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Caso Zé Mayer: "Criação machista" pode ser justificativa para assédio?

Reprodução/Gshow
Imagem: Reprodução/Gshow

Denise de Almeida

Do UOL

07/04/2017 04h10

Na carta aberta em que José Mayer divulgou seu pedido de desculpas pelo assédio à figurinista Su Tonani, o ator afirma que é fruto de uma geração machista. Mas isso justifica a violência que ele cometeu?

O UOL conversou com Carlos Eduardo Zuma, psicólogo que trabalha em casos de violência dentro da família, e Mariana Meriqui Rodrigues, especialista em Gênero e Sexualidade e ativista feminista.

Os dois concordam que a criação machista não legitima o assédio, mas que de certa forma influencia atitudes como essa. De uma atitude corajosa a algo que ameniza a gravidade da situação, confira abaixo a opinião deles sobre o caso.

Corajoso, mas capenga

"Acho que é uma atitude corajosa a dele de fazer uma carta aberta se desculpando. É positivo num sentido geral, porque dá margem para a gente discutir e refletir, até para que alguns homens também consigam se identificar e pensar também sobre isso.

Nós crescemos em uma sociedade machista, onde alguns valores são reproduzidos muitas vezes sem uma reflexão. Agora você justificar uma atitude baseado nisso é uma explicação possível, mas não é aceitável. Ainda mais uma pessoa que tem um determinado nível socioeconômico, tem instrução. É uma pessoa que teve acesso à informação, teve oportunidade de refletir sobre essa situação.

Como ele mesmo diz na carta, ele tem mulher e filha. Não é possível que ele nunca tenha pensado na posição da mulher na sociedade, como ela é vulnerável dentro da nossa sociedade, então acho que justificar dessa forma soa um pouco capenga para ele, em especial.

Mas como uma constatação de que vivemos numa sociedade machista acho válido. Quem dera outros homens que também cometeram violências contra a mulher fossem falar publicamente a respeito e se desculpar. Para mim não importa se ele fez isso para salvar a própria pele. Ele poderia não ter feito nada ou ter se calado ou continuado a negar. Acho importante como exemplo, para chamar a atenção das pessoas sobre isso, para que não se repita”.

Carlos Eduardo Zuma, psicólogo que trabalha em casos de violência dentro da família

É preciso mais do que desculpas

"Isso influencia diretamente, mas não pode ser uma desculpa. Principalmente para quem tem acesso a outras informações. Então isso não pode ser justificável. ‘Eu faço assim porque eu aprendi assim’. Não, você teve um monte de tempo para reaprender e tem acesso a lugares, pessoas, discussões, ferramentas que se propõe a desconstruir isso.

Acho que toda retratação é importante, mas ela não pode ser a única coisa. E ela não pode ser encarada como se só isso bastasse, porque ele se desculpou. Não! Assédio é crime.

O que a gente precisa é de uma mudança muito maior. É preciso um engajamento maior para além do pedido de desculpas e da retratação. De muitas maneiras o pedido de desculpas acaba sendo aquela coisa 'ah, mas foi só uma piada, uma brincadeira'. Você acaba amenizando.

Me preocupa a gente reforçar uma ideia de que está tudo bem se eu cometer um assédio, porque nada vai acontecer. De novo ele recai na certeza da impunidade. E isso abre espaço para outros crimes acontecerem, outros assédios, outras atitudes machistas e sexistas.

Acho que o pedido de desculpas é válido para que quem assiste às novelas e o reconhece como alguém importante parem e pensem: se ele está pedindo desculpas é porque talvez seja uma coisa errada mesmo.

E é ineficiente um pedido de desculpas quando as novelas da Globo, que são o foco principal de atuação dele, incorporam personagens machistas e assediadores sem colocar nenhuma reflexão sobre isso. Pelo contrário, as atitudes machistas das personagens são o que dão aquele ‘charme de galã’, reproduzindo o estereótipo da masculinidade".

Mariana Meriqui Rodrigues, especialista em Gênero e Sexualidade e ativista feminista