sentido.

Jô Souza, pesquisadora de comportamento e tendências de moda, também coordena a pós-graduação em Consultoria de Imagem e Estilo do Centro Universitário Belas Artes.

"Hoje as meninas querem ser Gisele e não miss"

Rodrigo Rosner, estilista - Alice Vergueiro/Folhapress - Alice Vergueiro/Folhapress
Rodrigo Rosner
Imagem: Alice Vergueiro/Folhapress
Há muito tempo que esses concursos tentam dar um aspecto mais de moda, mas nunca conseguem atingir o objetivo. E nem combina com o evento, que de tão ruim acaba fincando bom; de tão trash, vira cult. O concurso resgata valores que não existem mais. Tem um ranço de cafonice que faz parte do Miss Universo e acho que é por isso que ele funciona.

Eu fico curioso para assistir, para ver mulheres do mundo todo, com culturas e histórias diferentes, reunidas com o mesmo tema, seja gala ou traje típico. E acho muito curioso quem hoje em dia se dispõe a ser miss. Não estou querendo desmerecer o trabalho das misses. Acho até que elas fazem um trabalho interessante, de cunho social.

Mas hoje as meninas querem ser Gisele, não uma miss. Até os anos 90, fazia sentido. Mas agora é muita maquiagem, muito brincão, muito cílios postiços. É uma estética diferente, o oposto do que está na moda.

E para mim, falando como estilista, a estética, de fato, não é relevante. Nem para minhas clientes. Quando acontece Globo de Ouro ou Oscar, elas chegam com referências, mas nunca uma cliente minha me mostrou um vestido de miss. E olha que eu tenho 20 anos de carreira.

Rodrigo Rosner, estilista de moda festa.