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Lei que proíbe algemar presa no parto é vitória e vergonha ao mesmo tempo

?O ato de manter a mulher algemada é humilhação social", diz coordenador da Comissão de Direitos Humanos - Getty Images
?O ato de manter a mulher algemada é humilhação social", diz coordenador da Comissão de Direitos Humanos Imagem: Getty Images

Adriana Nogueira

Do UOL

23/03/2017 15h53

Nesta quarta-feira (22), foi aprovado no Senado projeto de lei que proíbe presas de serem algemadas na hora de dar à luz. A medida agora aguarda sanção presidencial. “É uma luta de anos e, por isso, uma conquista, mas é também uma vergonha precisar de uma lei para garantir isso”, afirma a irmã Petra Silvia Pfaller, coordenadora da Pastoral Carcerária para a Questão da Mulher Presa.

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Para Ana Gabriela Braga, professora da Faculdade de Ciências Humanas e Sociais da Unesp (Universidade Estadual Paulista) de Franca (SP) e doutora em criminologia pela USP (Universidade de São Paulo), é um acontecimento significativo, pois é a primeira vez que o tema dá origem a uma lei federal.

“Existiam resoluções estaduais apenas”, diz a especialista, que é autora da pesquisa “Dando à Luz na Sombra”, por meio da qual, ao longo de nove meses, analisou as condições do exercício da maternidade para mães em situação de prisão.

Fuga espetacular?

Assim como a irmã Petra, Ana Gabriela destaca o absurdo de uma necessidade básica –a de estar livre para se movimentar na hora de parir– ter de ser objeto de lei para ser respeitada. “Imagine uma mulher em trabalho de parto planejando uma fuga espetacular ou agredindo algum profissional de saúde?”

A religiosa da Pastoral Carcerária cita que não usar algemas durante o trabalho de parto já havia sido colocado em outros instrumentos legais. “A Lei das Algemas [de setembro de 2016] coloca como proibido o uso desse item durante o parto. Assim como as Regras de Bangoc [de 2010], tratado internacional do qual o Brasil é signatário.”

Humilhação social

O advogado Martim de Almeida Sampaio, coordenador da Comissão de Direitos Humanos da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) de São Paulo, afirma que o problema é que o país assina convenções de direitos humanos e não as cumpre como deveria.

“O ato de manter a mulher algemada ultrapassa a questão da pena. Vira uma vingança da sociedade contra essa presa, vira humilhação social. Coloca-se em risco a mãe e a criança, e o que se ganha com isso? Nada”, diz Sampaio.

Em julho de 2014, o Estado de São Paulo foi condenado a pagar indenização à ex-presidiária que deu à luz, por meio de parto normal, com braços e pernas amarrados. A repercussão do episódio –ocorrido em 2011– fez com que, no ano seguinte, o governador Geraldo Alckmin publicasse um decreto proibindo a prática.

Camburão em vez de ambulância

Em suas entrevistas para a pesquisa “Dando à Luz na Sombra”, Ana Gabriela ouviu muitos relatos como o desse caso famoso. A doutora em criminologia diz que ainda há muitos problemas ainda que envolvem a questão da maternidade das presas.

“De forma geral, a presa é conduzida a um hospital público nas proximidades de onde está detida. Só que o transporte, muitas vezes, acontece em camburão, com a gestante algemada, e não em uma ambulância. E é bastante comum que ela não consiga chegar a tempo. Há inúmeras histórias de quem pariu no próprio presídio, sem assistência médica nem condições de higiene”, declara Ana Gabriela.

Irmã Petra aponta que outro direito que a presa não vê respeitado é o de ter um acompanhante no momento do nascimento do filho. “É mais um tema previsto nas Regras de Bangoc que não é respeitado. A mulher dá à luz sendo vigiada por um agente penitenciário.”

Separação

Após o nascimento, a detenta ainda sofre da incerteza sobre o que vai acontecer com o filho. A Lei de Execução Penal e a própria Constituição Federal garantem que a mulher tem o direito de ficar, pelo menos, por seis meses com o bebê no cárcere, tendo em vista a necessidade de amamentá-lo. De acordo com a OMS (Organização Mundial da Saúde), a criança deve ser alimentada exclusivamente no peito até os seis meses e continuar mamando até dois anos ou mais.

“Só que esse prazo acaba sendo o máximo que a maioria consegue ficar com o filho, diante da necessidade de liberar a vaga para que outra mulher possa estar com o filho recém-nascido”, fala Ana Gabriela.

Passado esse tempo, a criança é separada da mãe e encaminhada para que fique sob a guarda da família ou em um abrigo. “Nas minhas pesquisas, ouvi relatos de mulheres cujos filhos foram separados delas, encaminhados para abrigos e elas nunca mais tiveram notícia.”